Indubitavelmente, este é um assunto já resolvido no meio protestante
tradicional devido à abundância de textos nas Escrituras neotestamentária que o
elucidam. Poderíamos até considerá-lo obsoleto se não fosse pelo
mariocentrismo, doutrina da Igreja Católica Romana que teima em admitir que
Maria permaneceu virgem após o parto (virginitas post partum), o que torna
parte dessa teologia um verdadeiro desvario e um grande óbice ao verdadeiro
cristianismo ortodoxo.
Durante séculos, a mariologia tem sofrido evoluções cada vez mais ousadas, e o
tempo é testemunha disso:
• Em 400 d.C, Maria foi proclamada “Mãe de Deus”;
• Em 1854, a “Imaculada Conceição de Maria” torna-se dogma;
• Em 1950, a “Assunção de Maria” vira artigo de fé.
Hoje, cogita-se em colocar Maria junto à Trindade divina, formando assim uma
quaternidade. O catolicismo está criando cada vez mais uma Maria totalmente
diferente daquela apresentada pelos evangelhos. Ao inventarem supostos pais
para Maria, Santa Ana e São Joaquim, baseados em livros apócrifos, os católicos
ao mesmo tempo omitiram a verdadeira família de Maria e roubaram-lhe a nobre
missão de mãe.
Origens dessa doutrina
Não se sabe ao certo onde e como começou a acreditar-se que os irmãos de Jesus,
de quem tanto a Bíblia fala e “de modo explícito”, eram apenas seus primos ou
irmãos em sentido espiritual (versão Romana) ou meio-irmãos de um casamento
anterior de José (versão Grega). Parece que isso surgiu com uma deturpação da
resposta de um soldado romano chamado Pantera aos judeus que acusavam Maria de
cometer adultério (Atos de Pilatos 11.3 e Talmud, séc. II). No ponto de vista
católico, Jesus seria um filho bastardo desse suposto soldado.
O fato é que essa doutrina ganhou força somente após o século IV, com Jerônimo.
Até então, era praticamente desconhecida pelos antigos escritores pré-niceno.
Como de praxe, é mais uma das invencionices da Igreja Católica.
Um dos pais primitivos que mais colaborou para que essa distorção criasse corpo
foi Orígenes, que se baseou em duas obras apócrifas: o “Proto-Evangelho de
Tiago” e o “Evangelho de Pedro”, de meados do século II. Não demorou muito,
Epifânio seguiu os passos de Orígenes e acabou abraçando tal idéia.
É interessante notar que Orígenes, Epifânio e Jerônimo eram adeptos do
ascetismo e da vida monástica que incluía a castidade. Orígenes, segundo alguns
historiadores, chegou a castrar-se! Mais tarde, porém, essa teoria sobre os
irmãos de Jesus foi desenvolvida e aperfeiçoada. Empacotada de modo sofismável
pelos teólogos católicos, é agora um dos dogmas do catolicismo romano.
O que muitos protestantes talvez não saibam é que até mesmo os primeiros
reformadores como Lutero e Calvino criam na virgindade perpétua de Maria. Mas,
por outro lado, é bom frisarmos que muitos pais primitivos como Hegesipo,
Tertuliano, Irineu e, posteriormente, Eusébio e Helvídio defendiam a idéia de
que os irmãos de Jesus eram de fato seus irmãos carnais. A mesma defesa é feita
atualmente por uma maioria esmagadora de protestantes e também por alguns
teólogos católicos.
Analisando o evangelho de Mateus
O texto de Mateus 1.25 afirma o seguinte: “e não a conheceu enquanto (até que)
ela não deu à luz um filho; e pôs-lhe o nome de Jesus”.
Para os protestantes, a referência bíblica em apreço parece ser, a princípio,
uma fortaleza inexpugnável, e não é para menos, pois diz categoricamente que
José não a conheceu “até” ou “enquanto” (heos, hou) ela não deu à luz. Ora, o
que depreende e subentende-se é que, após o parto, Maria teve relações sexuais
com seu marido como qualquer casal judeu normal de seu tempo! Parece ser esta a
preocupação principal do evangelista ao transmitir sua mensagem. Mas, por outro
lado, devemos concordar com nossos antagonistas romanos em que há casos em que
Mateus usa a preposição “até” para dizer que não houve mudança após a
ocorrência de determinado evento. Por exemplo, “Não esmagará a cana quebrada, e
não apagará o pavio que fumega, até que faça triunfar o juízo” (Mt 12.20). É
claro que o texto não está dizendo que o manso Messias será um ditador cruel
após o triunfo do juízo.
Outros textos bíblicos, além de Mateus, podem ser usados como exemplo: Salmo
110.1 e 1 Timóteo 4.13. Mas podemos ver Mateus usando a preposição “até” (que
indica um limite de tempo, nos espaços, ou nas ações) quando o contexto diz
claramente que há mudança. Vejamos: “E, havendo eles se retirado, eis que um
anjo do Senhor apareceu a José em sonho, dizendo: Levanta-te, toma o menino e
sua mãe, foge para o Egito, e ali fica até que eu te fale; porque Herodes há de
procurar o menino para o matar” (Mt 2.13).
Assim, tomar este trecho de forma isolada não é de modo nenhum conclusivo para
ambas as partes; não resolve o problema. Se quisermos obter uma idéia mais
clara do assunto teremos de nos voltar para um contexto maior e achar algo fora
desse trecho que complete esta lacuna e dirima a incógnita. Será que Mateus
usou a preposição “até” para indicar mudança ou não? Resolveremos isso usando
dois princípios de interpretação: o contexto imediato e o contexto mais lato.
É notório que os casamentos orientais da época de Jesus eram, sem sombra de
dúvida, bem diferentes dos do nosso tempo. Mateus declara que Maria estava
desposada (entenda-se noiva) com José. Diz ainda que ele não a “conheceu até”
(Mt 1.18). Algumas vezes a palavra “conhecer” é usada na Bíblia de modo
figurado, significando relação sexual (Gn 4.25), e, neste caso, o contexto
apóia este sentido.
A voz dos outros evangelistas
Outro fator que corrobora com a interpretação acima é o fato de Lucas ter usado
a expressão grega prototokos, que significa “Primogênito”, em relação ao
nascimento de Cristo: “e teve a seu filho primogênito...” (Lc 2.7).
Se Lucas quisesse dizer que Jesus foi o único filho de Maria, teria usado, de
modo inequívoco, a expressão monogenes (unigênito, em português) que significa
“[filho] único gerado”, como acontece em João 3.16. Mas não, ele usou, de modo
consciente, o termo certo: “primogênito”, indicando que Jesus foi apenas o
“primeiro” filho de Maria, e não o “único”.
Se Jesus tivesse sido o único filho de Maria, os evangelistas mostrariam isso,
de modo explícito, em seus escritos. Mas não é isso que constatamos no Novo
Testamento.
O que diz o Novo Testamento
Uma leitura superficial do Novo Testamento, em especial dos evangelhos,
mostrará, sem sombra de dúvida, que Jesus Cristo teve irmãos e irmãs (Mt
12.46,47, 13.55-56; Mc 6.3). E ainda nos dão os nomes dos irmãos: Tiago, José,
Simão e Judas. E essas pessoas aparecem sempre relacionadas com Maria, mãe de
Jesus, o que nos dá a impressão de que os escritores e os evangelistas quiseram
nos transmitir o quadro de uma família composta por mãe e filhos. Vejamos:
“Enquanto ele ainda falava às multidões, estavam do lado de fora sua mãe e seus
irmãos, procurando falar-lhe. Disse-lhe alguém: Eis que estão ali fora tua mãe
e teus irmãos, e procuram falar contigo” (Mt 12.46-47).
Depois do milagre em Caná, Maria e os irmãos do Senhor aparecem juntos: “Depois
disso desceu a Cafarnaum, ele, sua mãe, seus irmãos, e seus discípulos; e
ficaram ali não muitos dias” (Jo 2.12).
Em outra ocasião, Maria e seus irmãos mandam chamá-lo: “Chegaram então sua mãe
e seus irmãos e, ficando da parte de fora, mandaram chamá-lo” (Mc 3.31). João
acrescenta que nem os seus criam em Jesus: “Pois nem seus irmãos criam nele”
(Jo 7.5). E, por último, os irmãos de Jesus aparecem no cenáculo orando com
Maria: “Todos estes perseveravam unanimemente em oração, com as mulheres, e
Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele” (At 1.14).
Resposta a um suposto argumento
Não conseguindo desmentir o consenso cristalino das Escrituras, os mestres
romanistas acabam forjando sofismas cada vez mais mascarados de piedade que,
aos poucos, vão alcançando a mente e o coração dos adeptos católicos. Todavia,
quando confrontados com a Bíblia, tais disparates revelam ser apenas paliativos
ardilosos que, por vezes, acabam sendo pulverizados diante dos fartos
argumentos bíblicos. Na tentativa de esquivar-se dos argumentos protestantes,
os líderes católicos desenterram, das ruínas medievais, teses falaciosas
floreadas com terminologias teológicas modernas para causar impressão. Uma
dessas teses tenta transferir os irmãos de Jesus para uma outra Maria e, para
alcançar esse objetivo, faz verdadeiro malabarismo com os nomes bíblicos.
Consegue fazer uma combinação engenhosa com os textos de Marcos 6.3, 3.18,
15.14, 16.1 e João 19.25. Diz que Maria, mãe de Tiago (o menor) e de José é
irmã de Maria (a mãe de Jesus) e mulher de Cleofas, a quem confundem com Alfeu.
Resumindo: esses “irmãos” (Tiago e José) de Marcos 6.3, segundo essa teoria, na
verdade seriam primos de Jesus. Uma explicação plausível e uma suposta base
“bíblica” para a questão. Ledo engano!
Um argumento de fácil refutação
Contudo, não há nada no texto que insinua ser Alfeu cunhado de Maria! Naquela
época, esses nomes eram comuns! Demais disso, a Bíblia não relata o nome da
irmã de Maria, e é pouco provável que duas irmãs tivessem o mesmo nome.
Suponhamos, por um momento, que isso fosse verdade! Não é estranho que esses
personagens apareçam sempre junto a Maria, sua “tia”, e nunca junto à sua
verdadeira mãe?!
Outros ainda insistem no fato de que aqueles irmãos de Jesus na verdade seriam
seus discípulos, simplesmente porque na igreja todos os discípulos de Cristo
são chamados de “irmãos”.
Esse parece ser o argumento mais inócuo, pois a Bíblia faz nítida distinção
entre ‘seus discípulos” e os “irmãos” do Senhor (Jo 2.12; At 1.13,14). Todavia,
a maior dificuldade enfrentada por esse argumento é que o texto diz que nem
“seus irmãos criam nele” (Jo 7.3,5,10). Ora, como então poderiam ser seus
discípulos?!
O significado de irmãos na Bíblia
Em Mateus 12.47, na Bíblia católica, versão dos “Monges Maredsous”, o tradutor
teceu o seguinte comentário sobre os “irmãos” de Jesus no rodapé da página:
“Irmãos: na língua hebraica esta palavra pode significar também ‘parentes
próximos’ ou ‘primos’, como neste caso. Exemplo: Abraão, tio de Lot, chama-o
com a designação de irmão (Gn 11.27; 13.8)”.
Outro estudioso católico afirma: “Assim sendo, é possível que por detrás dos
‘irmãos’ e ‘irmãs’ de Jesus estejam seus ‘primos’ ou ‘parentes’1.
Refutação bíblica: Não existe um só caso na Bíblia, e principalmente no Novo
Testamento, em que a palavra grega adelphós (irmão) é traduzida por primo ou
parente. Das 343 vezes em que o N.T usa o termo adelphós, ele apresenta dois
sentidos para a palavra “irmão”: a de irmão legítimo (carnal) e o metafórico.
Sentido metafórico: Neste sentido, enquadram-se todos os textos sobre os
seguidores de Jesus (Mc 3.35), os cristãos da igreja (1Co 1.1), os judeus (Rm
9.3) e os seres humanos em geral (Hb 2.11,17). É obvio que as referências nos
evangelhos e nas epístolas aos “irmãos” (filhos de Maria) de Jesus não se
enquadram nesta categoria.
Sentido literal: É justamente neste sentido que a palavra irmãos (no plural) é
usada, em sua grande maioria, na Bíblia. Nenhum estudioso católico jamais
traduziu esta palavra como primos ou irmãos espirituais. As Escrituras não
deixam nenhuma dúvida quanto a esse assunto. Duvido que alguém leia os textos
que seguem e consiga empregar o sentido de primo ou irmão espiritual onde
aparece a palavra irmãos.
“E, passando mais adiante, viu outros dois (irmãos) Tiago, filho de Zebedeu, e
seu irmão João, no barco com seu pai Zebedeu, consertando as redes; e os
chamou” (Mt 4.21).
“E todo o que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou
filhos, ou terras, por amor do meu nome, receberá cem vezes tanto, e herdará a
vida eterna” (Mt 19.29).
A Bíblia deixa patente que quando a palavra “irmãos” aparece junto aos termos
“pai” e “mãe” ela denota filiação legítima de sangue, e isto ninguém consegue
eclipsar. Compare: “Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe
Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão, e Judas?” (Mt 13.55).
Nas quinze ocorrências em que é empregado o termo adelphós em relação a Jesus o
sentido básico é de irmãos legítimos. Mas alguns podem objetar dizendo que a
palavra hebraica ah (irmão) aparece várias vezes significando irmãos não de
sangue, mas primos ou sobrinhos. É verdade que a língua hebraica tinha um
vocabulário um pouco pobre e, por isso, não possuía uma palavra específica para
primos ou parentes. Então utilizava a expressão “irmão” de modo lato (Gn 29.12,
24.48)
Esse artifício, no entanto, não é suficiente para que os católicos se esquivem
da derrocada teológica! A palavra “irmão”, no hebraico, pode significar primo,
mas, mesmo neste caso, temos de tomar cuidado. Geralmente, quando a palavra
“irmão” é empregada no sentido de parente próximo o contexto esclarece a
questão (1Cr 23.21-22). Além disso, o Novo Testamento foi escrito em grego, e
não em hebraico. Será que no grego Coiné, língua na qual foi escrito o Novo
Testamento, existia esta distinção praticamente ausente no hebraico? Vejamos.
Termos do Novo Testamento para irmãos e primos
Não devemos nos esquecer de que quando o Novo Testamento faz referências aos
irmãos de Jesus o contexto não traz nenhum tipo de esclarecimento adicional,
como acontece no Antigo Testamento. Além disso, os escritores sabiam a
diferença entre os termos irmão (adelphós), primo (anepsiós) e parentes
(sungenes). Mesmo Paulo, que usava bastante metáfora, sabia usar com distinção
essas palavras. Tanto é que escreveu sobre os “irmãos” de Jesus sem deixar nenhuma
dúvida ao laço carnal entre o Senhor e seus irmãos. Vejamos: “Não temos nós
direito de levar conosco esposa crente, como também os demais apóstolos, e os
irmãos do Senhor, e Cefas?” (1Co 9.5). “Mas não vi a nenhum outro dos
apóstolos, senão a Tiago, irmão do Senhor” (Gl 1.19).
Como já falamos, e isso é interessante, o apóstolo Paulo sabia perfeitamente
usar a palavra correta para primo (anepsiós) e parente (sungenes) em suas
epístolas. Não havia motivo de confusão! “Saúda-vos Aristarco, meu companheiro
de prisão, e Marcos, o primo de Barnabé...” (Cl 4.10). “Saudai a Herodião, meu
parente” (Rm 16.11).
Caso a tese católica estivesse correta, o apóstolo poderia muito bem ter usado
a expressão hoi anepsiós Kyriou (primos do Senhor), e não adelphói tou Kyriou
(irmãos do Senhor), até porque os irmãos de Jesus estavam vivos quando o
apóstolo escreveu as duas epístolas.
Argumentos contraproducentes
Diante do exposto, a única consideração plausível a que podemos chegar é que os
“irmãos” de Jesus eram realmente seus irmãos legítimos. É justamente esse o
sentido do termo adelphós no Novo Testamento. Apesar de todo o esforço
empregado pelos católicos para defender a virgindade perpétua de Maria, seus
argumentos são totalmente contraproducentes.
O Salmo 69 é um texto profético com força suficiente para desmantelar o
arcabouço erigido pelas artimanhas teológicas católicas. Qualquer exegeta que
ler esse salmo terá de admitir que se trata de um salmo messiânico, ou seja, um
salmo que fala sobre o ministério e a vida de Jesus, o Messias. No verso 8, o
autor descreve perfeitamente a família de Jesus sem deixar dúvidas quanto à
legitimidade carnal de parentesco entre eles. Vejamos: “Tornei-me como um
estranho para os meus irmãos, e um desconhecido para os filhos de minha mãe”.
Quando, então, comparado com alguns textos do Novo Testamento, João 7.3-8 por
exemplo, o Salmo 69 torna-se um argumento esmagador contra a teoria católica.
“Disseram-lhe, então, seus irmãos: Retira-te daqui e vai para a Judéia, para
que também os teus discípulos vejam as obras que fazes. Porque ninguém faz
coisa alguma em oculto, quando procura ser conhecido. Já que fazes estas
coisas, manifesta-te ao mundo. Pois nem seus irmãos criam nele. Disse-lhes,
então, Jesus: Ainda não é chegado o meu tempo; mas o vosso tempo sempre está
presente. O mundo não vos pode odiar; mas ele me odeia a mim, porquanto dele
testifico que as suas obras são más. Subi vós à festa; eu não subo ainda a esta
festa, porque ainda não é chegado o meu tempo”.
Compreendemos agora, por meio desse texto, o porquê de Jesus ter deixado sua
mãe aos cuidados de João, e não de seus irmãos!
Notas:
Tire Suas Dúvidas Sobre a Bíblia – José Bortolini pág. 100, editora Paulus.
Obras Consultadas
O Catolicismo Romano. Adolfo Robleto
Novo Testamento Trilíngüe. Vida Nova
Concordância Fiel do Novo Testamento,
Vols. I e II. Fiel
História Eclesiástica. Eusébio de Cesaréia.CPAD.
Manual popular de dúvidas, enigmas e “contradições” da Bíblia. Norman Geisler
& Thomas Howe. Mundo Cristãos
FONTE ICP
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