terça-feira, 31 de março de 2015

UMA SOCIEDADE CADA VEZ MAIS DESCRENTE

           
                Uma sociedade cada vez mais descrente

Um fenômeno que vem sendo detectado no Ocidente há bastante tempo é o crescimento do ceticismo religioso, da indiferença por preocupações de natureza transcendente. Por diferentes razões apontadas pelos sociólogos e antropólogos, o chamado “homem moderno” é bem menos religioso que os seus antepassados. Claro, esse não é um fato generalizado. Existem grupos, especialmente étnicos, em que a religião continua atraindo a atenção da grande maioria dos indivíduos. No entanto, a secularização da sociedade como um todo é um fato inquestionável e tende a crescer no futuro previsível, inclusive em países como o Brasil. Essa constatação representa um grande desafio e uma valiosa oportunidade para os cristãos.

Exemplos norte-americanos
A questão de fé e incredulidade varia muito de um lugar para outro, de uma época para outra. É interessante considerar o que ocorreu na Nova Inglaterra puritana do final do século 17. Quando os puritanos (calvinistas ingleses) chegaram à América do Norte, a partir de 1620, eles eram extremamente fervorosos em suas convicções religiosas. A leitura da Bíblia, as devoções domésticas e a freqüência aos cultos eram características marcantes desse grupo. Em certo sentido, o puritanismo foi um avivamento contínuo, em que as atividades religiosas ocupavam um lugar extremamente importante na vida da maior parte das pessoas. Todavia, algumas gerações mais tarde, depois que os puritanos prosperaram grandemente na nova terra, sua religiosidade experimentou um acentuado declínio, lamentado pelos pregadores da época.

O final do século 18 também foi um período de declínio religioso nos Estados Unidos. Décadas antes havia ocorrido uma série de avivamentos conhecida como o Primeiro Grande Despertamento. Findo esse período, as pessoas passaram a ter maior interesse por questões políticas e econômicas do que por assuntos religiosos. Foi a época da Revolução Americana, seguida pela independência dos Estados Unidos. É um fato conhecido que entre os pais da nova nação estavam homens bem pouco religiosos, pelo menos no sentido tradicional, como Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, influenciados pelo deísmo iluminista. Verifica-se que há uma relação entre o nível socioeconômico e intelectual das pessoas e a sua religiosidade ou irreligiosidade. Todavia, essa regra tem exceções. Enquanto a Europa atual experimenta um fortíssimo processo de secularização e aumento do ateísmo, isso não ocorre com tanta intensidade nos Estados Unidos.

A situação brasileira
Como fica nessa questão o Brasil, um país tradicionalmente muito religioso? A religiosidade brasileira tem sofrido profundas transformações desde as últimas décadas do século 20, com o declínio numérico dos católicos, o pequeno crescimento dos espíritas e protestantes históricos e a acelerada expansão das igrejas pentecostais e neopentecostais. Outro dado revelador é o contínuo crescimento percentual daqueles que não se identificam com nenhuma confissão religiosa. Segundo o último Censo Geral do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado no ano 2000, 12,5 milhões de habitantes se declararam “sem religião” (de um total de 170 milhões). A título de comparação, o número estimado de pentecostais no mesmo ano era de 17,6 milhões. De lá para cá é provável que esse número tenha aumentado.

É claro que, em matéria religiosa, os levantamentos são sempre relativos e devem ser encarados com cautela. Muitas pessoas podem declarar aos recenseadores que não possuem nenhuma religião no sentido de não estarem formalmente filiadas a nenhuma confissão religiosa, o que não significa que não tenham a sua própria religiosidade privada, individual e informal. É provável que muitas delas freqüentem ocasionalmente cultos neopentecostais, sessões espíritas ou terreiros de umbanda, movidas pela curiosidade, desejo de contatos sociais ou por algum interesse supersticioso. Todavia, em certas camadas da sociedade certamente o sentimento religioso e a filiação religiosa estão em declínio.

Ao se falar a respeito de irreligião, é importante fazer algumas distinções. Em primeiro lugar, existem os incrédulos no sentido absoluto, aqueles que não possuem nenhuma convicção religiosa, nenhum senso de um ser transcendente, tais como ateus, materialistas e agnósticos de diferentes tipos. Há também os descrentes no que diz respeito ao cristianismo, ou seja, adeptos de outras religiões ou das novas religiosidades ou espiritualidades dos tempos pós-modernos. Finalmente, existem os descrentes práticos, aqueles que crêem teoricamente, mas vivem com se não cressem, isto é, são crentes meramente nominais. Os seus filhos tendem a se afastar por completo da fé.

Causas da incredulidade
Nem sempre é fácil identificar as causas do ceticismo ou do desinteresse religioso, mas algumas possibilidades são as seguintes: (a) prosperidade socioeconômica: a posse de bens e privilégios materiais dá às pessoas uma sensação de poder, segurança e auto-suficiência; (b) a influência da mídia: programas de televisão, livros e revistas populares defendem abertamente um ideário secular, materialista e, por vezes, anticristão; (c) a educação secundária e a superior transmitem uma visão de mundo em que não há nenhum lugar para a transcendência, para a espiritualidade; os departamentos de muitas universidades são controlados por materialistas de diversos tipos; (d) a popularização das teorias científicas naturalistas sobre as origens do ser humano, da vida e do universo; (e) dificuldades e perplexidades existenciais: muitas pessoas têm dificuldade de conciliar tragédias e sofrimentos com a existência de Deus. 

Um fator adicional muito importante é o freqüente mau exemplo ou incoerência das religiões e dos religiosos. As guerras religiosas e a intolerância da época da Reforma Protestante (séculos 16 e 17) contribuíram para o surgimento do Iluminismo, com sua rejeição do cristianismo histórico. Nos dias atuais, vê-se o ressurgimento do fanatismo, extremismo e fundamentalismo religioso, que têm resultado em algumas das mais horrendas manifestações de violência do mundo contemporâneo. Esses fatos produzem antipatia para com a religião em muitas mentes. Por outro lado, multiplicam-se no Brasil os casos de curandeirismo, charlatanismo e exploração emocional e financeira das pessoas por diferentes grupos religiosos. Além disso, tornaram-se corriqueiras as irregularidades éticas de muitas igrejas e líderes religiosos, fazendo com que muitos associem a religião com toda espécie de coisas condenáveis.

Conclusão
Essas realidades representam um sério desafio para as igrejas evangélicas. Se elas quiserem restaurar a credibilidade da fé cristã diante do mundo incrédulo, devem, em primeiro lugar, praticar um evangelismo íntegro e bíblico. Isso implica anunciar não só as promessas, mas as exigências do evangelho; mostrar não só um interesse pelas almas, mas pelo ser humano integral; buscar não só a transformação de indivíduos, mas da sociedade como um todo. Outra necessidade imperiosa é a ênfase na boa apologética, ou seja, o esforço de proporcionar às pessoas argumentos sólidos sobre a veracidade e relevância do cristianismo, de uma visão cristã da vida. Finalmente, é preciso haver coerência entre fé e conduta, lembrando que os exemplos valem mais que muitas palavras. A realidade de uma sociedade cada vez mais incrédula -- e ao mesmo tempo mais angustiada e perplexa diante de tantos problemas e indagações -- exige um renovado empenho dos seguidores de Cristo em testemunhar da sua fé, das boas novas de vida e esperança presentes no evangelho.



Oportunidades de reevangelização em uma sociedade cada vez mais pluralista

Em Romanos 12.1-2, Paulo associa “século” e “mente”. Ainda não se filosofava sobre ideologia. Muito menos sobre a formação social da consciência. Consciência de classe, nem pensar! Mas Paulo já nos alertava sobre o poder conformador do meio em que vivemos sobre nossa mente. Como que a dizer que nosso modo de sentir, pensar e agir tende a acompanhar a sociedade em que vivemos -- nosso “século”. A tal ponto que, se quisermos ser “normais”, teremos de nos deixar secularizar.

A exortação, então, é que não permitamos que essa fôrma secular conforme nossas mentes, mas que cuidemos de ultrapassar a fôrma deste século e que nos conformemos à mente de Cristo. Que missão!

Ao buscarmos as oportunidades de reevangelização que uma sociedade cada vez mais pluralista nos oferece, precisamos responder à pergunta: que século? Porque se soubermos de que sociedade estamos falando, saberemos também a que “mentes” destinaremos nossa mensagem (re)evangelizadora.

A mente secularizada de nosso “século” sonha com um lar. Ela é cidadã do mundo (portanto, não tem pátria; sendo de todos, não pertence a ninguém); vive numa “sociedade-supermercado”, sob o império das diferenças; conformou-se ao hábito de escolher nas prateleiras da vida; é consumidora e consumista; é relativizada e gosta de poder optar; é horizontalizada (o valor do que é ofertado nas prateleiras depende de quem escolhe); é volúvel (não resiste a uma oferta, a uma novidade, a uma promoção); é superficial como uma borboleta (sempre de passagem para a próxima flor); é hedonista (seus critérios de escolha são o prazer: pessoal, íntimo e intransferível); é iconoclasta (porque é horizontalizada) e tem como valor maior e bússola existencial sua auto-estima.

Essa mente sem lar é livre, leve, solta -- e órfã. Não deve satisfação a ninguém; não precisa agüentar ninguém; não aceita intromissões, não deseja relações profundas nem duradouras. Mora sozinha, por opção. Seus votos de casamento valem menos que uma placa de 20 km/h na estrada.

Mas essa mente sonha com um lar. Sim, ela foi criada para viver em comunidade, ancorada emocionalmente por referenciais, protegida por gente que gosta dela; carregada no colo. A reevangelização dessa mente precisa incluir a oferta concreta do amor de Deus. Um amor que receba, acolha, perdoe, restaure, coloque um anel no dedo e uma sandália nos pés. 

Essa mente não sabe ser convencida. Não quer decidir logicamente. Não resistirá acordada à nossa apologética. Mas poderá ser seduzida por uma manifestação afetiva, sacrificial, não-combativa, não punitiva da igreja. A doutrina certamente terá o seu lugar na renovação das mentes, para que seja possível experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.

Para reevangelizar nosso século é necessário que nos renovemos, pela transformação de nossas mentes, e desenvolvamos uma especial capacidade de encarnação, num século de almas tão altivas quanto desesperadas; que de dia desprezam o Senhor, mas à noite anelam por ele.




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