Reflexões sobre o teísmo e a cosmovisão
cristã
A
necessidade de cada cristão ter em mente a definição e entendimento da
cosmovisão cristã é muito importante, já que a cada dia somos bombardeados por
conceitos, filosofias e ideologias extremamente anticristãs. Sabendo que
cosmovisão representa a forma como cada indivíduo observa o mundo ao seu redor,
discernir “o todo” de acordo com a cosmovisão cristã é essencial.
Existe
uma manobra contra a cosmovisão cristã que vai além da paranóia vivida por
alguns crentes em seu dia-a-dia, que acreditam mais em teorias de conspiração
contra a igreja do que crêem na soberania absoluta e irrestrita de Deus. A
igreja deve estar mais alerta com uma severa mudança de cultura que está
forçando a mentalidade pós-cristã na sociedade, que começou na modernidade e
que hoje, num ambiente pós-moderno ainda vigora.
Para que
cada indivíduo que confessa ser cristão possa de fato ser denominado cristão, é
necessário que este pense e aja como cristão. Já disseram que a igreja
brasileira é muito mais propensa a sentir do que a pensar, e concordo
plenamente com tal ponto de vista por tudo aquilo que o cenário evangélico
apresenta.
O fato
de muitos cristãos ficarem chocados com algumas vozes que tem se manifestado
nos arraiais tupiniquins é impressionante. A maioria não está disposta ao labor
teológico e a análise daquilo que crê. Poucos estão interessados na reflexão
sobre temas pertinentes – ou não – à fé cristã. Isso nada mais é que o modo
relativista de pensar que se infiltrou na cultura cristã e que faz com que, em
estado de transe, muitos ignorem o fator da veracidade dos fatos. O ranço do
pragmatismo grudou na mentalidade de muitos, ao ponto de perderem sua
identidade bíblica e desvirtuar sua cosmovisão, trocando o cristianismo bíblico
e autêntico por uma religião sincretista e estranha.
Vivemos
hoje a época do Censo do IBGE (2010), e infelizmente a maior parte da igreja
brasileira está em frenesi pelo resultado a ser divulgado, para saber se de
fato os números mostrarão que o ‘povo de Deus’ tem crescido nesta terra. Não
sou contra o crescimento da igreja, isso seria contraditório. Quero ver muitas
pessoas rendidas aos pés de Cristo e inseridas de fato no Reino de Deus, mas
que cresçam não apenas em números, mas principalmente em qualidade.
Gostaria
de ver toda essa expectativa sendo lançada de modo mais reflexivo. Se nós, como
igreja, nos engajarmos e percebemos que existe a formação de uma barreira
contra a cosmovisão cristã, creio que teremos resultados mais positivos, que
passam do mero conceito quantitativo e adentram o valor qualitativo do povo de
Deus. E qualidade sim é relevante.
Isso
mostra de modo preocupante que a igreja atual está falhando em sua
característica de ser “ensinadora” para se tornar uma espécie de clínica
psicológica de auto-ajuda e um armazém de satisfação momentânea: “Venha buscar
a sua benção”, é o slogan padrão de uma fé puramente mercantilista. [1]
Falando
de modo mais específico sobre a cosmovisão cristã, entendemos que o modo de
enxergar a realidade sob os pressupostos do cristianismo bíblico é o mais
coerente, pois apresentam de modo objetivo respostas para perguntas que sempre
estão presentes no cotidiano das pessoas, tais quais: quem somos nós? Por que
estamos aqui? De onde viemos e para onde vamos? Qual o objetivo da vida? Ou
ainda, como C. Stephen Evans propõem de modo mais amplo:
“Uma cosmovisão completa inclui
respostas às seguintes perguntas e a mais outras ainda: Que tipos de realidades
existem, e qual é a realidade última? Que explicação se pode dar acerca da
realidade? Que é conhecimento, e como obtê-lo? Que é ter uma crença razoável ou
justificada? Que é o bem? Que é uma vida boa para o ser humano e como se
conquista essa vida? Que é beleza e como ela se relaciona com a realidade e a
bondade?” [2]
Todas
estas perguntas possuem respostas objetivas dentro da fé cristã, e tais
respostas estão norteadas pelo princípio que existe uma Verdade Absoluta.
Não é de
hoje que pensadores cristãos trabalham na sistematização de idéias para
apresentar a fé cristã de modo organizado e racional. A história do pensamento
cristão está repleta de homens que demonstraram a coerência racional do
cristianismo, sem abandonar o calor da fé. Como sempre afirmo: fé e razão não
se opõem, mas são complementares e interdependentes. Pensar sobre a fé é algo que
a igreja precisa resgatar nestes dias encharcados com a mentalidade anticristã.
Creio que Robson Ramos definiu bem o panorama antirreflexivo instaurado:
“Por que nos preocuparmos com um
embasamento teológico e filosófico mais profundo? Por que falarmos da
importância da ‘mente cristã’? Precisamente em benefício daquilo que chamamos
de ‘coração’. Como podemos amar e servir a Deus se não nos aplicamos a
compreender os seus desígnios? Se o caráter e a criação de Deus permanecem como
um enigma para nós, então todo o nosso zelo, nossas orações e nossos Louvorzões
caem como devoção cega. Nossa religiosidade se degenera em superstição e a
nossa liturgia se transforma em encantamento.” [3]
Neste
breve ensaio, não vamos nos ater a exposição detalhada das doutrinas básicas da
fé cristã, já que existe variado número de Teologias Sistemáticas e outras
obras que cumprem bem este papel. O objetivo central é chamar a igreja
brasileira – os crentes que a compõem – para um retorno aos fundamentos. Estes
fundamentos são essenciais à fé cristã, e nosso objetivo é que toda e qualquer
pessoa que não tenha a cosmovisão cristã entenda este plano e seja alcançada
pela misericórdia de Deus.
TEÍSMO
O
cristianismo é uma manifestação religiosa teísta. É importante ressaltar que
além do cristianismo, o judaísmo e islamismo também são considerados como
religiões teístas, entretanto divergem entre si de modo excludente nos aspectos
doutrinários.
Creio
que o modo como John Feinberg resumiu o teísmo é de grande valor para o
contexto deste artigo, dizendo que o teísmo:
“É literalmente, a fé na
existência de Deus. Embora o conceito pareça ser tão antigo quanto a filosofia,
o termo propriamente dito parece ser de origem relativamente recente. Alguns
sugerem que apareceu na Inglaterra no século XVII para substituir palavras como
‘deísmo’ e ‘deísta’ para referir-se a crença em Deus. ‘Teísmo’ costuma ser
usado como oposto do ‘ateísmo’, que é o termo que descreve a negação da
existência de Deus, e que distingue o teísta do ateu ou do agnóstico sem tentar
fazer qualquer conexão técnica filosófica ou teológica”. [4]
O teísmo
está organizado em diversos sistemas que, filosoficamente, abordam a existência
de Deus de modos variados. Destacam-se os sistemas teístas racionais,
existenciais, fenomenológicos, analíticos, empíricos, idealistas e pragmáticos.
Cada qual com representantes de grande envergadura.
De modo geral, os teístas possuem crenças comuns, as quais são
possíveis destacar: a existência de Deus além e dentro do mundo, a criação do
mundo a partir do nada (ex
nihilo), a possibilidade real de milagres, a criação da humanidade
à imagem de Deus, o padrão legislador moral de Deus e a eternidade de castigos
ou recompensas. [5]
Entendendo
de modo básico o que o teísmo contempla, é preciso buscar o entendimento da
Verdade cristã nos fundamentos básicos da fé, que por conseqüência norteiam a
cosmovisão cristã.
FUNDAMENTOS CRISTÃOS
O
cristianismo, como cosmovisão teísta que é, crê exclusivamente na existência de
um único Deus (Dt 6.4). Cremos que esse Deus é pessoal, ou seja, está disposto
e interessado num relacionamento próximo e íntimo com as pessoas (Rm 8.15).
Esse
Deus, cujos atributos são infinitos e impossíveis de serem compreendidos na
limitação humana, é entendido pelos cristãos como onipresente (Jr 23.23; Sl
139.7-13), onisciente (Sl 139.1-5; Pv 5.21), onipotente (Ap 19.6), imutável (Ml
3.6; Tg 1.17), amoroso (Jo 3.16), misericordioso (Lm 3.22), tal como as
Escrituras mostram. Tal Deus é triúno, onde as Escrituras O apresentam como
Pai, Filho e Espírito Santo (Mt 28.19). Deus não pode ser “posto numa
caixinha”, ao ponto de, como nossa limitação e capacidade finita, compreender
em plenitude sua natureza perfeita e infinita (Is 40.28).
Deus criou todas as coisas ex nihilo, ou seja, do
nada (Gn 1.1). Não precisou de matéria preexistente nem de auxílio algum para a
criação de tudo, quer seja galáxias distantes ou microorganismos que vivem
sobre nossa própria pele. Ao poder de Sua palavra, tudo veio a existir com um
propósito perfeito, ou seja, para os cristãos é inaceitável o conceito de que
somos frutos do acaso, resultado do acaso e destinados ao acaso. Uma roda viva
tola e sem sentido.
Como
obra-prima, a criação de Deus perfeita culminou na criação da humanidade, com
toque especial do Senhor para tal (Gn 1.27). Fruto da desobediência humana, a
transgressão levou o homem ao estado de pecador (Gn 3.1-12). O pecado causa
separação entre Deus e o homem (Is 59.2). Deus providenciou um meio de resgate
para que o homem tivesse acesso a Ele novamente; essa providência divina se deu
em Jesus Cristo (Rm 5.1-21).
Deus, no
estado atual das coisas, relaciona-se com sua criação de modo especial, estando
imanente e transcendente a ela (Mt 28.20). Enquanto vivemos aqui, não estamos
órfãos, mas o Espírito Santo atua como o Consolador prometido (Jo 14.16-18),
zelando dos que são de Deus e trazendo convencimento do pecado, justiça e
juízo.
Não
fomos lançados por Deus a uma existência qualquer sem propósitos, assim como
Deus não criou o mundo e o que nele há e deixou tudo andar sem seu
consentimento.
Redimidos
e justificados, os filhos de Deus tem acesso ao Pai. A experiência de vida
cristã temporal é apenas uma amostra daquilo que os insondáveis planos de Deus
tem para os que crêem nEle: a eternidade de relacionamento sem a separação que
o pecado causou, restaurando por completo o propósito bendito e perfeito de
Deus para todas as coisas (Ap 22.1-5).
APOSTA DE PASCAL
O que
para os cristãos é fundamento de fé e essência de cosmovisão, para muitos é
loucura (1Co 1.18-23). Cremos sim nas Escrituras como Palavra de Deus revelada
aos homens e nos propósitos de Deus nela contidos, apesar das críticas e das
inversões de valores que a sociedade pós-moderna tenta importar a fórceps.
Muitos
rejeitam a cosmovisão cristã, julgando segundo pressupostos diversos que ela
não é digna de crédito.
Para
tais, deixo uma simples reflexão a respeito da conclusão que uma mente
brilhante expôs. Blaise Pascal (1623-1662), filósofo, matemático e físico
francês, desenvolveu um simples argumento que muitos desconhecem, mas que é
muito útil. Trata-se da “Aposta de Pascal” ou “Argumento da Aposta”.
Tal
argumento encoraja aquele que não crê a refletir e orar no seguinte sentido: se
alguém aposta que Deus existe e dedica sua vida a Ele, mas hipoteticamente está
errado, não perdeu absolutamente nada, pois terá perdido apenas o desfrutar de
uma vida de prazer voltada para satisfação pessoal, não encontrando
absolutamente nada após a morte. Doutra forma, se sua aposta está correta,
desfrutará de uma eternidade de bem-aventuranças, pois descobrirá uma realidade
surpreendente após a morte.
Em
resumo, os ganhos e perdas potenciais de tal aposta são incrivelmente
desproporcionais.
PALAVRAS ÚLTIMAS
Ter a
cosmovisão cristã bem alinhada é algo que urge para esse tempo em que os
cristãos devem estar mais engajados pela causa de sua fé, que nada mais é que a
centralidade de Jesus Cristo para tudo.
Não
encontrei melhores palavras para concluir este ensaio que as de John Stott, um
exemplo de fé viva e mente brilhante. Leia e reflita:
“Por que sou cristão? Uma razão é
a cruz de Cristo. Na verdade, eu jamais poderia crer em Deus se não fosse pela
cruz. É a cruz que dá credibilidade a Deus. O único Deus em quem eu creio é
aquele que Nietzsche, filósofo alemão do século 19, ridicularizou, chamando-o
de ‘Deus sobre a cruz’. No mundo real da dor, como adorar um Deus que fosse
imune a ela? Em minhas viagens, entrei em vários templos budistas em diferentes
países da Ásia. Permaneci neles em atitude respeitosa diante de uma estátua de
Buda, que tinha as pernas cruzadas, os braços dourados, os olhos fechados, o
fantasma de um sorriso nos lábios, sereno e silencioso, com um olhar distante
na face, desligado das agonias do mundo. Em cada uma dessas vezes, depois de um
tempo eu tinha de dar as costas. E, em minha imaginação, voltava-me para aquela
figura solitária, retorcida, torturada sobre a cruz, com pregos lhe
atravessando as mãos e os pés, com as costas dilaceradas, distendidas, a testa
sangrando nos pontos perfurados por espinhos, a boca seca, sedenta ao extremo,
mergulhada na escuridão do esquecimento de Deus. O crucificado é Deus por mim!
Ele colocou de lado a sua imunidade para sentir a dor. Ele entrou em nosso
mundo de carne e sangue, lágrimas e morte. Ele sofreu por nós, morrendo em
nosso lugar, a fim de que pudéssemos ser perdoados”. [6]
Não se
engane, não faça uso de lentes erradas para interpretar a realidade e
principalmente pelas implicações que “óculos errados” podem causar.
Concordo
que existem pontos diversos para discutir, e que tal discussão ainda será
ampliada na medida nos textos futuros desta série sobre as cosmovisões. Mas
sempre faremos uso das lentes cristãs – que correspondem com a Verdade que é
Cristo – para tal análise.
Toda
honra e glória ao Senhor!
Notas:
[1] Isso não quer dizer
que o aconselhamento cristão é desnecessário, muito pelo contrário. O
aconselhamento é necessário desde que seja pautado na Bíblia Sagrada. O
aconselhamento deve ser feito por crentes maduros, preparados na Palavra e
chamados para tal. Fugindo deste parâmetro básico, o aconselhamento pode ser
transformar numa trágica fábrica de fofocas e destruição moral do aconselhado.
[2] EVANS, C. Stephen.
Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião. São Paulo: Editora Vida,
2004. p. 36-37.
[3] RAMOS, Robson.
Evangelização no mercado pós-moderno. Viçosa: Editora Ultimato, 2003. p.29-30.
[4] FEINBERG, John S.
Teísmo. In Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã, vol.III. São
Paulo: Edições Vida Nova, 1990. p. 435
[5] Para aprofundamento,
sugiro a leitura de GEISLER, Norman. Enciclopédia de apologética. São Paulo:
Vida, 2002. P.813-814, verbete “Teísmo”.
[6] STOTT, John. Por que
sou cristão? Viçosa: Editora Ultimato, 2004. p.67-68.
FONTE NAPEC.ORG
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