Uma sociedade cada vez mais descrente
Um fenômeno que vem sendo detectado no Ocidente há bastante tempo é o
crescimento do ceticismo religioso, da indiferença por preocupações de natureza
transcendente. Por diferentes razões apontadas pelos sociólogos e antropólogos,
o chamado “homem moderno” é bem menos religioso que os seus antepassados.
Claro, esse não é um fato generalizado. Existem grupos, especialmente étnicos,
em que a religião continua atraindo a atenção da grande maioria dos indivíduos.
No entanto, a secularização da sociedade como um todo é um fato inquestionável
e tende a crescer no futuro previsível, inclusive em países como o Brasil. Essa
constatação representa um grande desafio e uma valiosa oportunidade para os
cristãos.
Exemplos
norte-americanos
A questão de fé e incredulidade varia muito de um lugar para outro, de uma
época para outra. É interessante considerar o que ocorreu na Nova Inglaterra
puritana do final do século 17. Quando os puritanos (calvinistas ingleses)
chegaram à América do Norte, a partir de 1620, eles eram extremamente
fervorosos em suas convicções religiosas. A leitura da Bíblia, as devoções
domésticas e a freqüência aos cultos eram características marcantes desse
grupo. Em certo sentido, o puritanismo foi um avivamento contínuo, em que as
atividades religiosas ocupavam um lugar extremamente importante na vida da
maior parte das pessoas. Todavia, algumas gerações mais tarde, depois que os
puritanos prosperaram grandemente na nova terra, sua religiosidade experimentou
um acentuado declínio, lamentado pelos pregadores da época.
O final do século 18 também foi um período de declínio religioso nos Estados
Unidos. Décadas antes havia ocorrido uma série de avivamentos conhecida como o
Primeiro Grande Despertamento. Findo esse período, as pessoas passaram a ter
maior interesse por questões políticas e econômicas do que por assuntos
religiosos. Foi a época da Revolução Americana, seguida pela independência dos
Estados Unidos. É um fato conhecido que entre os pais da nova nação estavam
homens bem pouco religiosos, pelo menos no sentido tradicional, como Thomas
Jefferson e Benjamin Franklin, influenciados pelo deísmo iluminista. Verifica-se
que há uma relação entre o nível socioeconômico e intelectual das pessoas e a
sua religiosidade ou irreligiosidade. Todavia, essa regra tem exceções.
Enquanto a Europa atual experimenta um fortíssimo processo de secularização e
aumento do ateísmo, isso não ocorre com tanta intensidade nos Estados Unidos.
A situação
brasileira
Como fica nessa questão o Brasil, um país tradicionalmente muito religioso? A
religiosidade brasileira tem sofrido profundas transformações desde as últimas
décadas do século 20, com o declínio numérico dos católicos, o pequeno
crescimento dos espíritas e protestantes históricos e a acelerada expansão das
igrejas pentecostais e neopentecostais. Outro dado revelador é o contínuo
crescimento percentual daqueles que não se identificam com nenhuma confissão
religiosa. Segundo o último Censo Geral do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), realizado no ano 2000, 12,5 milhões de habitantes se
declararam “sem religião” (de um total de 170 milhões). A título de comparação,
o número estimado de pentecostais no mesmo ano era de 17,6 milhões. De lá para
cá é provável que esse número tenha aumentado.
É claro que, em matéria religiosa, os levantamentos são sempre relativos e
devem ser encarados com cautela. Muitas pessoas podem declarar aos
recenseadores que não possuem nenhuma religião no sentido de não estarem
formalmente filiadas a nenhuma confissão religiosa, o que não significa que não
tenham a sua própria religiosidade privada, individual e informal. É provável
que muitas delas freqüentem ocasionalmente cultos neopentecostais, sessões
espíritas ou terreiros de umbanda, movidas pela curiosidade, desejo de contatos
sociais ou por algum interesse supersticioso. Todavia, em certas camadas da
sociedade certamente o sentimento religioso e a filiação religiosa estão em
declínio.
Ao se falar a respeito de irreligião, é importante fazer algumas distinções. Em
primeiro lugar, existem os incrédulos no sentido absoluto, aqueles que não
possuem nenhuma convicção religiosa, nenhum senso de um ser transcendente, tais
como ateus, materialistas e agnósticos de diferentes tipos. Há também os
descrentes no que diz respeito ao cristianismo, ou seja, adeptos de outras
religiões ou das novas religiosidades ou espiritualidades dos tempos pós-modernos.
Finalmente, existem os descrentes práticos, aqueles que crêem teoricamente, mas
vivem com se não cressem, isto é, são crentes meramente nominais. Os seus
filhos tendem a se afastar por completo da fé.
Causas da
incredulidade
Nem sempre é fácil identificar as causas do ceticismo ou do desinteresse
religioso, mas algumas possibilidades são as seguintes: (a) prosperidade
socioeconômica: a posse de bens e privilégios materiais dá às pessoas uma
sensação de poder, segurança e auto-suficiência; (b) a influência da mídia:
programas de televisão, livros e revistas populares defendem abertamente um
ideário secular, materialista e, por vezes, anticristão; (c) a educação
secundária e a superior transmitem uma visão de mundo em que não há nenhum
lugar para a transcendência, para a espiritualidade; os departamentos de muitas
universidades são controlados por materialistas de diversos tipos; (d) a
popularização das teorias científicas naturalistas sobre as origens do ser
humano, da vida e do universo; (e) dificuldades e perplexidades existenciais:
muitas pessoas têm dificuldade de conciliar tragédias e sofrimentos com a
existência de Deus.
Um fator adicional muito importante é o freqüente mau exemplo ou incoerência
das religiões e dos religiosos. As guerras religiosas e a intolerância da época
da Reforma Protestante (séculos 16 e 17) contribuíram para o surgimento do
Iluminismo, com sua rejeição do cristianismo histórico. Nos dias atuais, vê-se
o ressurgimento do fanatismo, extremismo e fundamentalismo religioso, que têm
resultado em algumas das mais horrendas manifestações de violência do mundo
contemporâneo. Esses fatos produzem antipatia para com a religião em muitas
mentes. Por outro lado, multiplicam-se no Brasil os casos de curandeirismo,
charlatanismo e exploração emocional e financeira das pessoas por diferentes
grupos religiosos. Além disso, tornaram-se corriqueiras as irregularidades
éticas de muitas igrejas e líderes religiosos, fazendo com que muitos associem
a religião com toda espécie de coisas condenáveis.
Conclusão
Essas realidades representam um sério desafio para as igrejas evangélicas. Se
elas quiserem restaurar a credibilidade da fé cristã diante do mundo incrédulo,
devem, em primeiro lugar, praticar um evangelismo íntegro e bíblico. Isso implica
anunciar não só as promessas, mas as exigências do evangelho; mostrar não só um
interesse pelas almas, mas pelo ser humano integral; buscar não só a
transformação de indivíduos, mas da sociedade como um todo. Outra necessidade
imperiosa é a ênfase na boa apologética, ou seja, o esforço de proporcionar às
pessoas argumentos sólidos sobre a veracidade e relevância do cristianismo, de
uma visão cristã da vida. Finalmente, é preciso haver coerência entre fé e
conduta, lembrando que os exemplos valem mais que muitas palavras. A realidade
de uma sociedade cada vez mais incrédula -- e ao mesmo tempo mais angustiada e
perplexa diante de tantos problemas e indagações -- exige um renovado empenho
dos seguidores de Cristo em testemunhar da sua fé, das boas novas de vida e
esperança presentes no evangelho.
Oportunidades de reevangelização em uma sociedade
cada vez mais pluralista
Em Romanos 12.1-2, Paulo associa “século” e “mente”. Ainda não se filosofava
sobre ideologia. Muito menos sobre a formação social da consciência.
Consciência de classe, nem pensar! Mas Paulo já nos alertava sobre o poder
conformador do meio em que vivemos sobre nossa mente. Como que a dizer que
nosso modo de sentir, pensar e agir tende a acompanhar a sociedade em que vivemos
-- nosso “século”. A tal ponto que, se quisermos ser “normais”, teremos de nos
deixar secularizar.
A exortação, então, é que não permitamos que essa fôrma secular conforme nossas
mentes, mas que cuidemos de ultrapassar a fôrma deste século e que nos conformemos
à mente de Cristo. Que missão!
Ao buscarmos as oportunidades de reevangelização que uma sociedade cada vez
mais pluralista nos oferece, precisamos responder à pergunta: que século?
Porque se soubermos de que sociedade estamos falando, saberemos também a que
“mentes” destinaremos nossa mensagem (re)evangelizadora.
A mente secularizada de nosso “século” sonha com um lar. Ela é cidadã do mundo
(portanto, não tem pátria; sendo de todos, não pertence a ninguém); vive numa
“sociedade-supermercado”, sob o império das diferenças; conformou-se ao hábito
de escolher nas prateleiras da vida; é consumidora e consumista; é relativizada
e gosta de poder optar; é horizontalizada (o valor do que é ofertado nas
prateleiras depende de quem escolhe); é volúvel (não resiste a uma oferta, a
uma novidade, a uma promoção); é superficial como uma borboleta (sempre de
passagem para a próxima flor); é hedonista (seus critérios de escolha são o
prazer: pessoal, íntimo e intransferível); é iconoclasta (porque é
horizontalizada) e tem como valor maior e bússola existencial sua auto-estima.
Essa mente sem lar é livre, leve, solta -- e órfã. Não deve satisfação a
ninguém; não precisa agüentar ninguém; não aceita intromissões, não deseja
relações profundas nem duradouras. Mora sozinha, por opção. Seus votos de
casamento valem menos que uma placa de 20 km/h na estrada.
Mas essa mente sonha com um lar. Sim, ela foi criada para viver em comunidade,
ancorada emocionalmente por referenciais, protegida por gente que gosta dela;
carregada no colo. A reevangelização dessa mente precisa incluir a oferta
concreta do amor de Deus. Um amor que receba, acolha, perdoe, restaure, coloque
um anel no dedo e uma sandália nos pés.
Essa mente não sabe ser convencida. Não quer decidir logicamente. Não resistirá
acordada à nossa apologética. Mas poderá ser seduzida por uma manifestação
afetiva, sacrificial, não-combativa, não punitiva da igreja. A doutrina
certamente terá o seu lugar na renovação das mentes, para que seja possível
experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Para reevangelizar nosso século é necessário que nos renovemos, pela
transformação de nossas mentes, e desenvolvamos uma especial capacidade de
encarnação, num século de almas tão altivas quanto desesperadas; que de dia
desprezam o Senhor, mas à noite anelam por ele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário