A divindade de Cristo antes de Nicéia
Uma das
acusações freqüentes entre os defensores da TNM é que Jesus não teria sido
considerado Deus antes do Concílio de Nicéia. Em debates na internet essa
alegação é comum e alguns chegam a solicitar evidências de que Jesus teria sido
chamado Deus antes do terceiro século. É claro que os que fazem tal alegação
desconsideram aquelas realizadas já no NT.
Na verdade tal afirmação é uma maldade com Jo.1.1 que claramente
afirma que Jesus é Deus. Entretanto, o que querem dizer os defensores da TNM é
que o conceito da trindade é apenas observado do terceiro século em diante e
que antes disso os documentos sobreviventes escritos pelos Pais da Igreja não
teriam falado sobre esse assunto.
Mas, ainda assim, essa afirmação corresponde à verdade?
Para os TJs, a doutrina da Divindade de Cristo teria sido
postulada oficialmente no Concíclio de Nicéia, que teria deturpado
definitivamente o cristianismo primitivo. Segundo eles, Constantino teria
organizado o Concílio de Nicéia para resolver se Jesus era Divino ou não.
Entretanto, essa conclusão comum não é verdadeira. Bart Ehrman, em uma obra
comercial entitulada “Verdade
e Ficção em o Código DaVinci”, sobre o Concílio de Nicéia e
Constantino afirma:
“Constantino
efetivamente convocou o Concílio de Nicéia, e uma das questões a serem tratadas
era a divindade de Jesus. Mas não se tratava de um concílio reunido para
decidir se Jesus era divino ou não (…) muito pelo contrário: todos os
participantes do Concílio – e na realidade praticamente todos os cristãos em
qualquer lugar –já
estavam de acordo que Jesus era Divino, o Filho de Deus. A
questão em debate consistia em saber como entender a divindade de Jesus à luz
da circunstância de que também era humano. Além disso, como poderiam Jesus e
Deus serem ambos Deus se havia um único Deus? Estas, sim, eram as questões
discutidas em Nicéia, e não a de saber se Jesus era divino ou não[1]”
O relato de Ehrman como historiador nesse momento é apropriado,
até por que estamos ouvindo um agnóstico ex-cristão falando sobre história e
não um trinitarista defensor da Divindade de Cristo. Ou seja, fora da fé
trinitária, historiadores da Igreja Primitiva reconhecem um fato claro na
história do Cristianismo: “antes
de Nicéia, cristãos efetivamente já consideravam Jesus divino[2]”.
Uma
coisa é afirmar uma sentença como essa, mas há subsídios suficientes para esse
historiador defender isso como fato? Em seu livro ele continua por apresentar
dois dos mais antigos escritores cristãos: Paulo e João. Segundo ele, Paulo era
um defensor da divindade de Cristo e como evidência ele cita Fp.2.5-7, embora
pudesse ter usado outros textos. Pouco à frente fala sobre João, e imagina que
texto ele opta por demonstrar a concepção de Jesus como Deus em João? Jo.1.1, é
claro. Segundo Ehrman:
“Para este
autor, já no primeiro século, Jesus Cristo é um ser divino (O Verbo) através do
qual Deus criou o mundo, um ser que revelou completamente Deus a Seu povo, pois
era ele próprio um ser divino que desceu do céu para fazer-se carne. Por isso
que Jesus se coloca em pé de igualdade com Deus nesse evangelho, explicitando
em dado momento: ‘Eu e o Pai somos um’ (10.30). E
é por isso que seus seguidores nesse evangelho reconhecem sua identidade
divina, inclusive no fim de sua história, o cético Tomé, que vê Jesus erguer-se
do meio dos mortos e proclama: ‘Meu Senhor e Meu Deus’ (20.28)[3]”
Elaine
Pagels ao analisar o Evangelho Desconhecido de Tomé, em algumas ocasiões tem
que se referir às crenças cristãs pré-nicenas e referente a esse fato ela diz:
“João acreditava que Jesus realmente é
Deus em forma humana, e conta que o discípulo Tomé finalmente o
reconheceu quando o encontrou depois da ressurreição e exclamou: ‘Meu Senhor e
meu Deus’. Num dos primeiros comentários sobre João (de cerca de 240), Orígenes
faz questão de dizer que, embora os outros evangelhos qualifiquem Jesus como
humano, ‘nenhum falou
claramente de sua divindade, como fez João(Comentário de João,
1.6)[4]”
É interessante que a autora não diz acreditar na divindade de
Cristo, mas afirma que João assim o fazia. Isso é interessante, pois não
importa qual é sua opinião pessoal, como historiadora ela entende o que João
defendia. Mais interessante ainda é que, na tradução de Jo.1.1 essa
historiadora o descreve do seguinte modo: “No
princípio era o Verbo, o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus[5]” do mesmo modo
que Ehrman[6]. Não precisamos dizer que a defesa de ambos é certamente
diferente da nossa compreensão Trinitária, mas suas declarações servem com
ilustração de um fato que as TJ insistem negar: Jesus
era considerado Deus desde o período apostólico.
É
interessante pessoas como Ehrman e Pagels possam reconhecer aquilo que os
nominados seguidores de Cristo, os TJ, não o conseguem. As evidências nesse
sentido são claras, mas ignoradas pelos TJs ou distorcidas pela TNM de modo que
qualquer que lê-la jamais poderá chegar a esse reconhecimento sozinho. Contudo,
é perturbador para mim que os TJ rejeitem os Pais da Igreja e os Concílios
Históricos do modo como o fazem. Eu tenho grande curiosidade em saber a razão
pela qual eles mantêm como escritura o NT do mesmo modo como definido nos
concílios? Se os concílios são tão maus, qual o critério histórico que eles
usam? Ou como associam sua fé com os apóstolos, sem qualquer representante
histórico até Charles Taze Russell? Essa rejeição é irracional, mas factual.
Triste, mas é verdade.
Contudo tendo a crer que os TJ não podem aceitar os testemunhos
dos Pais da Igreja[7] (exceto quando é conveniente[8]), pois os
consideram como deturpadores da Fé, como algumas de suas publicações parecem
demonstrar. Mas,eles claramente eles estão claramente equivocados.
Por ora vamos esquecer as referências neotestamentárias em
referência a Divindade de Cristo (Jo.1.1; 18; 8.58; 10.30; 20.28; At.2.16-36;
2.21[cf. Joel.2.32]; Rm.1.1-4; 9.5;
1Co.8.4-6; Tt.2.11-14; Hb.1.3; 1Jo.1.1-4; 5.20; Ap.1.17-18, etc) e os autores
não cristãos falando sobre o período pré-niceno, e vamos considerar a visão dos
Pais Apostólicos sobre Jesus..
Segundo
Eusébio de Cesaréia, Clementeteria sido Bispo de 92 d.C. à 101 em Roma, e por
isso é tradicionalmente chamado de Clemente de Roma. Segundo a tradição
da Igreja ele é chamado de successor de Pedro, embora possa ter sido o segundo
ou até o terceiro após ele. Em sua primeira carta, conhecida como 1Clemente,
lemos:
“Esta é a
maneira, meus queridos amigos, pela qual encontramos nossa salvação, a saber,
Jesus Cristo, o sumo sacerdote de nossas ofertas, o guardião e ajudador em
nossas fraquezas. Por meio dele, olhamos firmemente para as alturas do céu, por
meio dele, vemos como em espelho sua face perfeita e transcendente; por meio
dele, os olhos de nosso coração foram aberto; por meio dele nossa mente, o
Mestre desejou que provássemos do conhecimento imortal, pois ‘Ele, sendo o resplendor de sua
majestade, é muito superior aos anjos, e o nome que herdou é
muito mais excelente’ (cf. Hb.1.4)” (1Clem.36.1-2)[9]
A citação que Clemente faz de Hebreus 1.4 reforça a idéia de que
esse Pai Apostólico estava pensando em Cristo como o “χαρακτὴρ τῆς
ὑποστάσεως αὐτοῦ” (a
expressa imagem do seu Ser), expressão que descreve a identidade
essencial do Filho com o Pai. Entretanto, alguém pode objetar por dizer que o
autor de Hebreus não tinha essa intenção (como os TJs já fazem com o NT), e por
isso convido o leitor a ler outra porção de Clemente:
“Irmãos, devemos
pensar em Jesus do mesmo modo como pensamos em Deus, como ‘o juiz de vivos e
mortos’.” (2Clem.1.1)[10]
A
autoridade que é atribuída aqui a Jesus é claramente a autoridade de Deus, o
Juiz, e tal verificação de identidade entre Pai e Filho ratifica que Clemente
já entendia Cristo como divino. Philip Schaff, quando fala a respeito de
Clemende de Roma, também diz:
Clemente é
um claro testemunho para as doutrinas da Trindade (“Deus,
o Senhor Jesus Cristo, e do Espírito Santo, que são a fé ea esperança dos
eleitos“), da dignidade e glória divina de Cristo,
a salvação só pelo seu sangue, a necessidade de arrependimento e fé viva, a
justificação pela graça, pela santificação do Espírito Santo, a unidade da
igreja, e as graças cristãs da humildade, caridade, paciência, paciência e
perseverança[11]
É também
interessante observar a opinião de Inácio de Antioquia, que teria sido morto
por volta de 97 d.C. Em sua Carta aos Efésios, Inácioa afirma:
“Existe um
médico, ao mesmo tempo carnal e espiritual, nascido e não-nascido, Deus
feito em carne, vida verdadeira na morte, de Maria e de Deus,
primeiro submetido ao sofrimento e depois além do sofrimento, Jesus Cristo
nosso Senhor[12]”
Muito
embora tal declaração pareça um pouco complexa, o reconhecimento da divindade
de Cristo nesse verso é sem ressalvas. Não é à toa que ele mesmo também
escreveu:
“Nosso
Deus Jesus, o Cristo, foi concebido por Maria de acordo com o plano de Deus,
tanto da semente de Davi quanto do Espírito Santo. Nasceu e
foi batizado para que, por meio de seu sofrimento, ele pudesse limpar a água”
(Aos Efésios 18.2) – “O reino antigo foi abolido, quando Deus apareceu em forma
humana para trazer a novidade da vida eterna; e aquilo que Deus esteve
preparando por Deus passou a existir” (Aos Efésios 19.3) – “Continuem a se
reunir, todos vocês, coletiva e individualmente por nome, em graça, em uma fé e
em um Jesus Cristo, que fisicamente é descendente de Davi, que é Filho do Homem
e Filho de Deus” (Aos Efésios 20.2)[13]
Não é à toa que Schaff fala sobre Inácio: “Como ele aparece pessoalmente em suas
epístolas, o seu traço mais bonito e venerável é o seu amor incandescente por Cristo como Deus encarnado[14]”.
A visão Trinitária de Inácio já nos ambientes mais antigos do Cristianismo é
claramente demonstrada nos ensinos dos Pais Apostólicos e ratificada pelos Pais
da Igreja. Poucos anos mais tarde, um escritor chamado Justino Mártir, sobre
Cristo escreveu:
“Nosso
mestre nessas coisas é Jesus Cristo, que também nasceu para esse propósito e
foi crucificado debaixo de Pôncio Pilatos, procurador da Judéia, nos tempos de
Tibério Césa; nós o adorávamos racionalmente, tendo
aprendido que ele mesmo é o Filho do Deus Verdadeiro e considerando-o no
segundo lugar, e o Espírito profético no terceiro (1 Apologia 12-13)[15]
Essa
declaração de Justino é tão claramente ortodoxa quando as afirmações
neotestamentárias sobre a relação de Cristo com Deus-Pai e o Espírito Santo. A
questão da ordem e da importância de cada Pessoa da Trindade, claramente
equiparada. Contudo, o que me chama mais a atenção é o fato de que tão antigamente
já se falasse de adoração a Cristo, como reconhecimento de sua divindade. Os
TJs que vivem buscando ocasiões históricas que demonstrem que Cristo foi
adorado deveriam cessar aqui sua busca: Diferente do que pensam, antes do
terceiro século Jesus já era adorado.
Outro
autor que deve ser considerado em nossa breve análise da Divindade de Cristo
antes de Nicéia, é certamente Melito de Sardes. Em usa obra Discurso da Cruz
ele diz:
“Por causa
disso ele veio até nós; por causa disso, embora fosse incorpóreo, ele formou
para si mesmo um corpo de acordo com nossa aparência – aparentando ser um
cordeiro, embora continuasse a ser o Pastor; considerado um servo, ainda que
não tivesse renunciado à sua condição de Filho; sendo carregado no ventre de
Maria, embora ainda estivesse dentro da natureza do Pai; caminhando sobre a
terra, mais ainda enchendo o céu; aparentando ser uma criança, sem descartar a
eternidade de sua natureza; sendo investido de um corpo, sem confinar a genuína
simplicidade de sua Trindade; sendo considerado pobre, mas em ter sido
destituído de suas riquezas; necesitando de sustento, porquanto era homem, mas
sem deixar de alimentar o mundo todo, uma vez que ele é Deus; colocado na forma
de servo, sem debilitar a semelhança com seu Pai. Ele sustentou cada traço que
lhe pertencia numa natureza imutável: ele estava diante de Pilatos e, ao mesmo
tempo, estava sentado com seu Pai, ele foi pregado no madeiro, mas era o Senhor
de todas as coisas” (Discurso da Cruz)[16]
Não
existem explicações claras das implicações filosóficas da percepção de Melito,
mas claramente há o reconhecimento das duas naturezas unidas na mesma pessoa
única de Cristo, divina e humana, naturalmente organizada e claramente
apresentada. Essa expressão claramente testifica que muito antes de Nicéia, a
convicção da Divindade de Cristo era conhecida, afirmada e identificava os
cristãos.
Em
nossas considerações, não podemos nos esquecer de Tertuliano, aquele que cunhou
o termo Trindade pela primeira vez, fato que já no fim do segundo século:
Enquanto o
mistério da dispensação está guardado, que distribui a Unidade na Trindade,
colocando em ordem as três Pessoas – o Pai, o Filho e o Espírito Santo: três,
entretanto, não em condição, mas em ordem, não em substância, mas em forma, não
em poder, mas em aspecto, mas ainda assim um na substância, uma condição, em um
poder e acima de tudo Ele é um Deus, e sobre essas formas e aspectos é
reconhecido pelo nome de Pai, Filho e Espírito Santo (Contra Práxeas 2)[17]
O que
podemos concluir depois de lermos esse textos? Que, se descosiderarmos o NT
ainda veremos os ecos dos seus ensinos na boca dos Pais Apóstólicos e dos Pais
da Igreja apresentando e defendendo a Divindade de Cristo a ponte de ser ele
ainda considerado digno de ser adorado. Portanto, a conclusão dos TJs está mais
uma vez equivocada.
NOTAS
[1] EHRMAN, Bart, A verdade e a ficção em O Código
DaVinci. Pp.41
[2]
Idem, pp.42
[3]
Idem, pp.44-5.
[4] PAGELS, Elaine, Além de Toda Crença.
Pp.45.
[5]
Idem, pp.52
[6] EHRMAN, Bart, A verdade e a ficção em O Código
DaVinci. Pp.44
[7] Recentemente recebi em minha casa um TJ com uma revista A
sentinela. Na página
27 dessa publicação encontra-se um artigo com o seguinte nome: “Os Pais Apostólicos eram mesmo
Apostólicos?”. O artigo deveras preconceituoso, já inicia por dizer
que “por volta do início do
segundo século EC, ensinos falsos tinha começado a poluir as águas cristalinas
da verdade cristã” (A Sentinela, 1º. De Julho de 2009, pp.27).
Nesse
artigo, que demonstra por excelência o que é induzir leitores a conclusões
equivocadas, o autor apresenta erros terríveis sugeridos pelos pais
apostólicos: como alterar a ordem da Santa Ceia, passando o Vinho antes do Pão,
ou até mesmo sugerindo que em casos de ausência de água os batismos poderiam
acontecer por aspersão (pp.28 em Referência ao Didaque). O autor, desonesto por
excelência, diz que Inácio cita o evangelho dos Hebreus, mas não oferece
qualquer explicação sobre como cita ou o que considerava o evangelho dos
Hebreus. Sabe-se por Epifânio que Evangelho dos Hebreus provavelmente era uma
versão do Evangelho de Mateus (Heresias, 30.3), o que não era incomum acontecer
(ERHMAN, Bart, Evangelhos Perdidos. pp.156).
Esse é
mais um daqueles artigos com cara de erudição, mas são erigidos na
desinformação com o objetivo de ocultar fatos constrangedores à Teologia
Testemunha de Jeová, que é coordenada por uma instituição de poder
centralizador e antibíblico (Mt.23.8,9; 1Pe.5.1-3). O resultado não poderia ser
mais desastroso.
[8] Veja o uso de Papias no artigo A
terra será um Paraíso de
Carlos M. Silva em.
[9] BOCK, Darel, Evangelhos Perdidos. Pp.154
[10] Idem, pp.155.
[11] SCHAFF, Philip, History
of the Cristian Church, Vol2. Cap.13, 160.
[12] EHRMAN, Bart, A verdade e a ficção em O Código
DaVinci. Pp.45.
[13] BOCK, Darel, Evangelhos Perdidos. Pp.156
[14] SCHAFF, Philip, History
of the Cristian Church, Vol2. Cap.13, 164
[15]
Idem, pp.159.
[16]
Idem, pp.160-1
[17] BERTI, Marcelo, Conceituações Teológicas da Trindade. Material não publicado.
FONTE NAPEC.ORG
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