Uma Definição Sociológica de Seita
O que se pode afirmar das seitas que seja válido em geral dentro
de contextos culturais e épocas diferentes? É preciso que tal afirmação não
deixe que alguns fatores culturais e históricos concretos empanem os elementos
sociais uniformes que se dão na estrutura e desenvolvimento das seitas.
As
seitas são agrupamentos de caráter voluntário. Os indivíduos têm certa
possibilidade de decidir (teoricamente, uma possibilidade absoluta de decidir)
com respeito a sua adesão aos dogmas da seita. O crente deve eleger a seita,
embora se trate, na realidade, de uma eleição reciproca ( a seita admite ou
rejeita essa pessoa). Para passar a ser um de seus membros se requer certa
prova de mérito: o indivíduo tem de ser digno de pertencer a ela. Há nisso um
forte sentido de identidade: aquele que é admitido se converte em “um dos
nossos”. E este “dos nossos” se coloca acima de todos os demais “nossos”,
crescendo em força no sentido em que a seita reclama para si um acesso especial
e, normalmente, exclusivo as verdades sobrenaturais. A seita é um grupo que
exige de seus membros uma submissão plena e consciente que se não chega a
eliminar todos os demais compromissos deve, ao menos, situar-se acima deles,
quer se refiram ao estado, a tribo, a classe social ou a família.
Relacionado
a estas características, se encontra o fato que a seita se considera a si mesma
como uma elite. Enquanto possuidora da única e verdadeira doutrina, dos ritos
adequados e dos modelos corretos de retidão no comportamento social, se
considera a si mesma com um grupo aparte, arrogando para si normalmente a
salvação exclusiva. As seitas mostram normalmente uma inclinação para o
exclusivismo. O estar afiliado a elas se situa acima de todos os demais
compromissos de tipo secular, e normalmente exclui os demais compromissos religiosos.
Ao separar-se dos outros grupos, as seitas impugnam a santidade e autoridade
dos mesmos; o fato de pertencer a uma seita determinada supõe, assim, um
distanciamento, e talvez uma hostilidade, frente a outras seitas e grupos
religiosos.
Do rigor
destes atributos se segue que a maioria das seitas, sendo voluntárias, têm uma
vida muito intensa e impõe a seus membros responsabilidades, assim como contam
também com certos procedimentos para expulsar os desviados. A seita não é uma
entidade inconsciente, como poderia ocorrer com uma casta ou um clã em
determinadas circunstâncias sociais. Em outras palavras: não é um grupo social
que se considere como uma unidade “natural”. Em oposição ao modo tradicional
que tinham os judeus de conceber sua fé, ou os povos latinos de conceber o
catolicismo, a seita tem consciência de si mesma, e sua formação e recrutamento
são processos conscientes e deliberados. Por isso, é também um grupo que possui
um sentido de sua própria integridade e que pensa que essa integridade pode ser
ameaçada pelos membros despreocupados ou insuficientemente comprometidos. Por
isso, as seitas expulsam aqueles que se mostrem indignos delas.
Isto
impõe, por sua vez, uma série de normas a cada um dos seus membros.
Eles hão
de seguir a vida do perfeito sectário e, por conseguinte, a voluntariedade de
sua submissão e a prova de que merece ser membro do grupo somente serão
possíveis se tenham um sentido de compromisso pessoal. Como as seitas não
admitem discriminações quanto ao grau de compromisso, a integridade da seita e
claramente a integridade que reina entre seus membros. O autocontrole, a
consciência e a retidão são, pois, importantes características do sectarismo.
Embora as seitas professem uma série de ensinamentos, de
mandamentos e de práticas distintos dos que mantêm os ortodoxos, esta
alternativa não supõe jamais uma total e absoluta negação de todos os elementos
existentes na tradição ortodoxa, pois de outro modo não poderíamos qualificar a
seita de ser uma seita. Ela ainda se mantêm, ou procura manter-se, e mesmo
defender sua posição de ser a forma mais pura e legitima da fé original. Se
trata fundamentalmente de acentuar uma série de matizes diferentes,
acrescentando-se alguns elementos novos e suprimindo outros. Para propor esta
alternativa a seita deve recorrer a algum principio de autoridade distinto
daquele que é inerente a tradição ortodoxa, defendendo, ao mesmo tempo, sua
supremacia. A autoridade invocada por uma seita pode ser a suprema revelação de
um líder carismático, pode consistir em uma reinterpretação dos escritos
sagrados, ou bem pode ser a idéia de que os verdadeiros fiéis obterão uma
revelação por si mesmos. Em qualquer caso, a seita renega a autoridade oficial
da fé ortodoxa.
CARACTERISTICAS GERAIS
As
descrições que acabamos de fazer são de caráter geral e apontam a um “tipo
ideal”. Consequentemente, é uma caracterização das seitas bastante abstrata e
produto, em parte, da mente. Tratando já das seitas concretas, devemos esperar
que cada um destes atributos de tipo geral se afaste um pouco da formulação
proposta. As seitas estão sujeitas a mudanças, tanto devido as variações que se
dão a sua volta como também a um processo de mutação interna. Por conseguinte,
alguns atributos podem ir perdendo peso, e outros, em troca, ir ganhando
importância em determinados momentos da história de uma seita.
VOLUNTARIEDADE.
Embora as seitas sejam organismos de caráter voluntário, existe certa tendência
a que os filhos de seus membros abracem a mesma fé de seus pais. No
cristianismo ocidental uma determinada seita pode continuar exigindo de seus
jovens adeptos a profissão explicita de seus dogmas, o mesmo que fez com seus
pais, já que em tais sociedades existe a possibilidade de escolha entre
numerosas religiões.
EXCLUSIVISMO.
Umas das características essenciais de uma seita e exigir de seus fiéis uma
submissão absoluta. A raiz desta atitude e, entre as seitas cristãs, o
principio de afiliação exclusiva que rege no cristianismo e que surge do fato
do Deus de Israel ser um Deus zeloso.
Normalmente, o adepto assume seu compromisso com a seita de
forma distinta dos demais homens: com efeito, a seita se converte no ponto mais
importante com respeito a sua pessoa. Quando se faz alusão a ele, o que
interessa saber antes de qualquer outro dado, e que se trata de um membro de
tal ou qual seita.
MÉRITOS.
As seitas exigem um ato de aceitação. Mas quando as seitas perduram durante
muito tempo, semelhante prova de méritos pode converter-se em algo puramente
nominal.
AUTOIDENTIFICAÇÃO.
Qualquer de nós, arrastados pelo desejo de impor ao mundo uma ordem conceitual,
sente a tentação de buscar limites precisos e categorias inequívocas. As seitas
parecem uma afirmação quase natural desse mesmo principio. E não poderia ser de
outro modo, dado que as seitas são entidades sociais construídas pelos homens e
com consciência de si mesmas. Sem renunciar a esse enunciado geral, temos de
admitir que na realidade pode resultar tão árduo o trabalho de definir com
certeza as características de uma seita como nos trabalhos antropológicos o é
definir entidades as vezes tão vagas que são as tribos. As seitas,
semelhantemente as tribos, mantêm uma forte concepção de “nós” em contraposição
com todos os demais. Mas este “nós” pode variar quanto a sua aplicação, como
ocorre com as tribos, e apresentar limites pouco definidos. Quem se acha
completamente comprometido normalmente não tem problemas, mas há casos em que
estão vinculados as seitas os chamados”simpatizantes” que jamais procuraram a
admissão nelas, ou que jamais a conseguiram. Possuem também em seu bojo jovens
que não poderão fazer parte dela até alcançarem certa idade.
E, o que
é mais significativo, as seitas podem considerar a alguns movimentos, de certo
modo, mais próximos da verdade que outros. Isto pode ocorrer, por exemplo,
quando dentro de uma seita ocorre um cisma.
No principio, os grupos cindidos entre si possivelmente lançarão
anátemas múltiplos, fortalecendo consideravelmente seu sentido de
autoidentificação pelo fato de terem um inimigo palpável. Mas, uma vez que a
ruptura inicial sumir no esquecimento, ambos os grupos podem chegar a admitir
que têm mais em comum que motivos de separação, levando os velhos antagonismos
de caráter reciproco a se apaziguarem.
STATUS DE ELITE.
Até que ponto uma seita considera a si mesma como uma elite social é algo que
depende de toda uma série de fatores concretos, os mais importantes dos quais
são a tradição escatologica recebida e o caráter das relações que os membros da
seita mantêm com os de fora.
Dentro
do cristianismo é fundamental a idéia de uma certa eleição: o velho conceito de
tipo étnico de um povo escolhido foi herdado do judaísmo e transmitido a fé
cristã por aqueles que voluntariamente a abraçavam. Apesar de inclusas dentro
da tradição cristã, as seitas que têm buscado sua legitimação através das
Escrituras nem sempre conseguem facilmente afirmar que elas e somente elas são
os eleitos de Deus.
EXPULSÃO.
Cabe
pensar que, em geral, a prova de méritos prévia à admissão em uma seita implica
já nos critérios para continuar pertencendo a ela. Mas na prática vemos que se
bem que algumas seita mantêm seu nível de rigor, existem algumas em que o nível
daquele que estão afiliados começa a relaxar. Isto pode acontecer quando uma
seita adota medidas extremas para separar-se do resto da sociedade e começou a
nutrir suas fileiras, em geral, a base dos nascidos em seu próprio meio,
levando a surgir o questionamento de seus valores.
CONSCIÊNCIA.
Igualmente pode variar o grau de autoconsciência e de compromisso consciente
que têm lugar dentro de uma seita. Isto ocorre, sobretudo, quando se impõe o
princípio de nutrir as fileiras da seita a base dos nascidos em seu próprio
seio, se bem que algumas seitas fazem um trabalho se socialização de suas
crianças que ao abandonarem a primeira infância já tem consciência de suas
diferenças com o resto do mundo.
Ocorre também outro caso em que a consciência, se não já a
autoconsciência, parecem sofrer uma transformação insólita dentro de alguns
movimentos sectários. Se trata do caso em que se aceita com tal entusiasmo a
idéia de um status de elite, que os fieis crêem ser um povo escolhido,
independentemente de sua conduta moral. Ao ser os escolhidos, podem chegar a
considerar-se perfeitos: e deste modo, a conduta que em outros podia ser pecaminosa,
não pode, por definição, ser pecaminosa para eles. Esta tendência – o
antinomianismo – há tido lugar em uma série de seitas cristãs, especialmente
nos séculos XVI e XVII. Tal posição sempre tem se chocado com uma profunda
desaprovação, já que se trata de uma doutrina que dá rede a solta aos membros
de tais seitas para se comportarem como melhor lhes apraz. Este fato contrasta
fortemente com a tendência mais freqüente ente as seitas de impor a seus
membros normas de decoro e de conduta mais severas que as de outros homens, a
fim de que assim se manifeste sua adesão a uma verdade superior.
LEGITIMAÇÃO.
Nenhuma
seita faz sua aparição sem contar com uma justificação de tipo ideológico. As
seitas se atribuem uma autoridade sagrada, com o fim de persuadir aos homens
que abandonem o sistema religioso ortodoxo. É necessário haver uma pessoa – ou
várias pessoas – com uma autoridade que lhes permita dar a conhecer esta
legitimação.
Quando a
seita se forma em torno de um líder carismático (o qual pode ser, por sua vez,
a fonte sagrada e seu interprete), a legitimação está constituída pelo carisma.
Em outros casos se reconhece um colégio de líderes, e são criados métodos para
nomear ou eleger aos líderes. Mas também há seitas cujos membros negam
veementemente que exista intermediário entre Deus ou sua palavra e eles. Estes
rechaçam qualquer forma de organização humana, crendo-se chamados eles mesmos a
fazer o que Deus ordena. Estas seitas se opõem a autoridade e tornam-se
profundamente anticlericais, sua oposição lança-se tanto contra a organização
da Igreja como contra seus ensinamentos.
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