Todos sabem que o título “papa” é empregado para o supremo chefe da igreja
católica apostólica romana. Este termo vem do grego e significa “pai”. Já em
latim, é formado pela junção da primeira sílaba de duas palavras: pater patrum,
que quer dizer “pai dos pais”. Mas o significado que os católicos mais gostam
de conferir é: Petri apostoli potestatem accipiens, isto é, “aquele que recebe
autoridade do apóstolo Pedro”.
Segundo a doutrina católica, o papa é o sucessor de São Pedro no governo da
Igreja Universal e o vigário de Cristo na terra. Tem autoridade sobre todos os
fiéis e sobre toda a hierarquia da igreja. Além da autoridade espiritual,
exerce uma territorial (interrompida de 1870 a 1929), que, a partir de 1929,
foi limitada ao Estado da cidade do Vaticano. É infalível quando fala em
assuntos de fé e moral (ex-cathedra). Alguns títulos que o papa ostenta dão uma
amostra deste exagero, a saber: Bispo de Roma, Primaz da Itália, Patriarca do
Ocidente, Vigário de Jesus Cristo, Servo dos Servos de Deus, Sumo Pontífice da
Igreja Universal, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Soberano do Estado da
Cidade do Vaticano, Arcebispo e Metropolita da Província Romana e Santo Padre.
Durante a história de sua existência, o papado teve seus altos e baixos.
Recentemente, o atual papa teve de pedir desculpas aos judeus por seu
antecessor, o papa Pio XII, e se vê em dificuldades com a questão do celibato.
Apesar de toda esta imponência de chefe de Estado, líder espiritual da maior
parcela de cristãos do mundo (1 bilhão) e administrador de um império
financeiro que a cada ano acumula bilhões de dólares, algumas perguntas
precisam ser feitas. Existem provas bíblicas e históricas que indiquem que o
papa é o sucessor do apóstolo Pedro? Pedro foi o primeiro papa e gozou de
supremacia sobre os demais apóstolos? Teria Pedro fundado a igreja de Roma e
transformado essa igreja na sede de seu trono episcopal?
O alvo de nossa matéria é apresentar respostas adequadas a perguntas cruciais
como essas, visto que a Internet está repleta de sites de cunho apologético
católico com o intuito de refutar as verdades das Escrituras Sagradas
apresentadas pelos evangélicos.
Tu
és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja
Tu es Petrus et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam
Esse trecho de Mateus 16.18 é tão especial para os fundamentos papais que foi
escrito em enormes letras douradas na cúpula da Basílica de São Pedro, em Roma.
Destarte, ele é a fonte mais importante de toda a dogmática1 católica. A
expressão Tu es Petrus, carrega atrás de si uma procissão de outras heresias
erigidas em cima das interpretações de textos deslocados de seus respectivos
contextos, interpretados de modo arbitrário pelos teólogos e doutores católicos
romanos. É ele o genitor da infalibilidade papal, do poder temporal e dos
demais desvios teológicos, contradições e distorções dessa igreja. Portanto,
esclarecer à luz da Bíblia todo esse equívoco teológico é desestruturar a base
em que se firma a eclesiologia2 católica.
Os
pilares do papado
A tese católica se firma em três questionáveis pressupostos principais, a
saber:
Cristo edificou a Igreja sobre Pedro, numa interpretação totalmente tendenciosa
e arbitrária de Mateus 16.18,19.
Pedro fundou e dirigiu a Igreja de Roma, sendo martirizado nessa cidade.
A sucessão apostólica numa cadeia ininterrupta até nossos dias: de Pedro a
Karol Wojtyla (João Paulo II).
Outrossim, há ainda outros argumentos apresentados pelos católicos romanos que
se firmam nessa trilogia, mas, neste momento, analisaremos apenas os já
mencionados.
Em
que pedra a igreja está edificada?
O endereço eletrônico católico www.lepanto.org.br, da Frente Universitária
Lepanto, é um site antiprotestante e, na página sobre a Igreja Católica, que
interpreta Mateus 16.18, traz a seguinte declaração: “Esse ponto é muito
importante, pois a interpretação truncada dos protestantes quer admitir o
absurdo de que Nosso Senhor não sabia se exprimir corretamente. Eles dizem que
Cristo queria dizer: Simão, tu és pedra, mas não edificarei sobre ti a minha
Igreja, por que não és pedra, senão sobre mim. Ora, é uma contradição, pois
Nosso Senhor alterou o nome de Simão para Kephas, deixando claro quem seria a
pedra visível de sua Igreja”.
Entendemos que essa declaração nada mais representa do que o ecoar das
suposições romanas na tentativa de harmonizar o que não pode ser harmonizado. A
princípio pode até impressionar, mas carece totalmente de fundamentos. Leiamos
o versículo: “Pois também eu te digo que tu és Pedro (Petrus), e sobre esta
pedra (petra) edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não
prevalecerão contra ela; e eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o
que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra
será desligado nos céus” (Mt 16.18,19).
Jesus, ao proferir essa declaração, estava realmente afirmando que Ele próprio
era a “pedra” sobre a qual sua Igreja seria edificada. Temos diversos motivos
para esta interpretação. Vejamos:
Petra
versus Petros
Ao referir-se a Pedro, Jesus emprega o termo grego Petros, que significa um seixo,
pedregulho. Ao referir-se à edificação da Igreja, diz que ela seria edificada
não sobre o Petros (Pedro), mas sobre a petra, um rochedo inabalável. Ora,
Jesus fez nítida diferença semasiológica3 entre petra e Petros. Um é
substantivo feminino singular e está na terceira pessoa; o outro, masculino
plural, e se encontra na segunda pessoa. Além disso, o termo petra nunca é
usado na Bíblia em relação a homem algum, somente em relação a Deus. Logo, tal
verso nem de longe insinua alguma coisa sobre Roma, sucessão apostólica ou algo
similar. Os católicos conseguem ver o que não existe no texto.
Edificação
sobre quem?
A declaração “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” é a chave para entendermos
toda a problemática. Jesus perguntou a “todos”, e não somente a Pedro, “quem
Ele era”. “Disse-lhes ele [Jesus]: E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16.15).
A ele — Pedro — foi revelado, em sua confissão, que Cristo era o Messias, o
Filho de Deus, daí a frase: “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não
foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos céus. Pois também
eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja...”,
ou seja, a igreja está edificada sobre a confissão de que Ele (Jesus) era o
Filho de Deus.
A bem da verdade, a Igreja jamais poderia ser solidamente edificada sobre homem
algum, nem mesmo Pedro, que, embora tenha sido um grande apóstolo, foi, no
entanto, falível e passível de erros, como demonstra, de maneira sobeja, o
contexto imediato: “Ele [Jesus], porém, voltando-se, disse a Pedro: Para trás
de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas
que são de Deus, mas só as que são dos homens” (Mt 16.23), além de outros
escritos do Novo Testamento em que podemos perceber a inconstância de Pedro (Mt
26.69-75).
Quem
é a pedra?
O significado de Petros e petra está em perfeita concordância com o contexto
doutrinário e teológico neotestamentário. Sendo Petros um fragmento tirado da
grande rocha, há de se ver uma conotação de todos os cristãos como Petros, e
isto é descrito posteriormente pelo próprio Pedro: “Vós também, como pedras
vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer
sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (1Pe 2.5).
Por sua vez, todas as “pedras vivas” estão edificadas sobre a grande Petra, que
é Jesus: “Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos
dos santos, e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e
dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo
o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor” (Ef 2.19-21).
Agora, comparemos o texto de Mateus 16.18 com o texto seguinte:
“Diz-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra, que os edificadores
rejeitaram, essa foi posta por cabeça do ângulo; pelo Senhor foi feito isto, e
é maravilhoso aos nossos olhos? Portanto, eu vos digo que o reino de Deus vos
será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos. E, quem cair sobre
esta pedra, despedaçar-se-á; mas aquele sobre quem ela cair será reduzido a pó”
(Mt 21.42-44).
Indubitavelmente, tanto em Mateus 16.18 quanto em 21.44, Jesus é a pedra. Desde
a época dos salmistas, passando pelo profeta Isaías, a palavra profética já
anunciava o Messias como a pedra da esquina (Cf. Sl 118.22, Is 28.16).
Igualmente, é bom lembrar que na narrativa apresentada pelo evangelista Marcos
é omitida a frase de Cristo: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a
minha igreja” (Mc 8.27-30). Isto não é de pouca relevância, pois Marcos, por
muito tempo, foi companheiro de Pedro (1Pe 5.13) e, segundo Eusébio4 , foi de
Pedro que Marcos coletou informações para redigir seu evangelho. Pedro, em
nenhum momento, disse de si mesmo que era a rocha ou pedra da igreja, caso contrário,
Marcos teria confirmado o fato de modo enfático. Se porventura o dogma da
superioridade de Pedro é verdadeiro e de tamanha importância, como ensina a
Igreja Católica, não parece praticamente inconcebível que os registros de
Marcos e de Lucas silenciem a respeito?
O
que significa Kephas?
Kephas significa pedra ou Pedro? João nos dá a resposta: “... Jesus, fixando
nele o olhar, disse: Tu és Simão, filho de João, tu serás chamado Cefas (que
quer dizer Pedro)” (Jo 1.42). Fica claro que Cefas ou Kephas significa Pedro e
não pedra. Para fazer jus à coerência e à lógica católica, Jesus deveria ter
dito mais ou menos assim: “Tu és Kephas e sobre esta kephas edificarei...”, ou:
“Tu és Pedro e sobre este Pedro edificarei...”, caso não houvesse nenhuma diferença.
Um
acréscimo ao nome de Pedro
Teria Jesus mudado o nome de Simão Barjonas para Pedro ou apenas feito um
acréscimo?
Ora, quando se muda um nome faz-se necessariamente uma substituição. O nome
anterior não é mais mencionado, como nos casos de Abrão para Abraão (Gn 17.5) e
de Sarai para Sara (Gn 17.15). Já no caso de Pedro, houve apenas um acréscimo,
como bem atesta Lucas: “Agora, pois, envia homens a Jope e manda chamar a
Simão, que tem por sobrenome Pedro” (At 10.5,18,32; 11.13). Podemos ver que se trata
de um acréscimo no nome e não a mudança do mesmo, como querem os teólogos do
Vaticano. Além disso, Pedro continuou sendo chamado de Simão (At 15.14) ou
Simão Pedro (Jo 21.2-3,7), algo que, no mínimo, seria estranho se o antigo nome
tivesse sido trocado. Querer ver nisto uma ligação da suposta supremacia de
Pedro com relação ao papado, certamente, é ir além dos limites admissíveis.
A
quem pertencem as chaves?
Os católicos insistem em alardear que a simbologia das chaves (v. 19) significa
supremacia jurisdicional sobre todo o cristianismo. Conquanto, sabemos que a
chave foi realmente outorgada a Pedro para “abrir e fechar”. Todavia, devemos
salientar que foram as chaves do “reino dos céus” e não da Igreja que lhe foram
concedidas. O reino dos céus não é a Igreja.
Antes, as “chaves” estavam nas mãos dos fariseus, como lemos: “Ai de vós,
doutores da lei, que tirastes a chave da ciência; vós mesmos não entrastes, e
impedistes os que entravam” (Lc 11.52).
Essas chaves representam a propagação do evangelho de arrependimento de
pecados, pelo qual todos os cristãos, e não Pedro apenas, podem abrir as portas
dos céus para os pecadores que desejam ser salvos. Tanto é que, em Mateus
18.18, Jesus confia as chaves também aos demais apóstolos: “Em verdade vos digo
[digo a vocês e não somente a Pedro] que tudo o que ligares na terra será
ligado no céu, e tudo o que desligares na terra será desligado no céu”.
Pedro, portanto, foi o primeiro a usá-la por ocasião da festa de Pentecostes,
quando quase três mil almas foram salvas (At 2.14-41). Depois, a usou para
pregar ao primeiro gentio, Cornélio (At 10.1-48). É esta a chave que abre a
porta, e ela não é prerrogativa exclusiva do hierarca católico romano. Ninguém
tem o poder (ou direito) de monopolizá-la, como querem os católicos romanos.
Certo site ortodoxo5 , comentando sobre o assunto em questão, disse com muita
propriedade: “Para a Igreja una e indivisa, a interpretação desta passagem do
evangelho é toda outra. Como disse Orígenes (fonte comum da Tradição patrística
da exegese), Jesus responde com estas palavras à confissão de Pedro: este se
torna a pedra sobre a qual será fundada a Igreja porque exprimiu a fé
verdadeira na divindade de Cristo. E Orígenes comenta: Se nós dissermos também:
Tu és o Cristo, Filho de Deus Vivo, então tornamo-nos também em um Pedro [...]
porque quem quer que seja que se una a Cristo torna-se pedra. Cristo daria as
chaves do reino apenas a Pedro, enquanto as outras pessoas abençoadas não as
poderiam receber? Pedro é, então, o primeiro ‘crente’, e se os outros o
quiserem seguir podem ‘imitá-lo’ e receber também as mesmas chaves.
“Jesus, com as suas palavras relatadas no evangelho, sublinha o sentido da fé
como fundamento da Igreja, mais do que funda a Igreja sobre Pedro, como a
Igreja Romana pretende. Tudo se resume, portanto, em saber se a fé depende de
Pedro, ou se Pedro depende da fé [...] Por isso mesmo, São Cipriano de Cartago
pôde afirmar que a fé de Pedro pertencia ao bispo de cada Igreja local,
enquanto São Gregório de Nissa escreveu que Jesus ‘deu aos bispos, por
intermédio de Pedro, as chaves das honras do céu’. A sucessão de Pedro existe
onde a fé justa e ortodoxa é preservada e não pode, então, ser localizada
geograficamente, nem monopolizada por uma só Igreja e tampouco por um só indivíduo.
Levando a teoria da primazia de Roma às últimas conseqüências, seríamos
obrigados a concluir que somente Roma possui essa fé de Pedro e, neste caso,
teríamos o fim da Igreja una, santa, católica e apostólica que proclamamos no
Credo: atributos dados por Deus a todas as comunidades sacramentais centradas
sobre a Eucaristia.
“Além disso, afirma a Igreja de Roma que é ela a Igreja fundada por Pedro e que
essa fundação apostólica especial lhe dá direito a um lugar soberano sobre todo
o Universo. Ora, a verdade é que, para além do fato de não sabermos realmente
se São Pedro foi o fundador dessa Igreja Local e o seu primeiro papa, temos
conhecimento de que outras cidades ou outras localidades menores podiam,
igualmente, atribuir a si mesmas essa distinção, por terem sido fundadas por
Pedro, Paulo, João, André ou outros apóstolos. Assim, o Cânone do 6º Concílio
de Nicéia reconhece um prestígio excepcional às Igrejas de Alexandria,
Antioquia e Roma, não pelo fato de terem sido fundadas por apóstolos, mas porque
eram na altura as cidades mais importantes do Império Romano e, sendo assim,
deram origem a importantes igrejas locais...”
Onde
está a primazia de Pedro?
A lógica vaticana, insaciável em sua disposição em favorecer Pedro em
detrimento dos demais apóstolos, esquiva-se em seus conceitos teológicos. Os
católicos procuram, a qualquer preço, encontrar nas Sagradas Escrituras um elo
de ligação entre a primazia de Pedro e a alegada supremacia do papa. Os
argumentos apresentados são quase sempre furtados de seus contextos a fim de
fortalecer essa cadeia de fantasia teológica. A pessoa que analisar o assunto
pela ótica papista tende a ficar impressionada com a avalanche de textos que
colocam Pedro no topo da lista de exclusividade. À primeira vista, a abundância
de uma aparente primazia tende a sustentar essa corrente. No entanto,
confrontaremos os textos citados e veremos que não são tão pujantes quanto
parecem.
A
Pedro foi conferida com exclusividade a chave dos céus
(Mt 16.19)
Este argumento foi satisfatoriamente respondido anteriormente.
A
Pedro foi dado, por duas vezes, cuidar com exclusividade do rebanho de Cristo
(Lc 22.31,32; Jo 21.15,17)
Os católicos frisam nesses textos as palavras “confirmar” e “apascentar” e vêem
nelas uma suposta primazia jurisdicional de Pedro. O engano deste argumento
está em não mostrar que o apóstolo Paulo também “confirmava” as igrejas (Cf. At
14.22; 15.32,41).
Quanto ao “apascentar”, esta também não era uma exclusividade de Pedro, pois
todos os bispos deveriam ter esta incumbência (At. 20.28). Para sermos
coerentes, deveríamos dar este status de primazia aos demais, pois não só
apascentavam como confirmavam as igrejas.
Pedro
foi o primeiro a pregar um sermão no dia de Pentecostes
(At 2.14)
Ora, Pedro, ao pregar na festa de Pentecostes, estava apenas fazendo uso das
chaves para abrir a porta da salvação. Demais disso, alguém tinha de tomar a
palavra e coube a Pedro, que era o mais velho e intrépido. Mas, ao terminar a
mensagem, ninguém o teve por especial, antes se dirigiram a todos com a
expressão: “Que faremos varões irmãos?”. Dirigiram-se a toda a igreja e não
apenas a Pedro (At 2.37).
Pedro
foi o primeiro a evangelizar um gentio
(At 10.25)
Ao contrário do que pensam os católicos, o caso de Cornélio é um contragolpe no
argumento romanista, pois Pedro teve de dar explicações perante a Igreja por
ter se misturado e comido com um gentio. Raciocinemos, onde está a primazia de
Pedro nesse episódio? Se a tivesse, porventura daria explicações perante seus
supostos comandados? Certamente que não! Mas Pedro teve de se explicar, porque
não possuía nenhum governo sobre os demais.
No
catálogo dos apóstolos, o nome de Pedro sempre é colocado em primeiro lugar
(Mt 10.2-4, Mc 3.16-19, Lc 6.13-16, At 1.13)
É bom frisarmos que este primeiro lugar na lista de nomes é apenas de caráter
cronológico e não funcional. Percebe-se que os quatro primeiros nomes da lista
dos sinópticos são: Simão, André, João e Tiago, os primeiros a serem chamados
para seguir o Mestre e, dentre eles, coube a Pedro ter uma prioridade
cronológica. Todavia, em outros textos, como, por exemplo, Gálatas 2.9, seu
nome não aparece em tal posição: “E conhecendo Tiago, Cefas e João, que eram
considerados como as colunas...”.
Pedro
escolhe Matias para suceder Judas Iscariotes
(At 1.15)
Lendo cuidadosamente Atos 1.15-26, vemos que Pedro apenas expôs o problema,
qual seja, a falta de um sucessor para o cargo de Judas. No entanto, Matias foi
eleito pela igreja por voto comum e não por decisão de Pedro: “E, lançando-lhes
sortes, caiu a sorte sobre Matias. E por voto comum foi contado com os onze
apóstolos” (v. 26).
O
veredicto de Jesus
O fator agravante quanto à intenção de tornar Pedro soberano entre os demais
apóstolos está nas palavras taxativas de Cristo — o ÚNICO Sumo Pastor, Chefe
Supremo, Cabeça e Fundamento da Igreja — em não titubear e corrigir algumas
precoces ambições de supremacia entre eles.
Certa feita, tal idéia foi sugerida ao Mestre que, no mesmo instante, a
rechaçou dizendo: “... Sabeis que os governadores dos gentios os dominam, e os
seus grandes exercem autoridades sobre eles. Não será assim entre vós; antes,
qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e
qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo...” (Mt
20.18-27).
O próprio Pedro desfaz essa lenda ao dizer: “ninguém tenha domínio sobre o
rebanho...” (1Pe 5.1-3). Não se pode ver aí nenhum vestígio de superioridade,
supremacia ou destaque sobre os demais, pois ele mesmo se igualava aos outros
dizendo: “... que sou também presbítero com eles...” Pedro jamais mandou. Pelo
contrário, foi mandado e obedeceu: “Os apóstolos, pois, que estavam em
Jerusalém, ouvindo que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá
Pedro e João” (At 8.14). E tudo isso faz jus às palavras de Jesus, que disse:
“Não é o servo maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que
o enviou” (Jo 13.16).
Pedro
esteve em Roma?
Embora a Bíblia não diga nada a respeito, os católicos insistem em dizer que o
fato de o apóstolo Pedro ter sido o fundador da igreja de Roma é incontestável.
Atribuem, ainda, ao apóstolo Pedro, um pontificado de 25 anos na capital do
Império. E, conseqüente (deduzem), ele tenha morrido ali.
É claro que estas ligações, em princípio, são de valor inestimável, pois,
entrelaçadas, robustecem a tese vaticana da primazia do papado. Contudo, há de
se frisar que somente a chamada tradição vem em socorro das causas romanistas
nestas horas e, mesmo assim, de maneira dúbia.
Pedro não pode ter sido papa durante 25 anos, pois foi martirizado no reinado
do imperador Nero, por volta do ano 67 ou 68 d.C. Subtraindo 25 anos,
retrocederemos ao ano 42 ou 43. Nessa época, ainda não havia sido realizado o
Concílio de Jerusalém (At 15), que ocorreu por volta do ano 48 ou 49 d.C.,
quando Pedro participou (mas não deveria, porque, segundo a tradição, nessa
época o apóstolo estava em Roma). No entanto, ainda que Pedro, segundo a
opinião católica, tivesse participado do Concílio de Jerusalém, a assembléia
fora presidida por Tiago (At 15.13-21).
No ano 58 d.C., Paulo escreveu a epístola aos Romanos e, no capítulo 16, mandou
uma saudação para muitos irmãos daquela cidade, mas Pedro sequer é mencionado.
Em 62 d.C., o apóstolo Paulo chegou em Roma e foi visitado por muitos irmãos
(At 28.30,31), todavia, nesse período, não há nenhuma menção de Pedro.
O apóstolo Paulo escreveu quatro cartas de Roma: Efésios, Colossenses, Filemom
(62 d.C.) e Filipenses (entre 67/68 d.C.), mas Pedro não é mencionado em
nenhuma delas. Se Pedro estava em Roma no ano 60 d.C., como se deve entender a
revelação referida no livro de Atos, em que Jesus disse a Paulo: “Importa que
dês testemunho de mim também em Roma?” (At 23.11). Se Pedro estava em Roma, não
caberia a ele estar cumprindo esta função? Onde se encontrava o suposto papa de
Roma nessa ocasião?
É por estas e outras razões que não acreditamos que Pedro tenha fundado ou
presidido a Igreja de Roma, como afirmam os católicos.
O
insustentável suporte da tradição
A tradição é um dos pilares nos quais se assenta a teologia romanista. O
principal órgão da tradição é a Patrística, os escritos dos pais da Igreja.
Essa tradição é de relevante valor à causa católica, pois dela advém toda a
“lógica” da “sucessão apostólica”. É dela que é extraída a má interpretação de
Mateus 16.18, da primazia de Roma, da corrente sucessória de São Pedro, etc. Na
verdade, as coisas são bem diferentes quando analisadas de maneira criteriosa.
Dos inúmeros pais da Igreja, somente 77 opinaram a respeito do assunto de
Mateus 16.18, sendo que 44 reconheceram ser a fé de Pedro a rocha. Os outros 16
julgaram ser o próprio Cristo e somente 17 concordaram com a tese vaticana.
Nenhum deles afirmou a infalibilidade de Pedro e tampouco o tinham como papa.
Exemplo disso é Santo Agostinho que, em uma de suas obras,13 expressamente
afirma que sempre, salvo uma vez, ele havia explicado as palavras sobre esta
pedra — não como se referissem à pessoa de Pedro, mas sim a Cristo, cuja
divindade Pedro havia reconhecido e proclamado.
Diz certa fonte católica14 que: “Se a corrente da sucessão apostólica por
alguma razão encontra-se interrompida, então as ordenações seguintes não são
consideradas válidas, e as missas e os mistérios, realizados por pessoas
ilegalmente ordenadas, estão desprovidos da graça divina. Essa condição é tão
séria que a ausência de sucessão dos bispos em uma ou outra denominação cristã
despoja-a da qualidade de Igreja verdadeira, mesmo que o ensino dogmático
presente nela não esteja deturpado. Esse foi o entendimento da Igreja desde o
seu início”.
Finalizando...
Procuramos não ser prolixos ao historiar sobre esta questão. Todos sabemos que
o trono dos papas teve seus momentos de vacância. Muitos papas conquistaram
este título por dinheiro; outros, considerados legítimos, foram condenados como
hereges; e quantos, pela ganância do cargo, foram envenenados por seus rivais.
Houve também os nomeados por imperadores e, quando não, havia três ou mais
papas se excomungando mutuamente pela disputa da cadeira de São Pedro. Sem
falar, é claro, da época negra da pornocracia (influência das cortesãs no
governo).
Não é debalde que a obra literária clássica Divina comédia, de Dante Alighieri,
coloca vários papas no inferno. Há, ainda, uma tremenda contradição nas muitas
listas dos pontífices romanos expostos por historiadores católicos, nas quais
os nomes de tais sucessores aparecem trocados ou ausentes, sem consenso algum.
Não cremos que estes homens sejam os verdadeiros sucessores da cátedra de
Pedro.
A bem da verdade, essa tal sucessão ininterrupta e contínua dos papas é
totalmente arrebentada e falsa. É por demais ultrajante, mesmo para uma mente
mediana suportar tamanha incongruência.
Pelo que foi exposto, podemos considerar serenamente que “Pedro nunca foi papa
e tampouco o papa é o vigário de Cristo”.
Biografia
de Pedro
• Cidade natal: nasceu em Betsaida, Galiléia.
• Filiação: filho de Jonas e irmão do apóstolo André, seu primeiro nome era
Simão.
• Moradia: na época de seu encontro com Cristo, morava em Cafarnaum, com a
família da sua mulher (Lc 4,31-38).
• Profissão: pescador, trabalhava com o irmão e o pai.
• Qualidades: dinâmico (Mt 17.4), fiel (Mt 26.33), sincero (Jo 21.17), ousado
(Mt 14.28), humilde (Lc 5.8), entre tantas outras.
• Defeitos: ansioso (Mt 19.27), inconstante (Mt 14.30), precipitado (Mt 16.22),
duvidoso (Mt 26.75)
• Fontes: Os quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), Atos dos
Apóstolos e as epístolas de Paulo.
• Ministério: destacou-se entre os doze apóstolos e foi a ele que Cristo
apareceu pela primeira vez depois de ressuscitar.
• Cartas escritas: 1 e 2 epístolas que levam o seu nome.
•Viagens ministeriais:
- Primeira viagem: de Jerusalém a Samaria (At 8.14-25).
- Segunda viagem: de Jerusalém, através de Lida e Jope, até Cesaréia (At 9.32;
11.2).
- Terceira viagem: de Jerusalém a Antioquia (At 15.1-14; Gl 2.11).
• Pedro e Jesus:
- Perto do mar da Galiléia, é chamado para seguir a Jesus (Mt 4.18,19).
- Perto da Galiléia, encontra a moeda do tributo na boca do peixe (Mt
17.24-27).
- Na Galiléia, anda sobre as águas do mar (Mt 14.28,29).
- Em Jerusalém, na última Ceia, Jesus lava seus pés (Jo 13.6,7).
- No Jardim do Getsêmani, corta a orelha de Malco (Jo 18.10,11).
- Em Jerusalém, no palácio do sumo sacerdote, nega o seu Senhor (Jo 18.25,27).
- Em Jerusalém, sente remorso (Mt 26.75).
- João e ele correm, apressados, para o túmulo vazio (Jo 20.3-8).
- Junto ao mar da Galiléia, após a ressurreição, vê o mestre e é consolado (Jo
21.3-17).
• Momentos ministeriais marcantes:
Em Jerusalém, profere seu maior discurso, quando ocorrem quase três mil
conversões (At 2.41).
- Em Jerusalém, cura um paralítico (At 3.6).
- Em Jerusalém, profere dura sentença sobre Ananias e Safira (At 5. 1-11).
- Em Lida, cura Enéias de paralisia (At 9.34,35).
- Em Jope, ressuscita Tabita, também chamada de Dorcas (At 9.36-41).
- Em Jope, tem a visão do lençol descendo do céu (At 10.9-16).
- Em Cesaréia, prega na casa de Cornélio (At 10.23-48).
- Em Jerusalém, é libertado da prisão por um anjo (At 12.3-10).
Pedro
em Roma, segundo a tradição católica romana
Todos os anos, milhares de peregrinos cristãos vão para o Vaticano, o centro da
cristandade católica, para visitar a basílica que possui o nome do apóstolo
Pedro. É dito aos visitantes que o túmulo de Pedro encontra-se nessa igreja.
De acordo com uma antiga tradição, Pedro tornou-se mártir em Roma durante as
perseguições aos cristãos por parte do imperador Nero, nos anos 60 A.D.
Contudo, não temos a mínima idéia de como ou quando ele chegou lá e as
evidências, arqueológicas e textuais, deste período em Roma são poucas –
datadas do segundo século A.D., tão-somente.
Clemente é o primeiro a escrever sobre o sofrimento e o martírio de Pedro6, mas
não nos dá nenhum indicativo de que Pedro tenha trabalhado ou morrido em Roma.
O bispo Inácio de Antioquia, enviado a Roma e martirizado entre os anos 110 e
130 A.D., também não faz menção a Pedro como líder (bispo) da igreja em Roma.
Os teólogos católicos romanos entendem que o texto de 1Pedro 5.12,13 o situa em
Roma — mas de maneira críptica; isto é, descrevem o remetente da carta como “o
eleito na Babilônia”, um código do século 1º para Roma, o império opressor
daqueles dias. Mas embora esta carta contenha o nome de Pedro, alguns acreditam
que não tenha sido escrita por ele. Além disso, a carta é endereçada aos
cristãos das províncias da Ásia menor romana, confirmando o relato de Paulo das
atividades de Pedro no extremo Leste.
No final do século 2º, contudo, Pedro se junta a Paulo, de forma regular, como
um dos fundadores da igreja em Roma. A inspiração para essa tradição parece vir
do livro de Atos, que divide, de forma organizada, a descrição sobre como o
evangelho foi espalhado de Jerusalém (o cenário de Atos 1) até Roma (o cenário
do capítulo final, Atos 28): uma seção de Pedro (Atos 1-12) seguida por uma
seção de Paulo (Atos 13-28). Na mesma época, o pai da igreja, Irineu (c. 185
A.D.), descreveu a igreja de Roma como “a igreja maior, mais antiga e igreja
universalmente conhecida, fundada e organizada em Roma pelos apóstolos mais
gloriosos: Pedro e Paulo”.7 O presbítero (ancião da igreja) Gaio menciona dois
monumentos em Roma dedicados a esses “fundadores da igreja”. Segundo Gaio, o
monumento de Pedro encontra-se no Vaticano e o de Paulo, no Caminho de Ostiense
(região Sul de Roma, onde se encontra a Basílica de São Paulo fora dos muros)8.
O termo usado por Gaio para monumento foi tropaion, que significa “troféu” —
pode refer
ir-se também a um túmulo ou a um memorial erguido no local do sofrimento9.
Assim, Gaio é o escritor mais recente a situar o martírio de Pedro em Roma.
No início do século 3º, o escritor cristão Tertuliano supõe que os leitores
saibam que Pedro foi crucificado e Paulo executado (provavelmente decapitado)
durante as perseguições do imperador romano Nero10. Tertuliano interpreta a
morte de Pedro como o cumprimento de João 21.18,19, no qual Jesus prediz:
“Quando for velho [Pedro], estenderá as mãos e outra pessoa o vestirá e o
levará para onde você não deseja ir. Jesus disse isso para indicar o tipo de
morte com a qual Pedro iria glorificar a Deus”.
A tradição, comum no meio cristão, de que Pedro fora crucificado de cabeça para
baixo vem de uma obra de 231 A.D: “E, por fim, vindo a Roma, ele foi
crucificado de cabeça para baixo; pois havia pedido que sofresse daquela
maneira”.11 Jerônimo, no século 4º, acrescenta os motivos que levaram Pedro a
fazer tal pedido: “Ele recebeu em suas mãos a coroa do martírio ao ser pregado
na cruz com a cabeça voltada para o chão e seus pés levantados para o alto,
afirmando que ele era indigno de ser crucificado da mesma maneira que seu
Senhor”.12
Segundo a pregação romana, o túmulo de Pedro encontra-se exatamente embaixo do
altar consagrado da basílica e atrás do Nicho dos Pálios, local onde as estolas
litúrgicas (pálios) são deixadas durante a noite antes de serem entregues aos
novos bispos. Escavadores modernos encontraram um nicho escondido nessa parede
contendo os ossos de um homem envolvidos em um pano de púrpura cara que,
“acreditam”, possuía cerca de 60 anos quando morreu. Em 1968, a igreja declarou
que tais ossos eram os restos de São Pedro.
É importante esclarecer que todas estas informações são contestadas por vários
estudiosos, devido à ausência de evidências satisfatórias e suspeita de
manipulação de informações por parte da igreja romana. Todo o esforço de Roma
em autenticar a presença de Pedro por lá visa aglutinar argumentos que
corroborariam para aceitação de seu papado em Roma, pois como poderia sê-lo se
jamais estivera lá? Entretanto, ainda que houvesse consenso de que Pedro esteve
em Roma e que lá foi martirizado, isso ainda não seria o suficiente para
alterar a avalanche de argumentos bíblicos que se opõe ao estabelecimento de
seu papado. A dogmática católica depende da presença de Pedro em Roma, porém,
esta suposta presença, se fosse confirmada, não tem a capacidade em si mesma de
evidenciar que Pedro tenha iniciado a linha de sucessão apostólica, como quer a
igreja romana.
Bibliografia:
Noites com os romanistas, M.H. Seymour, Edições Cristãs.
Doze homens, uma missão, Aramis C. de Barros, Ed. Luz e Vida.
O cristianismo através dos séculos, Earle E. Cairns, Ed. Vida Nova.
Pedro nunca foi papa nem o papa é vigário de Cristo. Aníbal P. Reis. Ed.
Caminho de Damasco.
Quem fundou sua Igreja, padre Alberto Luiz Gambarini, Ed. Ágape.
Os papas, Aquiles Pintonello, Ed. Paulinas.
A hierarquia, padre José Comblin, Ed. Paulus.
Bible Review, fevereiro de 2004, artigo “Peter in Rome”
Notas:
1 Doutrina que afirma a existência de certas verdades que se podem provar
indiscutíveis (Não é este o caso da dogmática católica, passível de
contestação).
2 Eclesiologia: estudo pertencente ou relativo à Igreja, eclesial.
3 Semasiologia: estudo do sentido das palavras, que parte do significante para
estudar o significado.
4 Eusébio de Cesaréia (265-339). Incentivado por Constantino, fez a narração da
primeira história do cristianismo, coroando-a com sua imperial adesão a Cristo.
5 Publicado no site: http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/a_igreja_ortodoxa/
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