MONOTEÍSMO PRIMITIVO - UM DEBATE SOBRE
SUA ORIGEM
A Bíblia ensina que o monoteísmo1 foi a concepção mais remota de Deus. O
primeiro versículo do livro de Gênesis é monoteísta: “No princípio criou Deus
os céus e a terra” (Gn 1.1). Todos o patriarcas, Abraão, Isaque e Jacó,
apresentaram uma fé monoteísta. (Gn 12-50). Isto revela um Deus que criou o
mundo e que, portanto, é diferente do mundo. Esses são os conceitos essenciais
do teísmo ou monoteísmo.
Igualmente, bem antes de Moisés, José acreditou declaradamente em um monoteísmo
moral. Sua recusa em cometer adultério é justificada pelo seu conhecimento de
que seria um pecado contra Deus. Enquanto estava resistindo à tentação da
esposa de Potifar, ele declarou: “Como, pois, posso cometer este tão grande
mal, e pecar contra Deus?” (Gn 39.9).
Jó, outro livro bíblico contextualizado em um período remoto da antiguidade,
revela claramente uma visão monoteísta de Deus. Existem grandes evidências de
que o livro de Jó desenvolveu-se em tempos patriarcais pré-mosaicos. O livro
vislumbra um Deus todo-poderoso (Jó 5.17; 6.14; 8.3), um Deus pessoal (Jó
1.7-8) que criou o mundo (Jó 38.4) e é soberano sobre sua criação (Jó 42.1-2).
Encontramos na epístola de Paulo aos Romanos, no seu primeiro capítulo, a
afirmação de que o monoteísmo precedeu o animismo2 e o politeísmo3. O texto
declara: “Porquanto o que de Deus se pode conhecer, neles se manifesta, porque
Deus lhes manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do
mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e
claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem
inescusáveis; porquanto tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus,
nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração
insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos, e mudaram a
glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de
aves, e de quadrúpedes, e de répteis. Por isso também Deus os entregou às
concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos
entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais
a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém” (Rm 1.19-25).
A tese de James Frazer sobre o monoteísmo recente
A tese de um monoteísmo recente foi divulgada por W. Schmidt na sua obra High
Gods in North América4. Mas é a obra de James Frazer, The Golden Bough5, que
tem alcançado proeminência sobre o assunto. Sua tese não se baseia em uma
confiável procura histórica e cronológica para as origens do monoteísmo, antes,
advoga que as religiões evoluíram do animismo para o politeísmo, e deste para o
henoteísmo6 e, finalmente, chegando ao monoteísmo. Apesar de seu uso seletivo e
anedótico de fontes antiquadas, as idéias do livro ainda são acreditadas
amplamente. A resistência à tese de Frazer de que a concepção monoteísta de
Deus evoluiu recentemente não tem fundamento por muitas razões:
Argumentos para a crença do monoteísmo primitivo
Há muitos argumentos a favor do monoteísmo primitivo. E muitos desses
argumentos vêm dos registros e tradições que temos das civilizações antigas,
que incluem os livros de Gênesis e Jó e o estudo das tribos pré-alfabetizadas.
A historicidade de Gênesis
Não há nenhuma dúvida de que Gênesis apresenta uma concepção monoteísta de
Deus. De igual modo, é claro, esse livro é o instrumento mais confiável que
dispomos de um registro histórico da raça humana, desde os primeiros seres
humanos. Conseqüentemente, os argumentos que atestem a historicidade dos
primeiros capítulos de Gênesis favorecerão o monoteísmo primitivo.
O notável arqueólogo William F. Albright demonstrou que o registro patriarcal
de Gênesis (Gn 12-50) é histórico. Ele declara: “graças à pesquisa moderna,
reconhecemos agora sua significativa historicidade [da Bíblia]. As narrativas
dos patriarcas, Moisés e o êxodo, a conquista de Canaã, os juízes, a monarquia,
o exílio e a restauração de Israel, tudo tem sido confirmado e evidenciado em
uma extensão que eu julgava impossível há quarenta anos”.7 E acrescenta: “não
há um único historiador bíblico que não tenha se impressionado pela acumulação
rápida de dados que apóiam a historicidade significativa da tradição
patriarcal”.8
Entretanto, o livro de Gênesis é uma unidade literária e genealógica, tendo
constituído listas de descendentes familiares (Gn 5,10) acompanhadas da
relevante frase literária “esta é a história de” ou “estas são as origens dos” (Gn
2.4). A frase é usada largamente em outros trechos do livro de Gênesis (2.4;
5.1; 6.9; 10.1; 11.10,27; 25.12,19; 36.1,9; 37.2).
Além disso, a importante narrativa sobre a torre de Babel, capítulo 11, é
referida por Jesus e pelos escritores do Novo Testamento como histórica. Também
são citados por Cristo e pelos escritores do Novo Testamento: Adão e Eva (Mt
19.4,5), a tentação que sofreram (1Tm 2.14), sua posterior queda (Rm 5.12), o
sacrifício de Caim e Abel (Hb 11.4), o assassinato de Abel por Caim (1Jo 3.12),
o nascimento de Sete (Lc 3.38), a trasladação de Enoque (Hb 11.5), a menção do
matrimônio antes dos tempos do dilúvio (Lc 17.27), a inundação e destruição do
homem (Mt 24.39), a preservação de Noé e sua família (2Pe 2.5), a genealogia de
Sem (Lc 3.35,36) e o nascimento de Abraão (Lc 3.34). Assim, a pessoa que
questionar a historicidade de Gênesis, conseqüentemente terá de questionar
também a autoridade das palavras de Cristo e de muitos outros escritores
bíblicos que recorreram ao livro de Gênesis.
Em particular, existem fortes evidências para a historicidade dos registros
bíblicos sobre Adão e Eva. Esses registros revelam que os pais da raça humana
foram monoteístas desde o princípio (veja Gn 1.1,27; 2.16,17; 4.26; 5.1,2).
1) Gênesis 1-2 os apresenta como pessoas literais e narra os eventos
importantes de suas vidas (entenda-se: de suas histórias, registros).
2) Eles geraram crianças reais, e não fictícias (Gn 4.1,25; 5.1).
3) A mesma frase, “estas são as gerações de”, empregada para registrar histórias
posteriores (Gn 6.9; 9.12; 10.1,32; 11.10,27; 17.7,9), é usada também no relato
da criação (Gn 2.4) e na formação de Adão e Eva e seus descendentes (Gn 5.1).
4) As cronologias posteriores do Velho Testamento posicionam Adão no topo da
lista genealógica (1Cr 1.1).
5) O Novo Testamento cita Adão como o primeiro antepassado literal de Jesus (Lc
3.38).
6) Jesus recorreu à historicidade de Adão e Eva, o primeiro casal “macho e
fêmea”, constituindo, como base para a união física, o primeiro matrimônio (Mt
19.4).
7) O livro de Romanos declara que a morte literal foi trazida ao mundo por um
“Adão” literal (Rm 5.14).
8) A comparação de Adão (“o primeiro Adão”) com Cristo (“o último Adão”), em 1
Coríntios 15.45, atrela a historicidade de Adão com a de Jesus, e autentica
explicitamente a compreensão histórica de Adão como uma pessoa literal.
9) A declaração do apóstolo Paulo, de que “primeiro foi formado Adão, depois
Eva” (1Tm 2.13,14), revela que ele fala de uma pessoa real.
10) Logicamente, houve entre eles o primeiro relacionamento conjugal, “macho e
fêmea”, do contrário, a raça humana não teria continuidade. A Bíblia chama este
casal de “Adão e Eva”, e não há quaisquer razões para duvidar da existência
real deles. E aqueles que argumentam a favor de sua historicidade
conseqüentemente apóiam a posição bíblica de um monoteísmo primitivo.
A evidência do livro de Jó
Semelhante a Gênesis, Jó é possivelmente um dos livros mais antigos do Velho
Testamento. Ao menos há um consenso entre os estudiosos de que sua história
originou-se em tempos patriarcais, sendo, portanto, pré-mosaica. De igual modo,
o livro de Jó também confirma o monoteísmo e a pessoalidade de Deus. Revela um
Deus pessoal (1.6,21), moral (1.1; 8.3,4), soberano (42.1,2), Todo-Poderoso
(5.17; 6.14; 8.3; 13.3 etc) e Criador (4.17; 9.8,9; 26.7; 38.6,7). O
posicionamento da história de Jó como primitiva possui vários fundamentos.
1) Sua organização familiar em clãs, adotada no período pré-mosaico e abolida
posteriormente entre os hebreus.
2) A ausência total de qualquer referência à lei de Moisés.
3) O emprego patriarcal peculiar para o nome de Deus: Todo-Poderoso (5.17; 6.4;
8.3 cf. Gn 17.1; 28.3 etc).
4) A comparativa raridade com que é empregado o nome SENHOR (Yahweh) (cf. Êx
6.3).
5) O oferecimento de sacrifícios pelo chefe da família em oposição ao
sacerdócio levítico.
6) A menção da cunhagem primitiva de moedas, implícita na expressão “peças de
dinheiro” (42.11 cf. Gn 33.19).
7) O uso da expressão “os filhos de Deus” (1.6; 2.1; 38.7), encontrada apenas
em Gênesis 6.2-4.
8) A longevidade de Jó, que viveu 140 anos depois que sua família foi
restabelecida (42.16), ajusta-se ao período patriarcal.
Jó fala de um Deus que criou o mundo (Jó 38.4), que é soberano sobre todas as
coisas (42.2), inclusive sobre Satanás (1.1,6,21 etc). Todas essas coisas são
características de uma concepção monoteísta de Deus. Assim, os tempos
primitivos de Jó revelam que o monoteísmo não teve um desenvolvimento recente.
As religiões primitivas são monoteístas
Ao contrário da convicção popular, as religiões primitivas da África revelam
por unanimidade um explícito monoteísmo. Uma das maiores autoridades em
religiões africanas, John S. Mbiti que, em sua carreira, já pesquisou mais de
300 religiões tradicionais, declarou: “Em todas estas sociedades, sem uma única
exceção, as pessoas têm uma noção de Deus como o Ser Supremo”.9 Isto é uma
verdade compartilhada por outras religiões primitivas, muitas das quais crêem
em um Deus Altíssimo ou em um Deus celestial, assinando mais uma vez o
monoteísmo primitivo.
A influência de evolução
A idéia de que o monoteísmo evoluiu recentemente ganhou popularidade após a
teoria da evolução biológica de Charles Darwin, em sua obra A origem das
espécies, de 1859. Em outra de suas obras, Darwin escreveu: “Não há nenhuma
evidência de que o homem tenha originalmente adotado a crença na existência de
um Deus onipotente”. Pelo contrário, Darwin acreditava que “as faculdades
mentais humanas [...] conduziram o homem à crença em entidades espirituais e,
desta, para o fetichismo10, o politeísmo e, por fim, o monoteísmo...”.11
A tese evolutiva de Frazer sobre a religião está baseada em várias suposições
sem provas.
Primeiro: seu apoio na evolução biológica mostra, na realidade, sua ausência de
fundamentos sérios. A teoria da evolução já foi satisfatoriamente contestada
por autoridades cientificas.12
Segundo: ainda que considerássemos a evolução biológica como uma verdade
científica, não há nenhuma razão para acreditar que tal evolução tenha sido
considerada no âmbito religioso. É um engano de categoria metodológica
classificar que o que é verdade em uma disciplina seja também verdade em outra.
O darwinismo social é outro caso em questão. Poucos darwinistas concordariam
com Hitler em sua obra Mein Kampf , que diz que deveríamos destruir as raças
inferiores, já que a evolução tem feito isto durante séculos! Ele escreveu: “Se
a natureza não deseja que os indivíduos mais fracos devam se unir (misturar)
com o mais forte, ela deseja menos ainda que uma raça superior venha se
misturar com uma inferior; até mesmo porque, em tal caso, todos os seus
esforços, ao longo de centenas de milhares de anos, para estabelecer uma fase
evolutiva mais alta, pode ser resultado em futilidade”.13
Assim, se muitos darwinistas concordam que a evolução não deve ser aplicada ao
desenvolvimento social humano, então não há nenhuma razão para aplicá-la à
religião. Dessa forma, nem a suposta prova científica de Darwin serve como base
para a evolução do monoteísmo recente.
A melhor explicação
As origens do politeísmo podem ser explicadas como uma degeneração do
monoteísmo original, como vimos na declaração anterior de Romanos 1.19. Quer
dizer, o paganismo originou-se do monoteísmo primitivo, e não o contrário. Isso
é evidenciado no fato de que a maioria das religiões pré-alfabetizadas possuía
uma visão monoteísta de Deus. William F. Albright reconhece, igualmente, que os
respectivos deuses dessas religiões “eram considerados todo-poderosos e cridos
como criadores do mundo; eram, geralmente, deidades cósmicas e seus adeptos,
freqüentemente, acreditavam que tais deuses residiam no céu”.14
Essa concepção é claramente contra as concepções politeístas e animistas de
deidade.
Não há nenhuma razão concreta para negar o monoteísmo primitivo apresentado
pela Bíblia. Pelo contrário, há toda evidência para acreditar que o monoteísmo
foi a primeira concepção religiosa que algumas religiões deturparam. De fato,
essa é a posição que melhor se ajusta à forte evidência de que o monoteísmo revelado
na Bíblia foi distorcido pelas tendências humanas.15
Em resumo, a concepção correta de Deus, o monoteísmo primitivo, foi resgatada,
e não evoluída durante séculos. Deus fez o Homem conforme a sua imagem, mas os
homens corromperam esta verdade (Rm 1.23).
Notas:
1 Monoteísmo: crença na existência de um único Deus.
2 Animismo: idéia de que todas as coisas no universo são investidas de uma
força de vida, alma ou mente. Um animismo filosófico, por exemplo, considera
que uma pedra ou uma árvore não é meramente um aglomerado de átomos e
moléculas, mas, pelo contrário, possui um a “conscientização” das forças ou dos
outros corpos que estão ao redor.
3 Politeísmo: crença na existência de vários deuses.
4 High Gods in North of América. W. Schmidt. Oxford: Claredon Press, 1933.
5 The Golden Bough. James G. Frazer. London: Mcmillan, 1890.
6 Henoteísmo ou Enoteísmo: deriva seu nome dos termos gregos henos, um, e
theos, deus. A idéia é que só existe um único Deus. Mas, no uso comum que se
faz da palavra, a idéia transmitida é que existe uma divindade suprema, que tem
contato com um certo mundo ou um certo grupo de seres, ao mesmo tempo em que
podem existir outros deuses com outros campos de atividade. Pelo menos em
algumas culturas, como na dos hebreus, o henoteísmo pode ser um passo
intermediário entre o politeísmo e o monoteísmo.
7
From Stone Age to Christianity. Willian F. Albright. Garden City, NY:
Doubleday, 1957, p. 1329.
8 The Biblical Period. Willian F. Albright. New York: Harper, 1955.
9 African Religions and Philosophy. John S. Mbiti. New York: Praeger Publishers, 1969.
10 Fetichismo: crença mantida particularmente nas religiões da África ocidental
de que os espíritos são capazes de possuir objetos. Existe também a crença de
que certos objetos ou “talismãs” podem afastar os espíritos maus.
11
The Descent of Man and selection in relation to Sex. Charles Darwin. New York:
Appleton and Company, 1896, p. 302,303.
12 Evolution: a Theory in Crisis. Bethesda, MD: Adler and Adler, 1985.
13 Mein Kampft. Adolph Hitler. London: Grust and Blackett Ltds, Publishers,
1939, p. 239-242.
14 From Stone Age to Christianity. Willian F. Albright. Garden City, NY:
Doubleday, 1957, p. 170.
15 The Kalam Cosmological Argument. Willian Lane Craig. London: The McMillan
Press, 1979.
FONTE ICP
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