Idéias
Erradas Sobre Fé e Esperança
Há muitas pessoas que falam
de sua fé e de sua esperança. Algumas delas, no entanto, estão cientes de que
há duas espécies de fé e de esperança. A fé e a esperança, no sentido popular
cristão têm um significado diferente da fé e da esperança da Bíblia. A maioria
das pessoas entende a fé e a esperança como sendo uma grande probabilidade ou
um desejo, porém, ainda contendo uma certa dose de insegurança. Por exemplo, se
um torcedor dissesse: “Creio que meu time será campeão nacional”, significa
dizer: “Não posso afirmar com certeza, mas desejo que seja campeão”. Em
condições meteorológicas duvidosas, quem sai para caminhar em uma trilha deseja
que o tempo permaneça firme, isto é, acredita que haja sol no dia seguinte. No
entanto, não sabe se de fato será assim.
Nesse sentido, há muitos
que se consideram cristãos e crêem ou esperam, no fim, alcançar o Céu. Eles não
sabem ao certo, não têm certeza plena. No entanto, crêem e esperam estar
salvos, pensando: “Espero que no final da história tudo acabará bem”.
A fé na Bíblia, porém,
significa algo totalmente diferente. Da mesma forma, a qualidade da esperança,
mencionada na Palavra de Deus, é bem outra. Quando a Bíblia fala em fé e
esperança, significa uma certeza tal que não deixa margem de insegurança ou
para constantes dúvidas. Hebreus 11.1-2 nos mostra a natureza da fé bíblica: “Ora,
a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não
veem”. Essa firme
convicção é proveniente da Palavra de Deus e é concedida aos filhos de Deus
através do Espírito Santo.
Quando a Bíblia fala em fé e
esperança, significa uma certeza tal que não deixa margem de insegurança ou
para constantes dúvidas.
A doutrina da Igreja
Católica rejeita essa certeza até aos dias de hoje. Por essa razão, nenhum
católico sincero consegue obter a certeza da salvação e a paz interior
relacionada a ela. A Igreja Católica, no cerne da questão, entende algo
diferente a respeito de fé e esperança do que consta na Bíblia. O Concílio de
Trento, que foi realizado entre 1545 e 1563 com diversas interrupções (Lutero
morreu em 1546), oficializou a cisão entre a Igreja Católica e a doutrina da
justificação defendida pela Reforma. As doutrinas promulgadas nesse concílio
permanecem até hoje, basicamente, como a última palavra da Igreja Católica, a
qual as considera acima dos ensinamentos sobre fé e justificação. Desejo,
ainda, mencionar alguns artigos, extraídos do Decreto de Trento, sobre a
rejeição da certeza da salvação da parte de Roma. Ali lemos que será
“amaldiçoado” ou “excomungado”[1] todo aquele que crê nos ensinamentos da
Bíblia sobre salvação “somente pela fé”, bem como “somente pela graça” e a
certeza da salvação[2] envolvida. Relacionado com isso, também é rejeitada a
doutrina bíblica da eleição. Além disso, constam outras determinações, mesmo
sem a penalização de ser “amaldiçoado” ou “excomungado”:
Ninguém deve penetrar
tanto nos mistérios ocultos da predestinação divina, enquanto estiver andando
nessa vida mortal, a ponto de querer afirmar com certeza que ele esteja
incluído entre os predestinados, como se o justificado não pecasse mais ou,
mesmo havendo cometido pecados, pudesse se valer com certeza de uma conversão
anterior. Assim, sem uma revelação especial de Deus não podemos saber a quem
Ele escolheu.[3]
Com isso, a certeza do
perdão dos pecados e a salvação pela fé em Jesus Cristo e Sua obra redentora já
consumada são rejeitadas.
Aquele que afirmar que
a fé justificadora não é nada além da confiança na misericórdia divina, a qual,
pela vontade de Jesus Cristo perdoa pecados ou que seja apenas com essa confiança
que podemos ser justificados, esse seja excomungado (maldito).[4]
Aquele que afirmar que
o homem pecador pode ser salvo somente pela fé e, com isso, entender que não há
necessidade de outro recurso para alcançar a graça justificadora e que, para isso,
de modo nenhum seja necessário providenciar algo ou se preparar por esforço
próprio, seja excomungado (maldito).[5]
Isso significa que, na
ótica católica-romana, aquele que crê na justificação somente pela fé em Cristo
é maldito.
Aquele que afirmar... que
o justificado não mereça um acréscimo em graça por ter praticado boas obras, no
poder da graça divina e dos méritos de Jesus, de Quem é membro vivo, seja
excomungado (maldito).[6]
Aquele que afirmar que
a justificação recebida não fica preservada por Deus e aumentada pelas boas
obras, mas que essas obras sejam apenas fruto e manifestação da justificação
alcançada e não o motivo de seu crescimento, seja excomungado (maldito).[7]
Isso significa, nada
mais, que a graça depende de nossas boas obras e nossa capacidade. Quem não
acredita nisso, na ótica católica-romana, é maldito. Tendo em vista que os
dogmas de Trento contrastam totalmente com a justificação somente pela fé em
Jesus Cristo, eles nunca poderão proporcionar a certeza da salvação. Quem
consegue afirmar que já fez o suficiente para, de fato, merecer a graça? A
graça e o merecimento são contraditórios e se excluem mutuamente. A graça
conquistada por “merecimento” deixa de ser graça, já que, a partir da Bíblia, a
graça é exclusivamente resultado do agir imerecido de Deus para nós e em nós.
A graça e o merecimento são
contraditórios e se excluem mutuamente.
Entre os artigos, que
rejeitam explicitamente a doutrina da Reforma, os de nº 14 e 15 falam sobre a
justificação:
Aquele que afirmar que
a pessoa é liberta de seus pecados e justificada, fazendo-a crer em sua
libertação e justificação ou, que ninguém é justificado de fato se não crer que
seja justificado; e que, somente através dessa fé será totalmente liberto e
justificado, seja excomungado (maldito).[8]
Aquele que afirmar que
a pessoa renascida e justificada é assegurada pela fé, levando-a a crer que
está, com certeza, incluída entre o número dos predestinados, seja excomungado
(maldito).[9]
O conhecido estudioso
católico Johann Adam Möller (1796-1838) proferiu a sentença:
Para mim seria motivo
de pavor estar junto com uma pessoa que afirmasse ter a certeza da salvação;
pois nenhuma pessoa poderia ser tão presunçosa. Isso seria renegar o temor de
Deus e, ao mesmo tempo, se intrometer no regimento soberano de Deus, o Qual
concederá a salvação a quem Ele achar digno, no Juízo Final.[10]
A mensagem da certeza
do perdão dos pecados e da filiação a Deus é uma característica especial do
Evangelho Bíblico e da respectiva fé salvadora. Nenhuma outra religião
possibilita essa certeza. Mesmo a doutrina católica-romana não a conhece. Por
isso, a falta de certeza da salvação muitas vezes está relacionada ao
entendimento errado do Evangelho. A verdadeira certeza da salvação é possível
somente através da fé na Palavra de Deus e, juntamente com ela, na obra
redentora de Jesus Cristo.
Notas
1.
Observação: As palavras em Latim anathema
sit, significam “seja
amaldiçoado”. São essas, exatamente, as palavras que o Apóstolo Paulo usou em
Gálatas 1.8-9 contra os proclamadores do evangelho falso.
2.
Deve ser registrado que tanto Lutero como Calvino ensinavam
sobre a certeza da salvação. Mesmo assim, eles se diferenciavam quanto à
questão da perseverança (perseverança significa: cada crente verdadeiro é
mantido e preservado por Deus até atingir o alvo escatológico). Enquanto
Calvino ensinava sobre a perseverança, Lutero a mantinha à parte da questão da
certeza da salvação. Por isso Lutero restringia a certeza da salvação para o
momento. No entanto, ele não a considerava no contexto da perseverança dos
crentes até o fim (Perseverança – ver comentário com indicação de fontes em W.
Nestvogel, Erwählung und/oder Bekehrung? Das Profil der
evangelistischen Predigt und der Testfall Martyn LLoy-Jones, (Eleição e/ou Conversão?, em
tradução livre) Aachen 2002, p. 303-312). Essa divergência de opiniões, como a
que havia entre Calvino e Lutero, não deveria causar divisões entre os crentes
que estão de acordo com a questão da certeza da salvação. Nesse aspecto,
deve-se observar que o verdadeiro reconhecimento da graça de Deus e a
perseverança nunca induzem para uma vida superficial e autoconfiante de um
discípulo de Jesus. Pelo contrário: o reconhecimento bíblico da graça de Deus
deixa claro para o crente que sua salvação não depende dele mesmo, mas que está
nas mãos de Deus. Isso, por sua vez, o leva à total dependência do Senhor e de
Sua graça. Assim, a doutrina da perseverança corretamente entendida nunca leva
o discípulo a uma vida superficial, mas serve de forte motivação para a
santificação prática. Quem, ao contrário, negligenciar com o pecado e vive em
autoconfiança e indiferença, precisa se questionar se ele, de fato, alguma vez
reconheceu sua real condição bem como a graça da Deus.
3.
J. G. McCarthy, Das Evangelium nach Rom (O Evangelho Segundo Roma, em tradução
livre), CLV Bielefeld, p. 117-118.
4.
Op.
Cit., p. 52
5.
Op. Cit., p. 52
6.
Op. Cit., p. 71
7.
Op. Cit., p. 74
8.
Ernst
Buddeberg & Lienhard Pflaum, Wie gelange ich zur Heilsgewissheit? (Como chegar à certeza da
salvação?, em tradução livre), Ed Missão Liebenzeller, p. 17.
9.
Lienhard Pflaum, Heilsgewissheit – Grund und Kraft der Nachfolge
Jesu (Certeza
da Salvação – Motivação e Força para o Discípulo de Jesus, em tradução livre),
manuscrito não publicado, p. 13.
10.
Ernst
Buddeberg & Lienhard Pflaum, Wie gelange ich zur Heilsgewissheit? (Como chegar à certeza da
salvação?, em tradução livre), Ed Missão Liebenzeller, p. 17.
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