Raízes
históricas da teologia da prosperidade
O evangelicalismo brasileiro apresenta características apreciáveis e
preocupantes. Entre estas últimas está o gosto por novidades. Líderes e fiéis
sentem que, para manter o interesse pelas coisas de Deus, é preciso que de
tempos em tempos surja um ensino novo, uma nova ênfase ou experiência.
Geralmente tais inovações têm sua origem nos Estados Unidos. Assim como outros
países, o Brasil é um importador e consumidor de bens materiais e culturais
norte-americanos. Isso ocorre também na área religiosa. Um movimento de origem
americana que tem tido enorme receptividade no meio evangélico brasileiro desde
os anos 80 é a chamada teologia da prosperidade. Também é conhecida como
“confissão positiva”, “palavra da fé”, “movimento da fé” e “evangelho da saúde
e da prosperidade”. A história das origens desse ensino revela aspectos
questionáveis que devem servir de alerta para os que estão fascinados com
ele.
Ao contrário do que muitos imaginam, as idéias básicas da confissão positiva
não surgiram no pentecostalismo, e sim em algumas seitas sincréticas da Nova
Inglaterra, no início do século 20. Todavia, por causa de algumas afinidades
com a cosmovisão pentecostal, como a crença em profecias, revelações e visões,
foi em círculos pentecostais e carismáticos que a confissão positiva teve maior
acolhida, tanto nos Estados Unidos como no Brasil. A história de seus dois
grandes paladinos irá elucidar as raízes dessa teologia popular e mostrar por
que ela é danosa para a integridade do evangelho.
Essek W. Kenyon, o pioneiro
Embora os adeptos da teologia da prosperidade considerem Kenneth Hagin o pai
desse movimento, pesquisas cuidadosas feitas por vários estudiosos, como D. R.
McConnell, demonstraram conclusivamente que o verdadeiro originador da
confissão positiva foi Essek William Kenyon (1867-1948). Esse evangelista de
origem metodista nasceu no condado de Saratoga, Estado de Nova York, e se
converteu na adolescência. Em 1892 mudou-se para Boston, onde estudou no
Emerson College, conhecido por ser um centro do chamado movimento
“transcendental” ou “metafísico”, que deu origem a várias seitas de orientação
duvidosa. Uma das influências recebidas e reconhecidas por Kenyon nessa época
foi a de Mary Baker Eddy, fundadora da Ciência Cristã.
Kenyon iniciou o Instituto Bíblico Betel, que dirigiu até 1923. Transferiu-se
então para a Califórnia, onde fez inúmeras campanhas evangelísticas. Pregou
diversas vezes no célebre Templo Angelus, em Los Angeles, da evangelista Aimee
Semple McPherson, fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular. Pastoreou
igrejas batistas independentes em Pasadena e Seattle e foi um pioneiro do
evangelismo pelo rádio, com sua “Igreja do Ar”. As transcrições gravadas de
seus programas serviram de base para muitos de seus escritos. Cunhou muitas
expressões populares do movimento da fé, como “O que eu confesso, eu possuo”.
Antes de morrer, em 1948, encarregou a filha Ruth de dar continuidade ao seu
ministério e publicar seus escritos.
Quais eram as crenças dos tais grupos metafísicos? Eles ensinavam que a verdadeira
realidade está além do âmbito físico. A esfera do espírito não só é superior ao
mundo físico, mas controla cada um dos seus aspectos. Mais ainda, a mente
humana pode controlar a esfera espiritual. Portanto, o ser humano tem a
capacidade inata de controlar o mundo material por meio de sua influência sobre
o espiritual, principalmente no que diz respeito à cura de enfermidades. Kenyon
acreditava que essas idéias não somente eram compatíveis com o cristianismo,
mas podiam aperfeiçoar a espiritualidade cristã tradicional. Mediante o uso
correto da mente, o crente poderia reivindicar os plenos benefícios da
salvação.
Kenneth Hagin, o divulgador
O grande divulgador dos ensinos de Kenyon, a ponto de ser considerado o pai do
movimento da fé, foi Kenneth Erwin Hagin (1917-2003). Ele nasceu em McKinney,
Texas, com um sério problema cardíaco. Teve uma infância difícil,
principalmente depois dos 6 anos, quando o pai abandonou a família. Pouco antes
de completar 16 anos sua saúde piorou e ele ficou confinado a uma cama. Teve
então algumas experiências marcantes. Após três visitas ao inferno e ao céu,
converteu-se a Cristo. Refletindo sobre Marcos 11.23-24, chegou à conclusão de
que era necessário crer, declarar verbalmente a fé e agir como se já tivesse
recebido a bênção (“creia no seu coração, decrete com a boca e será seu”).
Pouco depois, obteve a cura de sua enfermidade.
Em 1934 Hagin começou seu ministério como pregador batista e três anos depois
se associou aos pentecostais. Recebeu o batismo com o Espírito Santo e falou em
línguas. No mesmo ano foi licenciado como pastor das Assembléias de Deus e
pastoreou várias igrejas no Texas. Em 1949 começou a envolver-se com pregadores
independentes de cura divina e em 1962 fundou seu próprio ministério.
Finalmente, em 1966 fez da cidade de Tulsa, em Oklahoma, a sede de suas
atividades. Ao longo dos anos, o Seminário Radiofônico da Fé, a Escola Bíblica
por Correspondência Rhema, o Centro de Treinamento Bíblico Rhema e a revista
“Word of Faith” (Palavra da Fé) alcançaram um imenso número de pessoas. Outros
recursos utilizados foram fitas cassete e mais de cem livros e panfletos.
Hagin dizia ter recebido a unção divina para ser mestre e profeta. Em seu
fascínio pelo sobrenatural, alegou ter tido oito visões de Jesus Cristo nos
anos 50, bem como diversas outras experiências fora do corpo. Segundo ele, seus
ensinos lhe foram transmitidos diretamente pelo próprio Deus mediante
revelações especiais. Todavia, ficou comprovado posteriormente que ele se
inspirou grandemente em Kenyon, a ponto de copiar, quase palavra por palavra,
livros inteiros desse antecessor. Em uma tese de mestrado na Universidade Oral
Roberts, D. R. McConnell demonstrou que muito do que Hagin afirmou ter recebido
de Deus não passava de plágio dos escritos de Kenyon. A explicação bastante
suspeita dada por Hagin é que o Espírito Santo havia revelado as mesmas coisas
aos dois.
Reflexos no Brasil
Os ensinos de Hagin influenciaram um grande número de pregadores
norte-americanos, a começar de Kenneth Copeland, seu herdeiro presuntivo.
Outros seguidores seus foram Benny Hinn, Frederick Price, John Avanzini, Robert
Tilton, Marilyn Hickey, Charles Capps, Hobart Freeman, Jerry Savelle e Paul
(David) Yonggi Cho, entre outros. Em 1979, Doyle Harrison, genro de Hagin,
fundou a Convenção Internacional de Igrejas e Ministros da Fé, uma virtual
denominação. Nos anos 80, os ensinos da confissão positiva e do evangelho da
prosperidade chegaram ao Brasil. Um dos primeiros a difundi-lo foi Rex Humbard.
Marilyn Hickey, John Avanzini e Benny Hinn participaram de conferências
promovidas pela Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno (Adhonep).
Outros visitantes foram Robert Tilton e Dave Robertson.
Entre as primeiras manifestações do movimento estavam a Igreja do Verbo da Vida
e o Seminário Verbo da Vida (Guarulhos), a Comunidade Rema (Morro Grande) e a
Igreja Verbo Vivo (Belo Horizonte). Alguns líderes que abraçaram essa teologia
foram Jorge Tadeu, das Igrejas Maná (Portugal); Cássio Colombo (“tio Cássio”),
do Ministério Cristo Salva, em São Paulo; o “apóstolo” Miguel Ângelo da Silva
Ferreira, da Igreja Evangélica Cristo Vive, no Rio de Janeiro, e R. R. Soares,
responsável pela publicação da maior parte dos livros de Hagin no Brasil.
Talvez a figura mais destacada dos primeiros tempos tenha sido a pastora
Valnice Milhomens, líder do Ministério Palavra da Fé, que conheceu os ensinos
da confissão positiva na África do Sul. As igrejas brasileiras sofreram o
impacto de uma avalanche de livros, fitas e apostilas sobre confissão positiva.
Ricardo Gondim observou em 1993: “Com livros extremamente simples, [Hagin]
conseguiu influenciar os rumos da igreja no Brasil mais do que qualquer outro
líder religioso nos últimos tempos”.
Conclusão
Além de apresentar ensinos questionáveis sobre a fé, a oração e as prioridades
da vida cristã, e de relativizar a importância das Escrituras por meio de novas
revelações, a teologia da prosperidade, através dos escritos de seus expoentes,
apresenta outras ênfases preocupantes no seu entendimento de Deus, de Jesus
Cristo, do ser humano e da salvação. A partir dos anos 80, várias denominações
pentecostais norte-americanas se posicionaram oficialmente contra os excessos
desse movimento (Assembléias de Deus, Evangelho Quadrangular e Igreja de Deus).
Autores como Charles Farah, Gordon Fee, D. R. McConnell e Hank Hanegraaff,
todos simpatizantes do movimento carismático, escreveram obras contestando a
confissão positiva e suas implicações. Eles destacaram como, embora essa
teologia pareça uma maneira empolgante de encarar a Bíblia, ela se distancia em
pontos cruciais da fé cristã histórica.
No Brasil, três obras significativas publicadas em 1993 -- “O Evangelho da
Prosperidade”, de Alan B. Pieratt; “O Evangelho da Nova Era”, de Ricardo
Gondim; e “Supercrentes”, de Paulo Romeiro -- alertaram solenemente as igrejas
evangélicas para esses perigos. Tristemente, vários grupos, principalmente os
que têm maior visibilidade na mídia, estão cada vez mais comprometidos com essa
teologia desconhecida da maior parte da história da igreja. Ao defenderem e
legitimarem os valores da sociedade secular (riqueza, poder e sucesso), e ao
oferecerem às pessoas o que elas ambicionam, e não o que realmente necessitam
aos olhos de Deus, tais igrejas crescem de maneira impressionante, mas perdem
grande oportunidade de produzir um impacto salutar e transformador na sociedade
brasileira.
FONTE REV.ULTIMATO
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