Ordenação
feminina
Recentemente,
os membros de uma determinada igreja se reuniram para eleger democraticamente
seus presbíteros regentes. Todos receberam uma lista em ordem alfabética com o
nome dos elegíveis (os maiores de 18 anos). O número de mulheres presentes e
prontas para votar era bem maior que o número de homens. Porém, por força da
constituição desta e de outras denominações, na lista dos elegíveis não havia o
nome de nenhuma mulher. Essa situação deve continuar? Esta entrevista discute o
assunto e pretende levar o povo e as autoridades eclesiásticas a pensar e a
repensar, não só com zelo, mas também com humildade. É provável que o maior
obstáculo à ordenação de pastoras, presbíteras e diaconisas não seja a Palavra
de Deus, mas o machismo. O entrevistado Waldyr Carvalho Luz é de inteira
confiança por sua palavra, por seu longo magistério no Seminário Presbiteriano
do Sul, em Campinas, SP, por sua vida e por sua idade (94 anos). Ele é autor da
tradução clássica de As Institutas, de João Calvino, professor aposentado da
UNICAMP e doutor em Filosofia do Novo Testamento pelo Princeton Theological
Seminary.
Os cristãos contrários à ordenação feminina argumentam que Jesus escolheu somente homens para serem apóstolos e que o Novo Testamento não apresenta claramente mulheres em posições de autoridade. O que dizer?
De mister faz-se observar, de início, que a questão da ordenança feminina às funções eclesiásticas (diaconato, presbiterato, ministério sagrado) nem sequer é ventilada através do Novo Testamento. Jesus, tanto no caso dos doze, como, quanto parece, na chamada Missão dos Setenta, aliciou apenas homens, como, aliás, era a norma no mundo contemporâneo. Se alguma outra motivação teve ele, não a explicitou. E conjecturar a esse respeito é irrelevante. Na Palestina dos dias de Jesus não haveria lugar para matriarcado e mulher em posição de autoridade, impensável aberração.
A chefia do homem na Bíblia é mera questão cultural?
Na Bíblia, reconhecidamente, conferem-se ao homem, em detrimento da mulher, autoridade e mando incontestáveis. Não resulta este predicamento de princípios ontológicos ou metafísicos, simples questão de exercício de poder, matéria de cunho puramente cultural. Mercê da obra redentora de Cristo, cancela-se a disposição vigente e implanta-se um regime de paridade e equalização, abolidas as distinções prévias, homem e mulher a fazer jus ao mesmo “status” em Cristo. Valida-se, pois, o argumento culturalista.
Os defensores da posição antagônica ao ministério feminino ordenado parecem não considerar passagens como Joel 2.28-29 e Gálatas 3.28. Certo?
Arroubos poéticos e eclosão de júbilo de um momento especial, não asserção normativa de princípio estabelecido, Joel 2.28-29 e Gálatas 3.28 não são passagens pertinentes à questão da ordenação feminina.
A ordenação pastoral deve ser precedida pelo dom ministerial. A mulher pode receber esse dom?
Normativamente, a ordenação pastoral pressupõe o dom (ou vocação) ministerial. Seja no país, seja, e especialmente, no exterior, há muitas mulheres tendo sido, e estão sendo, ordenadas ao múnus pastoral, cujo desempenho confirma, indiscutivelmente, possuírem o indispensável dom. Portanto, a toda mulher portadora do dom, ou seja, devidamente vocacionada, a ordenação pastoral deve ser prontamente conferida. Interessante é notar-se que nossa própria Igreja Presbiteriana do Brasil, por breve período, já teve diaconisas devidamente ordenadas. Descontinuou a prática em vista da reação provocada na região nordestina, a ameaça pairando de divisão denominacional. A paz e a unidade da Igreja, graças ao Senhor, prevaleceram, felizmente.
A ordenação pastoral deve ser vista como o exercício do dom do Espírito Santo dado à Igreja ou como um ofício eclesiástico dado a uma classe de pessoas?
Em última instância, a postulação da ordenação pastoral é ambivalente, por isso que só pode ser encarada como dom conferido à Igreja, mas exercido por um corpo de oficiais possuídos de prerrogativas únicas e exclusivas. Também o pode como função eclesiástica outorgada a um núcleo ou casta de elementos contemplados com um múnus peculiar, mas encaixado no âmbito da comunidade global. Não há, propriamente, polaridade, antes, pelo contrário, conjunção.
Por trás da não-ordenação de mulheres para o diaconato, o presbiterato e especialmente o ministério pastoral, não estaria escondida uma cultura machista?
Aos espíritos mais atilados, a relutância à ordenação de mulheres ao diaconato, ao presbiterato e, especialmente, ao ministério pastoral, não estaria bem escondida, pelo contrário, escancaradamente manifesta a indisfarçável cultura machista. Nada de causar espécie. Por séculos, aliás, milênios, no perpassar das civilizações em todos os quadrantes do orbe, com raríssimas exceções, o homem tem gerido as atividades humanas de modo quase absoluto, de tal sorte que o mando se lhe tornou como que parte de sua própria natureza, a mulher marginalizada, mas ao que parece resignada, ajustada e adaptada à situação, de que tira o proveito possível. É de lamentar-se que a Igreja, baluarte da defesa dos direitos humanos, que lhe deveria esposar a causa, capitulou, servindo aos ditames do machismo. Até mesmo cristãos tidos como exemplares na fé e na conduta cedem a esse predicamento. Não haja dúvida: o machismo entorpece a consciência, embota os sentimentos, degrada a razão. A mulher, porém, está rompendo os grilhões desse predicamento e o haverá de superar. É, entretanto, uma tarefa ciclópica, de tal viés, que Hércules nenhum pode botar defeito. E o dia virá, ainda que distante, quando o machismo será somente uma triste lembrança de tempos idos... para nunca mais voltarem.
Os maiores impedimentos à ordenação das mulheres são bíblicos (exegéticos) ou culturais? Alguém era ordenado na Igreja Primitiva?
No âmbito da Igreja Primitiva, a ordenação feminina era matéria fora de cogitação, assunto nem sequer ventilado, mulher nenhuma reivindicando esse direito. Contudo, há-se de ter em conta que era uma atitude passiva, dir-se-ía de alienação, ao passo que a cultural era ativa, até agressiva. Eleito e investido como presbítero, o cidadão adverso à ordenação, naturalmente, iria manter seu ponto de vista. Portanto, é de admitir-se que o elemento cultural era, na realidade, o mais influente. No que diz respeito à ordenação de ministros ou oficiais na Igreja Primitiva, é de reconhecer-se que, em tese, apesar das variações locais e temporais, há, certamente, plena correspondência ao que hoje vigora em nossas igrejas, respeitadas as diferenças denominacionais.
As mulheres ocupavam quais ofícios ou funções na Igreja Primitiva? Há exemplos? Havia limitações?
Na Igreja Primitiva não se atribuíam a mulheres ofícios e funções caracteristicamente eclesiásticas. As nobres damas que se distinguiram através do Novo Testamento sobressaíram somente por suas virtudes e qualidades pessoais, não por titularidade funcional. Assim, Dorcas é renomada por sua benevolência; Phebe, por serviço e representação; Lídia, por hospitalidade e colaboração com a ação missionária; Priscila, associada ao esposo, Áquila, orientação e instrução; Marta e Maria, as amadas irmãs, afeto, devotamento, carinho; Maria, a mãe de Jesus, que Lucas exalta eloquentemente no “Magnificat”, piedade e devotamento maternal, contudo, não superior em virtude e mérito a outras piedosas mulheres, mesmo porque não possui qualidades acima das demais, meramente agraciada pelo Senhor; sobretudo, Maria Madalena, cujo relacionamento com Jesus tem dado margem a blasfemas insinuações, devotamento, gratidão, reconhecimento o mais profundo. Limitados, mas exemplos de piedade e fé para todos os tempos.
Se é o Espírito que dá dons para a Igreja “como lhe apraz” (1Co 12.11), estaríamos desprezando ou desrespeitando o próprio Espírito ao delimitar categorias para os diversos dons?
Obviamente, desejável seria que os dons do Espírito fossem distribuídos sem delimitações de idade, sexo, classe social, grau de instrução, situação econômica, nacionalidade, cor, língua, origem, raça, visual, aparência. Verdade é que isso não significava que determinado talento ou dom não pudesse ser limitado a uma categoria especial, não extensivo a todos indiferentemente. É o que alegam os que se opõem ao ministério feminino. Há, porém, que perguntar-se: qual razão se pode, legitimamente, invocar para essa exclusão? Que o Espírito assim agiria por mero preconceito ou capricho, seria temerário afirmar. Portanto, não transparece motivação racional para justificar essa medida discricionária. Razão, pois, assiste aos que veem esse posicionamento como desprezo ou desrespeito ao Santo Espírito. Alijar, sumariamente, a mulher da participação no dom ministerial não se afigura ordenança divina, mas, ao contrário, deplorável mostra do preconceito humano.
A proibição da fala de mulheres (1Co 14.34) é paradigmática para a exclusão nos ministérios da igreja ou Paulo estaria tratando de um problema específico, que não deveríamos considerar normativo hoje?
Em 1 Coríntios 14.34, a que se devem associar, também, as Pastorais e o capítulo 5 de Efésios, Paulo não tem em mira o ministério feminino, matéria fora de cogitação na Igreja Primitiva. A injunção paulina visa à honorabilidade, respeitabilidade, dignidade, autoridade do marido, que, nos usos e costumes da época, exigiam absoluto silêncio da mulher nas assembleias e reuniões culturais da Igreja. No versículo seguinte (1Co 14.35), diz o Apóstolo que a mulher falar na Igreja era “vergonhoso”, na tradução de Almeida. O termo grego no texto é “aischrón”, que tem, entre outras, a acepção de indecente, impróprio, indigno, torpe, isto é, que traria opróbrio, desprestígio, desonra ao marido. Não se tratava, pois, de injunção teológica, mas de simples questão, digamos, de etiqueta a salvaguardar a honorabilidade do marido. Os demais autores do Novo Testamento, quanto parece, não foram tão radicais como Paulo. Era ele, como pretendem certos críticos, misógino, ferrenhamente adverso às mulheres? É questão discutível. Mas, não haja dúvida, gradativamente, foi a mulher adquirindo influência e representatividade maior.
A inclusão da mulher nos ministérios da igreja é sinal dos fins dos tempos que começaram com Jesus?
A lenta, mas progressiva inclusão da mulher nos ministérios da igreja é a resultante lógica e natural da operação iluminadora do Espírito Santo a superar limitações e barreiras descabidas que entravam a obra do evangelho. Não se reveste de caráter escatológico, nem é sinal de tempos ou do fim do mundo. É simplesmente, o produto da incoercível dinâmica do evangelho na implantação do reino de Deus ao longo da história. A inclusão da mulher na obra da igreja é um fator positivo e abençoado, que a fortalece e energiza, que deve ser acoroçoada na mais ampla medida, jamais limitada, muito menos reprimida ou contida. Se à mulher conferisse a igreja plena paridade com o homem nas funções eclesiásticas e na obra do evangelho, salta à vista que a implantação do reino de Deus entre nós seria inegavelmente mais vultosa e sólida. Não haja dúvida, quanto maior a participação feminina nas ações da igreja, tanto maiores serão as bênçãos advindas à Causa.
Muitas mulheres, apesar de fazerem um trabalho missionário pioneiro em lugares difíceis, não têm credencial para batizar e celebrar a Santa Ceia. Quando o trabalho se firma, ela vai para outro posto difícil e um obreiro vem para o lugar dela. Isso não é injusto?
No sistema de governo eclesiástico presbiteriano tradicional, segundo o elaborou o patriarca da fé, o escocês John Knox, ao ministro se conferem determinadas prerrogativas especiais, exclusivas, intransferíveis, tais o título de “reverendo”, a ministração dos sacramentos reconhecidos (batismo e Ceia do Senhor), e a impostação da bênção apostólica, aparente resquício de sacerdotalismo estranho ao espírito laicizante da Reforma. Era uma forma refinada e seletiva de concentrar poderes e atribuições eclesiásticas a elementos qualificados e prestigiados na igreja. Os chamados leigos eram excluídos desse privilégio. Não era apenas a mulher, mas toda e qualquer pessoa não ordenada clericalmente. Evangelistas, catequistas, missionários, pregadores ditos leigos, professores, seminaristas e até licenciados, não gozavam dessas atribuições. Por outro lado, estender individualmente a todo obreiro essas funções restritivas ensejaria, sem dúvida, lamentável vulgarização dos mistérios sagrados, competições mesquinhas, personalismos doentios e até exploração por parte de indivíduos oportunistas. Como vaticinava o poeta latino Ovídio, em outro contexto: “minima de malis”, isto é, dos males os menores. Ambas as formas de governo têm inconvenientes inevitáveis, mas a seletiva se afigura menos problemática, logo, é de preferir-se.
Quando a mulher se mostra muito eficiente no ministério, ela pode ser excluída por supostamente ameaçar a liderança masculina. Como evitar tal comportamento antiético?
Mulheres superdotadas, de notório espírito de liderança e notável capacidade de ação, não são raridade em nossas igrejas. Normativamente, elas desenvolvem seus talentos e dons espontaneamente, sem chancela oficial ou entendimento formal com a direção da igreja. Gozam de larga influência e são cercadas de admiração incontestável e o apoio de numeroso círculo de adeptos e simpatizantes. O problema é, especialmente no caso das mais personalistas, que passam a formar uma facção, ou partido, ou, mesmo, um poder paralelo, livre e independente. Obviamente, o pastor, cioso de sua autoridade e posição, vê no caso um desafio à sua liderança e procura neutralizar ou eliminar a rival incômoda; marginalizando-a. O que se requer é cooperação, não competição. Para tanto, ambos precisam ser humildes, sensatos, prudentes, leais, a buscarem o bem da igreja e a glória de Deus. A ação da mulher consagrada será indirimível bênção à igreja e à expansão do evangelho.
Se o ministério pastoral é para ser exercido só por homens, como explicar a participação de mulheres abençoadas e abençoadoras na Igreja de Cristo nos últimos cinquenta anos?
A participação de mulheres em funções eclesiásticas, inclusive no ministério pastoral, nos últimos cinquenta anos, em não poucas denominações, em absoluta paridade com os homens, na Igreja de Cristo ou o chamado mundo evangélico é um fato de excepcional relevância e indizível alcance. Mentalidades menos atualizadas, conservadores radicais, veem o fato como evidente decadência da fé, lamentável secularização ou mundanização da igreja, apostasia e corrupção do evangelho, enquanto espíritos mais atualizados e arrojados o encaram como inegável operação do Espírito Santo na implantação do reino de Deus. Não paira dúvida, a equiparação das mulheres aos homens nas funções eclesiásticas não apenas enriquece o quadro operacional da igreja, dinamiza-o e amplia significativamente o alcance de sua bendita operação.
Dos três maiores grupos cristãos -- Igreja Católica Romana, Igreja Ortodoxa e Igreja Protestante -- qual é o mais ferrenhamente contrário à ordenação feminina?
Dos três maiores grupos que integram a cristandade, em última análise, o mais infenso à ordenação feminina é o Catolicismo Romano. O sacerdócio somente a homens se confere e a pirâmide hierárquica dos níveis superiores é integrada por prelados que jamais podem emitir qualquer opinião discrepante. Embora à mulher se confiram certas funções subalternas, aspirar ao sacerdócio e à prelazia é impensável, quiçá blasfemo. No ortodoxismo, que rompeu com o catolicismo em 1054, tão solene em seus rituais e tocante em seu majestoso cerimonialismo, a lutar pela sobrevivência em uma inibidora política tiranicamente hostil, não haveria clima para questões desta natureza. No protestantismo, ou, melhor, no mundo evangélico da atualidade, a gama de opiniões se estende desde o crasso radicalismo ultraconservador até a fluidez do liberalismo amorfo e caótico. Destarte, na ambivalência protestante, a ordenação feminina vai desde o veto terminante até a prática indiscriminada.
Das denominações históricas brasileiras, qual é a mais fechada à ordenação feminina?
Possivelmente, em nenhuma das denominações históricas brasileiras haja unanimidade, seja favorável, seja desfavorável à ordenação feminina. Em alguns casos, os que discordam da posição oficial se acomodam, passivamente, em outras, reagem, em graus variados, mais ativamente. Assim é que, na atualidade, denominações tais como a Luterana, a Metodista, a Episcopal, a Reformada, a Presbiteriana Independente, a Presbiteriana Unida, admitem o ministério feminino; a Batista e a Congregacional, menos centralizadas, ensejam diferentes posturas, segundo as circunstâncias; as igrejas de cunho conservador ou fundamentalista, opõem-se vigorosamente. A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), porém, é, oficialmente, a mais radicalmente infensa. Contudo, acentuado e crescente é o impacto em nossa grei, daqueles que propugnam pela reversão dessa rígida postura.
A proliferação aparentemente desordenada da ordenação feminina, em alguns casos só por serem esposas de pastores, dificulta a análise da questão?
A ordenação feminina às funções eclesiásticas oficiosas nas igrejas do país não suscitou a comoção que se antevia, nem teve o impacto que se alardeava. As mulheres não se alvoroçaram, mostraram-se algo tímidas, comedidas, como que receosas de ferir suscetibilidades masculinas. E a vida das igrejas continuou com plena tranquilidade, sem confrontos nem sobressaltos. E a obra do evangelho no país ganhou o valioso concurso da mulher consagrada e piedosa. O estudioso da questão, arguto e criterioso, não enfrentará óbices em sua análise da matéria.
Algumas denominações, além de não ordenarem mulheres para o ministério pastoral, não ordenam mulheres para o ofício do presbiterato e do diaconato. Qual sua opinião?
A cristandade se polariza entre os exclusivistas, que, sem espasmos de consciência ou pruridos de remorso, só ao homem conferem as prerrogativas e funções eclesiásticas, e os inclusivistas, que, estendem à mulher esses direitos, em paridade com o homem. Têm estes visão mais iluminada, sentimentos mais humanos, consciência mais sensível, propósito mais racional, justo, nobilitante. Não há tergiversar: estes agradam mais a Deus e melhor o servem.
Os que são contrários à ordenação feminina argumentam que, nos três primeiros capítulos do livro de Gênesis, em especial 2.18, fica claro que a mulher foi criada como simples auxiliar do homem e nunca será igual em autoridade e gestão. O que dizer?
Exegetas de grande nomeada, reconhecida competência, indiscutível probidade, e teólogos da mais elevada eminência, inegável saber e nobreza de espírito, esposam esse parecer, com distinção e dignidade incontestes. Contudo, é preciso reconhecer que, no âmbito dos que deles discordam há figuras do mais sólido gabarito e inegável saber, de probidade inatacável. Tal sendo a polaridade, um impasse que se afigura insolúvel, dir-se-á que é uma questão aberta, que requer neutralidade ou preferência puramente pessoal, não lógica ou racional. Isso, entretanto, não deve impedir que se busque adequada e procedente solução. O fulcro da questão é o teor de Gênesis 2.18. O texto bíblico retrata a mulher como “ezer Keneghdô” que nosso Almeida, versão atualizada e corrigida, traduz como “auxiliadora que lhe seja idônea”, fraseado sonoro, até elegante... mas, oracular, enigmático, ambivalente, vago, indefinido, tautológico. Dispusesse dos recursos que se fazem de mister, gostaria de examinar a Septuaginta, a Vulgata, as versões todas que nos fossem acessíveis, no afã de apreciar como traduziram a expressão hebraica e que sentido lhe atribuíram. O termo hebraico “ezer” é masculino, mais apropriadamente expresso, em acepção substantiva, não adjetiva, por “auxílio”, “ajuda”, “socorro”, tradução que, apropriadamente elimina o teor subordinativo, inferiorizante da versão corrente, como se pode perceber, com clareza, no sugestivo título “Ebenezer”, literalmente “pedra de auxílio”, jamais “pedra auxiliadora”. Por sua vez, o tríptico de termos hebraicos associados significa, literalmente: “como diante dele”, frase ambígua, que, naturalmente, se presta a variadas acepções. Todavia, como o próprio texto bíblico declara que, dentre os seres criados, não havia comparsa ou companheira à altura do homem, Deus formou a mulher e a deu ao homem por esposa e “auxílio”, complementaridade, completude, complemento, totalização de um todo a integrar, adição de parcela a somar, de sorte que homem e mulher conjugados constituem uma unidade integrada, não uma dualidade díspar, assimétrica e desigual. Nessa perspectiva, homem e mulher formam um elo, uno e indivisível, de plenos direitos e atribuições em pé de igualdade, respeitadas as diferenças, que não criam subordinação, desigualdade, redução de atribuições. Cada um desempenhará as funções a que a aptidão e a vocação lhe façam jus, pela graça de Deus. Destarte, a argumentação contrária à ordenação feminina, baseada nesta porção de Gênesis se mostra inteiramente irrelevante, quando muito mera analogia, aliás, falaciosa, que não há invocar como base de argumentação lógica. Ademais, forçoso é reconhecer que o texto do Gênesis não se refere a posições e encargos eclesiásticos, questão a decidir-se, em outras bases. No transcurso deste questionário, suficientes ponderações evidenciaram que não há impedimento escriturístico a que se atribuam à mulher funções eclesiásticas hoje privativas do homem, medida que trará farta messe de bênçãos à igreja, além de justa, igualitária, sem preconceito. Com júbilo e gratidão, nossas igrejas celebrarão o precioso concurso de nossas ministras e pastoras, presbíteras e diaconisas, piedosas, reverentes e consagradas a servir ao Senhor, como, com reconhecido êxito, vem acontecendo em outras denominações evangélicas.
A Igreja Presbiteriana do Brasil, hoje tão resistente à ideia de ordenação feminina, acabará aderindo ao que tanto se opõe?
Tudo parece mostrar que essa é a inevitável marcha dos acontecimentos, e a IPB, mais cedo ou mais tarde, terá de ceder à pressão dos fatos. E quanto mais cedo, tanto melhor. Então, una e coesa, militará a IPB, ao lado de tantas outras denominações na bendita cruzada da fé, no sagrado empenho da implantação do reino de Deus entre os homens, a maior necessidade deste mundo escravizado pelo mal.
Para aprofundar-se sobre o assunto, veja “O shibboleth do ministério feminino” (Revista Teológica do Seminário de Campinas. Campinas, n. 38, p. 55-65, ago. 1993).
Os cristãos contrários à ordenação feminina argumentam que Jesus escolheu somente homens para serem apóstolos e que o Novo Testamento não apresenta claramente mulheres em posições de autoridade. O que dizer?
De mister faz-se observar, de início, que a questão da ordenança feminina às funções eclesiásticas (diaconato, presbiterato, ministério sagrado) nem sequer é ventilada através do Novo Testamento. Jesus, tanto no caso dos doze, como, quanto parece, na chamada Missão dos Setenta, aliciou apenas homens, como, aliás, era a norma no mundo contemporâneo. Se alguma outra motivação teve ele, não a explicitou. E conjecturar a esse respeito é irrelevante. Na Palestina dos dias de Jesus não haveria lugar para matriarcado e mulher em posição de autoridade, impensável aberração.
A chefia do homem na Bíblia é mera questão cultural?
Na Bíblia, reconhecidamente, conferem-se ao homem, em detrimento da mulher, autoridade e mando incontestáveis. Não resulta este predicamento de princípios ontológicos ou metafísicos, simples questão de exercício de poder, matéria de cunho puramente cultural. Mercê da obra redentora de Cristo, cancela-se a disposição vigente e implanta-se um regime de paridade e equalização, abolidas as distinções prévias, homem e mulher a fazer jus ao mesmo “status” em Cristo. Valida-se, pois, o argumento culturalista.
Os defensores da posição antagônica ao ministério feminino ordenado parecem não considerar passagens como Joel 2.28-29 e Gálatas 3.28. Certo?
Arroubos poéticos e eclosão de júbilo de um momento especial, não asserção normativa de princípio estabelecido, Joel 2.28-29 e Gálatas 3.28 não são passagens pertinentes à questão da ordenação feminina.
A ordenação pastoral deve ser precedida pelo dom ministerial. A mulher pode receber esse dom?
Normativamente, a ordenação pastoral pressupõe o dom (ou vocação) ministerial. Seja no país, seja, e especialmente, no exterior, há muitas mulheres tendo sido, e estão sendo, ordenadas ao múnus pastoral, cujo desempenho confirma, indiscutivelmente, possuírem o indispensável dom. Portanto, a toda mulher portadora do dom, ou seja, devidamente vocacionada, a ordenação pastoral deve ser prontamente conferida. Interessante é notar-se que nossa própria Igreja Presbiteriana do Brasil, por breve período, já teve diaconisas devidamente ordenadas. Descontinuou a prática em vista da reação provocada na região nordestina, a ameaça pairando de divisão denominacional. A paz e a unidade da Igreja, graças ao Senhor, prevaleceram, felizmente.
A ordenação pastoral deve ser vista como o exercício do dom do Espírito Santo dado à Igreja ou como um ofício eclesiástico dado a uma classe de pessoas?
Em última instância, a postulação da ordenação pastoral é ambivalente, por isso que só pode ser encarada como dom conferido à Igreja, mas exercido por um corpo de oficiais possuídos de prerrogativas únicas e exclusivas. Também o pode como função eclesiástica outorgada a um núcleo ou casta de elementos contemplados com um múnus peculiar, mas encaixado no âmbito da comunidade global. Não há, propriamente, polaridade, antes, pelo contrário, conjunção.
Por trás da não-ordenação de mulheres para o diaconato, o presbiterato e especialmente o ministério pastoral, não estaria escondida uma cultura machista?
Aos espíritos mais atilados, a relutância à ordenação de mulheres ao diaconato, ao presbiterato e, especialmente, ao ministério pastoral, não estaria bem escondida, pelo contrário, escancaradamente manifesta a indisfarçável cultura machista. Nada de causar espécie. Por séculos, aliás, milênios, no perpassar das civilizações em todos os quadrantes do orbe, com raríssimas exceções, o homem tem gerido as atividades humanas de modo quase absoluto, de tal sorte que o mando se lhe tornou como que parte de sua própria natureza, a mulher marginalizada, mas ao que parece resignada, ajustada e adaptada à situação, de que tira o proveito possível. É de lamentar-se que a Igreja, baluarte da defesa dos direitos humanos, que lhe deveria esposar a causa, capitulou, servindo aos ditames do machismo. Até mesmo cristãos tidos como exemplares na fé e na conduta cedem a esse predicamento. Não haja dúvida: o machismo entorpece a consciência, embota os sentimentos, degrada a razão. A mulher, porém, está rompendo os grilhões desse predicamento e o haverá de superar. É, entretanto, uma tarefa ciclópica, de tal viés, que Hércules nenhum pode botar defeito. E o dia virá, ainda que distante, quando o machismo será somente uma triste lembrança de tempos idos... para nunca mais voltarem.
Os maiores impedimentos à ordenação das mulheres são bíblicos (exegéticos) ou culturais? Alguém era ordenado na Igreja Primitiva?
No âmbito da Igreja Primitiva, a ordenação feminina era matéria fora de cogitação, assunto nem sequer ventilado, mulher nenhuma reivindicando esse direito. Contudo, há-se de ter em conta que era uma atitude passiva, dir-se-ía de alienação, ao passo que a cultural era ativa, até agressiva. Eleito e investido como presbítero, o cidadão adverso à ordenação, naturalmente, iria manter seu ponto de vista. Portanto, é de admitir-se que o elemento cultural era, na realidade, o mais influente. No que diz respeito à ordenação de ministros ou oficiais na Igreja Primitiva, é de reconhecer-se que, em tese, apesar das variações locais e temporais, há, certamente, plena correspondência ao que hoje vigora em nossas igrejas, respeitadas as diferenças denominacionais.
As mulheres ocupavam quais ofícios ou funções na Igreja Primitiva? Há exemplos? Havia limitações?
Na Igreja Primitiva não se atribuíam a mulheres ofícios e funções caracteristicamente eclesiásticas. As nobres damas que se distinguiram através do Novo Testamento sobressaíram somente por suas virtudes e qualidades pessoais, não por titularidade funcional. Assim, Dorcas é renomada por sua benevolência; Phebe, por serviço e representação; Lídia, por hospitalidade e colaboração com a ação missionária; Priscila, associada ao esposo, Áquila, orientação e instrução; Marta e Maria, as amadas irmãs, afeto, devotamento, carinho; Maria, a mãe de Jesus, que Lucas exalta eloquentemente no “Magnificat”, piedade e devotamento maternal, contudo, não superior em virtude e mérito a outras piedosas mulheres, mesmo porque não possui qualidades acima das demais, meramente agraciada pelo Senhor; sobretudo, Maria Madalena, cujo relacionamento com Jesus tem dado margem a blasfemas insinuações, devotamento, gratidão, reconhecimento o mais profundo. Limitados, mas exemplos de piedade e fé para todos os tempos.
Se é o Espírito que dá dons para a Igreja “como lhe apraz” (1Co 12.11), estaríamos desprezando ou desrespeitando o próprio Espírito ao delimitar categorias para os diversos dons?
Obviamente, desejável seria que os dons do Espírito fossem distribuídos sem delimitações de idade, sexo, classe social, grau de instrução, situação econômica, nacionalidade, cor, língua, origem, raça, visual, aparência. Verdade é que isso não significava que determinado talento ou dom não pudesse ser limitado a uma categoria especial, não extensivo a todos indiferentemente. É o que alegam os que se opõem ao ministério feminino. Há, porém, que perguntar-se: qual razão se pode, legitimamente, invocar para essa exclusão? Que o Espírito assim agiria por mero preconceito ou capricho, seria temerário afirmar. Portanto, não transparece motivação racional para justificar essa medida discricionária. Razão, pois, assiste aos que veem esse posicionamento como desprezo ou desrespeito ao Santo Espírito. Alijar, sumariamente, a mulher da participação no dom ministerial não se afigura ordenança divina, mas, ao contrário, deplorável mostra do preconceito humano.
A proibição da fala de mulheres (1Co 14.34) é paradigmática para a exclusão nos ministérios da igreja ou Paulo estaria tratando de um problema específico, que não deveríamos considerar normativo hoje?
Em 1 Coríntios 14.34, a que se devem associar, também, as Pastorais e o capítulo 5 de Efésios, Paulo não tem em mira o ministério feminino, matéria fora de cogitação na Igreja Primitiva. A injunção paulina visa à honorabilidade, respeitabilidade, dignidade, autoridade do marido, que, nos usos e costumes da época, exigiam absoluto silêncio da mulher nas assembleias e reuniões culturais da Igreja. No versículo seguinte (1Co 14.35), diz o Apóstolo que a mulher falar na Igreja era “vergonhoso”, na tradução de Almeida. O termo grego no texto é “aischrón”, que tem, entre outras, a acepção de indecente, impróprio, indigno, torpe, isto é, que traria opróbrio, desprestígio, desonra ao marido. Não se tratava, pois, de injunção teológica, mas de simples questão, digamos, de etiqueta a salvaguardar a honorabilidade do marido. Os demais autores do Novo Testamento, quanto parece, não foram tão radicais como Paulo. Era ele, como pretendem certos críticos, misógino, ferrenhamente adverso às mulheres? É questão discutível. Mas, não haja dúvida, gradativamente, foi a mulher adquirindo influência e representatividade maior.
A inclusão da mulher nos ministérios da igreja é sinal dos fins dos tempos que começaram com Jesus?
A lenta, mas progressiva inclusão da mulher nos ministérios da igreja é a resultante lógica e natural da operação iluminadora do Espírito Santo a superar limitações e barreiras descabidas que entravam a obra do evangelho. Não se reveste de caráter escatológico, nem é sinal de tempos ou do fim do mundo. É simplesmente, o produto da incoercível dinâmica do evangelho na implantação do reino de Deus ao longo da história. A inclusão da mulher na obra da igreja é um fator positivo e abençoado, que a fortalece e energiza, que deve ser acoroçoada na mais ampla medida, jamais limitada, muito menos reprimida ou contida. Se à mulher conferisse a igreja plena paridade com o homem nas funções eclesiásticas e na obra do evangelho, salta à vista que a implantação do reino de Deus entre nós seria inegavelmente mais vultosa e sólida. Não haja dúvida, quanto maior a participação feminina nas ações da igreja, tanto maiores serão as bênçãos advindas à Causa.
Muitas mulheres, apesar de fazerem um trabalho missionário pioneiro em lugares difíceis, não têm credencial para batizar e celebrar a Santa Ceia. Quando o trabalho se firma, ela vai para outro posto difícil e um obreiro vem para o lugar dela. Isso não é injusto?
No sistema de governo eclesiástico presbiteriano tradicional, segundo o elaborou o patriarca da fé, o escocês John Knox, ao ministro se conferem determinadas prerrogativas especiais, exclusivas, intransferíveis, tais o título de “reverendo”, a ministração dos sacramentos reconhecidos (batismo e Ceia do Senhor), e a impostação da bênção apostólica, aparente resquício de sacerdotalismo estranho ao espírito laicizante da Reforma. Era uma forma refinada e seletiva de concentrar poderes e atribuições eclesiásticas a elementos qualificados e prestigiados na igreja. Os chamados leigos eram excluídos desse privilégio. Não era apenas a mulher, mas toda e qualquer pessoa não ordenada clericalmente. Evangelistas, catequistas, missionários, pregadores ditos leigos, professores, seminaristas e até licenciados, não gozavam dessas atribuições. Por outro lado, estender individualmente a todo obreiro essas funções restritivas ensejaria, sem dúvida, lamentável vulgarização dos mistérios sagrados, competições mesquinhas, personalismos doentios e até exploração por parte de indivíduos oportunistas. Como vaticinava o poeta latino Ovídio, em outro contexto: “minima de malis”, isto é, dos males os menores. Ambas as formas de governo têm inconvenientes inevitáveis, mas a seletiva se afigura menos problemática, logo, é de preferir-se.
Quando a mulher se mostra muito eficiente no ministério, ela pode ser excluída por supostamente ameaçar a liderança masculina. Como evitar tal comportamento antiético?
Mulheres superdotadas, de notório espírito de liderança e notável capacidade de ação, não são raridade em nossas igrejas. Normativamente, elas desenvolvem seus talentos e dons espontaneamente, sem chancela oficial ou entendimento formal com a direção da igreja. Gozam de larga influência e são cercadas de admiração incontestável e o apoio de numeroso círculo de adeptos e simpatizantes. O problema é, especialmente no caso das mais personalistas, que passam a formar uma facção, ou partido, ou, mesmo, um poder paralelo, livre e independente. Obviamente, o pastor, cioso de sua autoridade e posição, vê no caso um desafio à sua liderança e procura neutralizar ou eliminar a rival incômoda; marginalizando-a. O que se requer é cooperação, não competição. Para tanto, ambos precisam ser humildes, sensatos, prudentes, leais, a buscarem o bem da igreja e a glória de Deus. A ação da mulher consagrada será indirimível bênção à igreja e à expansão do evangelho.
Se o ministério pastoral é para ser exercido só por homens, como explicar a participação de mulheres abençoadas e abençoadoras na Igreja de Cristo nos últimos cinquenta anos?
A participação de mulheres em funções eclesiásticas, inclusive no ministério pastoral, nos últimos cinquenta anos, em não poucas denominações, em absoluta paridade com os homens, na Igreja de Cristo ou o chamado mundo evangélico é um fato de excepcional relevância e indizível alcance. Mentalidades menos atualizadas, conservadores radicais, veem o fato como evidente decadência da fé, lamentável secularização ou mundanização da igreja, apostasia e corrupção do evangelho, enquanto espíritos mais atualizados e arrojados o encaram como inegável operação do Espírito Santo na implantação do reino de Deus. Não paira dúvida, a equiparação das mulheres aos homens nas funções eclesiásticas não apenas enriquece o quadro operacional da igreja, dinamiza-o e amplia significativamente o alcance de sua bendita operação.
Dos três maiores grupos cristãos -- Igreja Católica Romana, Igreja Ortodoxa e Igreja Protestante -- qual é o mais ferrenhamente contrário à ordenação feminina?
Dos três maiores grupos que integram a cristandade, em última análise, o mais infenso à ordenação feminina é o Catolicismo Romano. O sacerdócio somente a homens se confere e a pirâmide hierárquica dos níveis superiores é integrada por prelados que jamais podem emitir qualquer opinião discrepante. Embora à mulher se confiram certas funções subalternas, aspirar ao sacerdócio e à prelazia é impensável, quiçá blasfemo. No ortodoxismo, que rompeu com o catolicismo em 1054, tão solene em seus rituais e tocante em seu majestoso cerimonialismo, a lutar pela sobrevivência em uma inibidora política tiranicamente hostil, não haveria clima para questões desta natureza. No protestantismo, ou, melhor, no mundo evangélico da atualidade, a gama de opiniões se estende desde o crasso radicalismo ultraconservador até a fluidez do liberalismo amorfo e caótico. Destarte, na ambivalência protestante, a ordenação feminina vai desde o veto terminante até a prática indiscriminada.
Das denominações históricas brasileiras, qual é a mais fechada à ordenação feminina?
Possivelmente, em nenhuma das denominações históricas brasileiras haja unanimidade, seja favorável, seja desfavorável à ordenação feminina. Em alguns casos, os que discordam da posição oficial se acomodam, passivamente, em outras, reagem, em graus variados, mais ativamente. Assim é que, na atualidade, denominações tais como a Luterana, a Metodista, a Episcopal, a Reformada, a Presbiteriana Independente, a Presbiteriana Unida, admitem o ministério feminino; a Batista e a Congregacional, menos centralizadas, ensejam diferentes posturas, segundo as circunstâncias; as igrejas de cunho conservador ou fundamentalista, opõem-se vigorosamente. A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), porém, é, oficialmente, a mais radicalmente infensa. Contudo, acentuado e crescente é o impacto em nossa grei, daqueles que propugnam pela reversão dessa rígida postura.
A proliferação aparentemente desordenada da ordenação feminina, em alguns casos só por serem esposas de pastores, dificulta a análise da questão?
A ordenação feminina às funções eclesiásticas oficiosas nas igrejas do país não suscitou a comoção que se antevia, nem teve o impacto que se alardeava. As mulheres não se alvoroçaram, mostraram-se algo tímidas, comedidas, como que receosas de ferir suscetibilidades masculinas. E a vida das igrejas continuou com plena tranquilidade, sem confrontos nem sobressaltos. E a obra do evangelho no país ganhou o valioso concurso da mulher consagrada e piedosa. O estudioso da questão, arguto e criterioso, não enfrentará óbices em sua análise da matéria.
Algumas denominações, além de não ordenarem mulheres para o ministério pastoral, não ordenam mulheres para o ofício do presbiterato e do diaconato. Qual sua opinião?
A cristandade se polariza entre os exclusivistas, que, sem espasmos de consciência ou pruridos de remorso, só ao homem conferem as prerrogativas e funções eclesiásticas, e os inclusivistas, que, estendem à mulher esses direitos, em paridade com o homem. Têm estes visão mais iluminada, sentimentos mais humanos, consciência mais sensível, propósito mais racional, justo, nobilitante. Não há tergiversar: estes agradam mais a Deus e melhor o servem.
Os que são contrários à ordenação feminina argumentam que, nos três primeiros capítulos do livro de Gênesis, em especial 2.18, fica claro que a mulher foi criada como simples auxiliar do homem e nunca será igual em autoridade e gestão. O que dizer?
Exegetas de grande nomeada, reconhecida competência, indiscutível probidade, e teólogos da mais elevada eminência, inegável saber e nobreza de espírito, esposam esse parecer, com distinção e dignidade incontestes. Contudo, é preciso reconhecer que, no âmbito dos que deles discordam há figuras do mais sólido gabarito e inegável saber, de probidade inatacável. Tal sendo a polaridade, um impasse que se afigura insolúvel, dir-se-á que é uma questão aberta, que requer neutralidade ou preferência puramente pessoal, não lógica ou racional. Isso, entretanto, não deve impedir que se busque adequada e procedente solução. O fulcro da questão é o teor de Gênesis 2.18. O texto bíblico retrata a mulher como “ezer Keneghdô” que nosso Almeida, versão atualizada e corrigida, traduz como “auxiliadora que lhe seja idônea”, fraseado sonoro, até elegante... mas, oracular, enigmático, ambivalente, vago, indefinido, tautológico. Dispusesse dos recursos que se fazem de mister, gostaria de examinar a Septuaginta, a Vulgata, as versões todas que nos fossem acessíveis, no afã de apreciar como traduziram a expressão hebraica e que sentido lhe atribuíram. O termo hebraico “ezer” é masculino, mais apropriadamente expresso, em acepção substantiva, não adjetiva, por “auxílio”, “ajuda”, “socorro”, tradução que, apropriadamente elimina o teor subordinativo, inferiorizante da versão corrente, como se pode perceber, com clareza, no sugestivo título “Ebenezer”, literalmente “pedra de auxílio”, jamais “pedra auxiliadora”. Por sua vez, o tríptico de termos hebraicos associados significa, literalmente: “como diante dele”, frase ambígua, que, naturalmente, se presta a variadas acepções. Todavia, como o próprio texto bíblico declara que, dentre os seres criados, não havia comparsa ou companheira à altura do homem, Deus formou a mulher e a deu ao homem por esposa e “auxílio”, complementaridade, completude, complemento, totalização de um todo a integrar, adição de parcela a somar, de sorte que homem e mulher conjugados constituem uma unidade integrada, não uma dualidade díspar, assimétrica e desigual. Nessa perspectiva, homem e mulher formam um elo, uno e indivisível, de plenos direitos e atribuições em pé de igualdade, respeitadas as diferenças, que não criam subordinação, desigualdade, redução de atribuições. Cada um desempenhará as funções a que a aptidão e a vocação lhe façam jus, pela graça de Deus. Destarte, a argumentação contrária à ordenação feminina, baseada nesta porção de Gênesis se mostra inteiramente irrelevante, quando muito mera analogia, aliás, falaciosa, que não há invocar como base de argumentação lógica. Ademais, forçoso é reconhecer que o texto do Gênesis não se refere a posições e encargos eclesiásticos, questão a decidir-se, em outras bases. No transcurso deste questionário, suficientes ponderações evidenciaram que não há impedimento escriturístico a que se atribuam à mulher funções eclesiásticas hoje privativas do homem, medida que trará farta messe de bênçãos à igreja, além de justa, igualitária, sem preconceito. Com júbilo e gratidão, nossas igrejas celebrarão o precioso concurso de nossas ministras e pastoras, presbíteras e diaconisas, piedosas, reverentes e consagradas a servir ao Senhor, como, com reconhecido êxito, vem acontecendo em outras denominações evangélicas.
A Igreja Presbiteriana do Brasil, hoje tão resistente à ideia de ordenação feminina, acabará aderindo ao que tanto se opõe?
Tudo parece mostrar que essa é a inevitável marcha dos acontecimentos, e a IPB, mais cedo ou mais tarde, terá de ceder à pressão dos fatos. E quanto mais cedo, tanto melhor. Então, una e coesa, militará a IPB, ao lado de tantas outras denominações na bendita cruzada da fé, no sagrado empenho da implantação do reino de Deus entre os homens, a maior necessidade deste mundo escravizado pelo mal.
Para aprofundar-se sobre o assunto, veja “O shibboleth do ministério feminino” (Revista Teológica do Seminário de Campinas. Campinas, n. 38, p. 55-65, ago. 1993).
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