Milagres:
sinais de Deus ou enganação?
ARTIGO por Norman Geisler
Se aceitamos Deus, devemos aceitar os milagres? No fundo, no
fundo, você não tem certeza disso. Essa é a barganha. C.
S. LEWIS
QUEM VENCEU?
Precisamos fazer uma pausa por
um instante e reunir as peças do quebra-cabeça que encontramos até agora.
Lembre-se: estamos procurando por unidade na diversidade. Estamos tentando
juntar as peças da vida aparentemente diferentes em uma imagem coerente. Até
aqui, nossa imagem coerente nos mostra que a verdade existe e que pode ser
conhecida. Qualquer negação da verdade pressupõe a verdade, de modo que a
existência da verdade é inevitável. Embora não possamos saber a maioria das
verdades absolutas devido à limitação humana, podemos conhecer muitas verdades
com um alto grau de certeza (i.e., “ainda que haja uma dúvida justificável”).
Uma dessas verdades é a existência e a natureza de Deus. Com base nas linhas de
evidências que revisamos — os argumentos cosmológico, teleológico e moral [1],
podemos saber, ainda que haja uma dúvida justificável, que existe um Deus
teísta com determinadas características.
Com base no argumento cosmo lógico, sabemos
que Deus é:
1.
Aura-existente, atemporal, não espacial, imaterial (uma vez que
ele I criou o tempo, o espaço e a matéria, então deve estar fora do tempo, do
espaço e da matéria). Em outras palavras, ele não tem limites. Ou seja, ele é
infinito.
1.
Inimaginavelmente poderoso, uma vez que ele criou todo o
Universo do nada.
1.
Pessoal, uma vez que ele optou por converter um estado de
nulidade em um Universo tempo-espaço-material (uma força impessoal não tem
capacidade de tomar decisões).
Com base no argumento teleológico, sabemos
que Deus é:
1.
Supremamente inteligente, uma vez que planejou a vida e o
Universo com incrível complexidade e precisão.
2.
Determinado, uma vez que planejou as muitas formas de vida para
viverem nesse ambiente específico e ordenado.
Com base no argumento moral, sabemos que
Deus é:
Absolutamente puro no aspecto
moral (ele é o padrão imutável de moralidade pelo qual todas as ações são
medidas. Esse padrão inclui justiça e amor infinitos).
Teísmo é O
termo adequado para descrever tal Deus. Aqui está a maravilhosa verdade sobre
essas descobertas: o Deus teísta que descobrimos é compatível com o Deus da Bíblia, mas
nós o descobrimos sem usar a Bíblia. Mostramos
que, por meio de raciocínio, ciência e filosofia adequados, pode-se conhecer
muitas coisas sobre o Deus da Bíblia. Na verdade, isso é o que a própria Bíblia
diz (e.g. 5119; Rm 1.18-20; 2.14,15). Os teólogos chamam essa revelação de Deus
de natural ou revelação geral (que
é claramente vista independentemente de qualquer tipo de Escritura). A
revelação das Escrituras é chamada de revelação especial.
Assim, sabemos por meio da
revelação natural que o teísmo é verdadeiro.
Essa
descoberta nos ajuda a ver não apenas como é a verdadeira tampa da caixa, mas o
que ela não pode ser.
Uma vez que o oposto de verdadeiro é falso (cap. 2), sabemos que qualquer visão
de mundo não teísta deve ser falsa. Ou, colocando de outra maneira, entre as
maiores religiões mundiais, somente uma das religiões teístas — judaísmo,
cristianismo ou islamismo — pode ser verdadeira. Todas as outras principais
religiões mundiais não podem ser verdadeiras, porque elas são ateístas.
Pode
ser verdadeira (teísta)
|
Não
pode ser verdadeira (não teísta)
|
1. Judaísmo
|
1. Hinduísmo (panteísta ou
politeísta)
|
2. Cristianismo
|
2. Budismo (panteísta ou
ateísta)
|
3. Islamismo
|
3. Nova Era (panteísta)
|
4. Humanismo secular
(ateísta)
|
|
5. Mormonismo (politeísta)
|
|
6. Wicca (panteísta ou
politeísta)
|
|
7. Taoísmo (panteísta ou
ateísta)
|
|
8. Confucionismo (ateísta)
|
|
9. Xintoísmo (politeísta)
|
Tabela 8.1
Isso pode parecer uma
declaração muito imponente — negar a verdade de tantas religiões mundiais nesse
estágio. Mas, por meio de lógica simples usando a lei da não-contradição —
religiões mutuamente excludentes não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Tão certo
quanto jogadores de futebol são cortados da escalação de um jogo porque carecem
de certas habilidades, certas religiões mundiais são cortadas da escalação como
possíveis religiões verdadeiras porque carecem das qualificações necessárias.
Desse modo, por meio da lógica,
se o teísmo é verdadeiro, então todos os não teísmos são falsos. Isso não
significa que todo o ensinamento de uma religião não teísta é falso ou que não
existe nada de bom nessas religiões — certamente existe verdade e bondade na
maioria das religiões mundiais. Isso simplesmente quer dizer que, como uma
maneira de se olhar para o mundo (i.e., uma visão de mundo), qualquer religião
não teísta está construída sobre um fundamento falso. Embora alguns detalhes
possam ser verdadeiros, o cerne de qualquer sistema religioso não teísta é
falso. Eles são sistemas de erro, embora tenham alguma verdade.
Os
hindus, por exemplo, corretamente ensinam a verdade de que você colhe aquilo
que planta, embora a visão de mundo do hinduísmo — a de que “você” não existe
realmente porque tudo é parte de uma realidade indistinguível chamada brahma — seja
falsa. O humanismo secular afirma corretamente a realidade do mal, embora a
visão de mundo humanista — que nega um padrão objetivo pelo qual possamos
detectar o mal — seja falsa. Os mórmons ensinam corretamente que existem
padrões morais aos quais devemos obedecer, embora a visão de mundo mórmon —
segundo a qual existem muitos deuses — seja falsa. [2]
Este último ponto sobre o
mormonismo levanta uma questão, a saber: por que a existência de um Deus teísta
refuta o politeísmo? Ela refuta o politeísmo porque Deus é infinito e não pode
haver mais de um Ser infinito. Para distinguir-se um ser de outro, eles devem
diferir em algum aspecto. Se diferem de alguma maneira, então um tem falta de
uma coisa que o outro possui. Se um ser carece de alguma coisa que o outro
possui, então o ser que tem falta não é infinito, porque, por definição, um ser
infinito não carece de nada. Desse modo, só é possível existir um único Ser infinito.
Alguém poderia argumentar que
existem seres finitos (ou “deuses”) mais poderosos do que os seres humanos. De
fato, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo ensinam a existência de anjos e
demônios. Mas isso não é politeísmo, que nega que existe um Ser supremo,
infinito e eterno a quem todas as criaturas devem sua existência e em relação a
quem todas as criaturas são, por fim, responsáveis. Uma vez que o teísmo é
verdadeiro, o politeísmo é tão falso quanto o ateísmo, o panteísmo e todas as
outras visões de mundo não teístas.
Mas estamos divagando. A
questão principal é que a tampa correta da caixa do Universo mostra um Deus
teísta. Isso significa que apenas uma das três maiores religiões mundiais vence
no padrão da verdade: judaísmo, cristianismo ou islamismo. Logicamente, é fato
que todas essas religiões mundiais teístas não podem ser verdadeiras, uma vez
que elas fazem declarações mutuamente excludentes. Além do mais, é possível que
nenhuma dessas três religiões mundiais seja completamente verdadeira. Talvez
possuam o teísmo e pouca coisa mais. Isso é possível. Contudo, uma vez que
sabemos, mesmo com uma pequena parcela de dúvida justificável, que Deus existe
e que possui as características que enumeramos anteriormente — características
que incluem projeto, propósito, justiça e amor -, então deveríamos esperar que
ele revelasse mais de si mesmo e de seus propósitos para a nossa vida. Isso
exigiria que ele se comunicasse conosco. É provável que uma das três maiores
religiões teístas contenha essa comunicação.
COMO DEUS SE COMUNICA?
Como vimos, Deus já se
comunicou conosco por meio da criação e da consciência (revelação natural ou
geral), o que nos dá idéias básicas sobre sua existência, seu poder e suas
exigências morais. Mas como Deus poderia revelar a si mesmo de modo que
pudéssemos ter uma compreensão mais detalhada de qual seja o seu propósito
último para nós?
Por que
não poderia ele aparecer a cada um de nós? Ele poderia, mas isso interferiria
em nosso livre-arbítrio. C. S. Lewis tem alguns insights maravilhosos
sobre esse assunto. Em seu livro The Screwtape Letters, Coisa-ruim, o demônio
velho, escreve o seguinte a seu discípulo Pé-de-cabra:
Você deve ter pensado por que o
Inimigo [Deus] não faz mais uso de seu poder para ser sensivelmente presente às
almas humanas em qualquer grau e em qualquer momento que ele escolha. Mas você
vê agora que o Irresistível e o Indiscutível são as duas armas que a própria
natureza de seus planos o impede de usá-las. Simplesmente sobrepor-se à vontade
humana (o que sua presença certamente faria ainda que em seu grau mais ínfimo
seria inútil para ele. Ele não pode arrebatar. Pode apenas cortejar.[3]
Se Deus não escolheu a poderosa
opção de interagir face a face com todas as pessoas do planeta, então talvez
tenha escolhido um método mais sutil de comunicação (de fato, a Bíblia diz que
Deus nem sempre é tão aberto quanto nós gostaríamos que fosse [Is 45.15]).
Talvez Deus tenha se manifestado de alguma maneira a algum grupo seleto de
pessoas nesses tantos séculos e o tenha inspirado a escrever aquilo que
testemunhou e ouviu dele. A linguagem escrita é um meio preciso de comunicação
que pode facilmente ser duplicado e passado adiante, às gerações seguintes, mas
ele também pode ser facilmente ignorado por aqueles que, por livre decisão,
optam por não quererem ser incomodados por Deus.
Desse modo, um livro
funcionaria como um meio de comunicação válido, mas não impositivo da parte de
Deus. Mas qual livro? Deus se comunicou por meio do livro dos judeus, dos
cristãos ou dos muçulmanos? Como podemos dizer qual livro — se é que existe
algum — é realmente uma mensagem vinda de Deus?
O SELO DO REI
Nos dias anteriores à
comunicação em massa — quando todas as mensagens endereçadas a locais distantes
eram entregues em mão -, um rei colocaria seu selo sobre essa mensagem. Esse
selo era um sinal ao destinatário de que a mensagem era autêntica — ela
realmente viera do rei, e não de alguma outra pessoa fazendo-se passar pelo
rei. É claro que para fazer esse sistema funcionar, o selo precisava ser
incomum ou singular, facilmente reconhecível, e precisava ter alguma coisa que
só o rei possuísse.
Deus poderia usar um sistema
parecido para autenticar suas mensagens falando de maneira específica, poderia
usar os milagres. Os milagres são incomuns e singulares, facilmente
reconhecíveis e somente Deus pode realizá-los. Até mesmo os céticos, ao
exigirem um sinal de Deus, estão implicitamente admitindo que os milagres
provariam sua existência.
O que é um milagre? Um milagre
é um ato especial de Deus que interrompe o curso normal dos fatos. O ateu
Antony Flew definiu de maneira muito boa: “O milagre é alguma coisa que jamais
teria acontecido caso a natureza, como é, fosse deixada por si só”. [4] Desse
modo, podemos dizer que as leis naturais descrevem o que acontece regularmente,
por meio de causas naturais; os milagres, se é que ocorrem, descrevem o que
acontece raramente, por meio de causas sobrenaturais.
Por meio dos milagres, Deus
poderia dizer ao mundo qual livro ou qual pessoa fala por ele. Desse modo, se
Deus quisesse mandar uma mensagem por meio de Moisés, Elias, Jesus, Paulo,
Maomé ou qualquer outro, ele poderia realizar milagres por meio dessa pessoa.
Se Deus realmente trabalha
dessa maneira, então um milagre confirma a mensagem, e o sinal confirma o
sermão. Ou, colocando-se de outra maneira, um milagre é um ato de Deus para
confirmar a palavra de Deus por meio de um mensageiro de Deus.
A pergunta é: Deus trabalha
dessa maneira? O Rei do Universo usa tais sinais? Os milagres são até mesmo
possíveis? Nosso mundo secular diz que não. Como estamos prestes a ver, o mundo
está plenamente enganado.
A CAIXA ESTÁ ABERTA OU FECHADA?
Numa recente viagem à Rússia
para falar com educadores daquele país, o professor de seminário Ronald Nash
teve um grande desafio. Ele queria falar-lhes sobre Deus, mas sabia que não
chegaria muito longe com eles a não ser que pudesse vencer a sua antiga oposição
ao teísmo. Por mais de 70 anos, os russos foram instruídos numa visão de mundo
que excluía Deus logo de início. A religião oficial do Estado era o ateísmo, e
a visão de mundo ateísta afirma que existe apenas um mundo natural e material.
De acordo com os ateus, os milagres são impossíveis porque não existe um mundo
sobrenatural. Acreditar de outra maneira é acreditar em contos de fadas.
Nash começou mostrado-lhes duas
pequenas caixas de papelão. Uma estava aberta, e a outra, fechada.
”Aqui está a diferença entre a
sua visão de mundo e a minha’ — começou ele.
Apontando para a caixa fechada,
disse: “Você acredita que o Universo físico está fechado. Crê que o Universo é
tudo o que existe e que não há nada fora dele”, explicou. Voltando-se para a
caixa aberta, continuou: “Eu também acredito na existência do Universo físico,
mas também acredito que o Universo está aberto, que existe alguma coisa fora do
Universo, que chamamos Deus”. Nash fez uma pausa e disse: “E que Deus criou a
caixa!”.
Ele colocou a mão dentro da
caixa aberta e disse:
— Assim como posso colocar a
mão nesta caixa para manipular o seu conteúdo, Deus pode colocar a mão em nosso
Universo e executar aquilo que chamamos de milagres. [5]
Por alguma razão, essa foi uma
ilustração muito tocante para os russos. Lâmpadas começaram a aparecer na mente
dos educadores em toda a sala. Aqueles educadores haviam assumido que sua visão
de mundo naturalista era correta e não consideravam alternativa. Nash ajudou-os
a pensar que talvez alternativa como o teísmo tivesse melhores evidências.
Como
vimos nos capítulos 3 a 7, o teísmo realmente tem as melhores evidências.
Sabemos, ainda que com dúvidas justificáveis, que existe um Deus teísta. Uma
vez que Deus existe, o Universo representado pela caixa fechada é falso. A
caixa está aberta e foi criada por Deus. Assim, é possível para
Deus intervir no mundo natural por meio da realização de milagres. De fato, os milagres não são apenas possíveis; os milagres são
reais, porque o maior milagre de todos — a criação do Universo do nada — já
aconteceu. Assim, com relação à
Bíblia, se Gênesis 1.1 é verdadeiro — “No princípio Deus criou os céus e a terra” -, então é fácil acreditar em qualquer outro milagre citado na
Bíblia.
O Deus que criou todo o
Universo do nada pode abrir o mar Vermelho?
Fazer descer fogo do céu?
Manter um homem seguro dentro de um grande peixe por três dias?[6] Prever
acontecimentos futuros com precisão? Transformar água em vinho? Curar doenças
instantaneamente? Ressuscitar os mortos? Claro que sim. Todos esses fatos
miraculosos são tarefa simples para um Ser infinitamente poderoso que criou o
Universo em primeiro lugar.
Isso,
porém, não significa que Deus executou todos
esses milagres bíblicos.
Isso ainda será abordado.
Significa simplesmente que ele poderia tê-lo feito que tais milagres são
possíveis. À luz do fato de que vivemos em um Universo teísta, excluir os
milagres de antemão (como muitos ateus fazem) é claramente ilegítimo. Como
disse C. S. Lewis, “se aceitarmos Deus, devemos aceitar os milagres? No fundo,
no fundo, você não tem certeza disso. Essa é a barganha’.[7]
Então por que tantas pessoas
dizem hoje que os milagres não são possíveis ou que não se deve acreditar
neles? Como é possível que os céticos não acreditem em milagres quando todo o
Universo parece ser um maravilhoso milagre? Precisamos abordar essas questões
antes de começarmos a investigar se Deus confirmou a verdade do judaísmo, do
cristianismo ou do islamismo por meio de milagres.
OBJEÇÕES AOS MILAGRES
Desde o final do século XVII, duas
objeções principais aos milagres têm sido levantadas, as quais precisam ser
investigadas. A primeira delas vem de Benedito Spinoza, e a segunda, de David
Hume. Começaremos com a objeção de Spinoza.
As leis naturais são imutáveis.
O argumento de que as leis naturais são imutáveis foi popularizado
primeiramente na década de 1670 por Benedito Spinoza, um judeu panteísta. O
argumento de Spinoza contra os milagres é mais ou menos assim:
1.
Os milagres são violações das leis naturais.
2.
As leis naturais são imutáveis.
3.
É impossível violar leis imutáveis.
4.
Portanto, os milagres são impossíveis.
Se Spinoza está certo — se não
há maneira de as leis naturais serem vencidas, interrompidas ou sofrerem
interferência -, então os milagres são impossíveis.
O
problema com essa objeção é que ela é uma petitio principii, uma falácia lógica. Se as
leis naturais são definidas como imutáveis, então, naturalmente, os milagres
são impossíveis. Mas esta é a questão! Quem disse que as leis naturais são
imutáveis?
Seguindo de acordo com sua
visão de mundo panteísta, Spinoza excluiu ilegitimamente o Deus teísta e,
assim, os milagres, logo de início. Mas, se Deus existe, os milagres são
possíveis. Como já vimos, o maior milagre de todos, a criação do Universo do nada,
já aconteceu.
A própria criação em si
demonstra que as leis naturais não são imutáveis. Uma coisa não surge
naturalmente do nada. Mas aqui estamos todos nós.
Também
sabemos que as leis naturais não são imutáveis porque elas são descrições do
que acontece, e nãoprescrições do que deve acontecer. As leis naturais
não provocam realmente alguma coisa; elas apenas descrevem o que acontece
regularmente na natureza. Descrevem os efeitos das quatro forças naturais
conhecidas: gravidade, magnetismo e as forças nucleares forte e fraca. Quando
se introduz seres inteligentes no cenário, as forças naturais podem ser
vencidas. Sabemos que essas forças podem ser vencidas porque fazemos isso todos
os dias.
Por exemplo, quando um jogador
de futebol pega uma bola que está caindo, ele está vencendo a força da
gravidade. Fazemos o mesmo todas as vezes que andamos de avião ou voamos rumo
ao espaço. Em tais casos, a gravidade não é modificada, mas simplesmente
vencida. Se seres finitos como nós podem vencer forças naturais, então
certamente o Ser infinito que criou essas forças pode fazer o mesmo.[8]
É difícil acreditar nos
milagres. Alguns anos atrás, eu [Norm] fui convidado para falar na Escola de
Teologia da Universidade de Harvard, uma das mais liberais escolas de teologia dos
Estados Unidos. Meu assunto era “a prematura batalha de Harvard com o
evangelicalismo”. Acredite se quiser, mas Harvard, tal qual a maioria das
escolas de sua época, foi fundada por cristãos evangélicos com o objetivo de
treinar os alunos no conhecimento de Jesus Cristo. A carta de Harvard, de 1646,
afirma claramente seu propósito:
Que
todo aluno seja plenamente instruído e corretamente levado a considerar bem
qual seja o principal propósito de sua vida e de seus estudos: conhecer a Deus
e Jesus Cristo, que é a vida eterna ao 17.3)
e, portanto, lançar Cristo como o único fundamento de todo o conhecimento sadio
e do aprendizado. Como o olhar para o Senhor só nos dá sabedoria, que todos se
dediquem seriamente à oração em secreto para buscá-la nele (Pv 2.3).[9]
O que aconteceu para que
Harvard se afastasse tanto de sua proposta original? Eles aceitaram um dos mais
poderosos argumentos jamais formulados contra os milagres. Não era o argumento
de Spinoza. Devido aos avanços da ciência moderna e de nossa melhor compreensão
do mundo natural, poucos hoje realmente acreditam que as leis naturais são
imuráveis. O argumento contra os milagres aceito hoje — e que foi aceito em
Harvard — foi formulado pelo grande cético David Hume (1711-1776), cerca de um
século depois de Spinoza.
Você se lembra de que falamos
sobre Hume no capítulo 2. Foi ele quem disse que qualquer conversa sobre Deus é
sem sentido porque tal conversa não envolve observação empírica ou verdades
auto-evidentes. Vimos que sua afirmação derrota a si mesma.
Mas o argumento de Hume contra
os milagres é um pouco mais sofisticado e não pode ser tão facilmente derrotado
quanto seu argumento contra a conversa sobre Deus. Talvez seja por essa razão
que ele é acreditado ainda hoje. De fato, o argumento de Hume contra os
milagres é um dos pilares do assim chamado Iluminismo (é aquele no qual
supostamente fomos dominados o suficiente para abandonar nossas crenças
supersticiosas nos milagres e colocar nossa fé na razão e nas verdades
empíricas encontradas pelo método científico). O argumento de Hume ajudou no
avanço da visão de mundo naturalista que mais tarde se espalhou como metástase
por causa da teoria da evolução de Darwin.
O que vemos a seguir é
basicamente o material que apresentei à platéia de Harvard naquele dia. Comecei
apresentando o argumento antimilagres de Hume e, depois, criticando-o. Aqui
está o argumento de Hume na forma silogística:
1.
A, lei natural é, por definição, uma descrição de uma ocorrência
regular.
1.
O milagre é, por definição, uma ocorrência rara.
2.
A evidência em favor do regular é sempre maior do que a
evidência em favor do raro.
1.
Quem é sábio sempre baseia sua crença na evidência mais
convincente.
2.
Portanto, um sábio não deveria acreditar em milagres.
Se
essas quatro premissas forem verdadeiras, então a conclusão necessariamente o é
— o sábio não deveria acreditar em milagres. Infelizmente para Hume e para
todos aqueles que acreditaram nele com o passar dos anos, o argumento tem uma
premissa falsa: a premissa 3 não é necessariamente verdadeira. A evidência em
favor do regular nem sempre é
maior do que em favor do raro.
Num
primeiro olhar, isso pode não parecer ser o caso. Na era do replay automático,
a premissa 3 parece fazer sentido. Um juiz de futebol, por exemplo, vê o jogo
da perspectiva de um ângulo em plena velocidade, enquanto nós, espectadores,
podemos ver da perspectiva de vários ângulos e em câmera lenta. Temos maiores
evidências vendo um jogo repetidas vezes (o regular) do que o juiz que o vê
apenas uma vez (o raro).
Mas o que pode ser verdadeiro
para um jogo de futebol gravado não é necessariamente verdadeiro para todo
acontecimento na vida. Para anular a premissa 3, precisamos mostrar apenas um
contra-exemplo. Na verdade, temos vários, e eles vêm da própria visão de mundo
naturalista de Hume.
1.
A origem do Universo aconteceu apenas uma única vez. Foi um fato
raro e não repetível, embora praticamente todo naturalista acredite que a evidência
do Big Bang prova
que o Universo passou a existir com base em uma explosão.
2.
A origem da vida aconteceu apenas uma única vez. Também foi um
fato raro e não repetível, embora todo naturalista acredite que a vida surgiu
espontaneamente da não-vida em algum lugar sobre a Terra ou em algum outro
lugar do Universo.
3.
A origem das novas formas de vida também aconteceu apenas uma
única vez. Esses acontecimentos raros e não repetíveis são, todavia,
dogmaticamente reconhecidos pela maioria dos naturalistas, que dizem que tudo
aconteceu por meio de um processo macroevolucionário não observado (i.e.,
raro).
4.
De fato, toda a história do mundo é composta de acontecimentos
raros e não repetíveis. O próprio nascimento de David Hume, por exemplo,
aconteceu uma única vez, mas ele não teve qualquer dificuldade em acreditar que
isso aconteceu!
Em cada um desses
contra-exemplos, extraídos da própria visão de mundo naturalista de Hume, sua
terceira premissa deve ser desconsiderada ou então considerada como falsa. Se
Hume realmente acreditava nessa premissa, não deveria ter acreditado em seu
próprio nascimento ou em sua própria visão de mundo naturalista!
Assim, descobrimos por alguns
desses contra-exemplos que a terceira premissa de Hume e, desse modo, todo o
seu argumento não podem ser verdadeiros. Mas quais são os problemas específicos
com o modo de pensar naturalista?
Em
primeiro lugar, ele confunde credibilidade com possibilidade. Mesmo
que a premissa 3 fosse verdadeira, o argumento não excluiria a possibilidade de
milagres, mas apenas questionaria sua credibilidade. Desse modo, mesmo que você
tivesse testemunhado pessoalmente, digamos, Jesus Cristo ressuscitando dos
mortos como ele havia predito — se você tivesse ido até a tumba, verificado que
seu corpo estava morto e, depois, o visse em pé e caminhando para fora da tumba
-, o argumento de Hume diz que você (uma pessoa “sábia’) não deveria acreditar
nisso. Existe algo errado com um argumento que diz que você não deve acreditar
naquilo que se verificou ser verdadeiro.
Em
<segundo lugar, Hume confunde probabilidade com evidência. Ele
não examina a
evidência em favor de cada acontecimento raro; em vez disso, acrescenta a
evidência em favor de todos os acontecimentos regulares e sugere que isso, de
alguma maneira, faz todos os acontecimentos raros não serem dignos de crédito.
Mas esse também é um raciocínio errado. Existem muitos fatos improváveis
(raros) na vida nos quais acreditamos quando temos boas evidências que os
comprovem. Fazer um gol de escanteio é um acontecimento raro, mas, quando
testemunhamos um, não temos problema em acreditar nele. Certamente não dizemos
isto ao jogador: “Uma vez que a evidência em favor do regular é sempre maior do
que em favor do raro, não vou acreditar na sua jogada a não ser que você pegue
a bola e faça a mesma coisa cinco vezes em seguida!”. Do mesmo modo, certamente
não dizemos a um jogador da loteria que ganhou um prêmio cuja probabilidade era
uma em 76 milhões que ele não vai receber seu dinheiro até que possa acertar da
mesma maneira cinco vezes em seguida! Não, nesses casos, a ,evidência em favor
do raro é maior do que em favor do regular. Testemunhas oculares sóbrias e
sadias trazem maior evidência em favor de uma jogada rara independentemente de
quantas vezes aquele jogador possa ter errado a jogada no passado. Do mesmo
modo, um bilhete ganhador dá maior evidência de que certa pessoa ganhou na
loteria independentemente de quão regularmente aquela pessoa deixou de ganhar
no passado.[10]
Desse
modo, a questão não é se um acontecimento é regular ou raro — a questão é se
temos boas evidências em favor do acontecimento. Devemos examinar a
evidência de cada fato em questão, não acrescentarevidências a todos
acontecimentos anteriores.
Em
terceiro lugar, Hume na verdade está argumentando em círculos. Em vez de
avaliar a veracidade da evidência para cada milagre declarado, ele exclui a
crença nos milagres de início porque acredita que existe uma experiência
uniforme contra eles. Como de costume, C. S. Lewis tem um grande insight sobre
isso:
Agora, naturalmente, devemos
concordar com Hume em que, se existe “experiência absolutamente uniforme”
contra os milagres, se, em outras palavras, eles nunca aconteceram, então por
que eles nunca aconteceram? Infelizmente, sabemos que a experiência contra eles
é uniforme somente se soubermos que todos os relatos sobre eles são falsos. E
só podemos saber que todos os relatos são falsos se já soubermos que os
milagres nunca aconteceram. De fato, estamos argumentando em círculos. [11]
Desse modo, Hume comete o mesmo
erro dos darwinistas: ele esconde sua conclusão na premissa de seu argumento
por meio de uma falsa pressuposição filosófica. Sua pressuposição falsa é que
todas as experiências humanas têm sido contrárias aos milagres. Como ele pode
saber isso? Não pode; ele pressupõe. Como vimos, os milagres são possíveis
porque Deus existe. Portanto, seres humanos podem ter experimentado milagres
verdadeiros. A única maneira de saber com certeza é investigar a evidência em
favor de cada milagre declarado. Pressupor que todo e qualquer milagre
declarado é falso, como faz Hume, é algo claramente ilegítimo.
Por último, embora Hume defina
corretamente um milagre como um acontecimento raro, ele logo depois o pune por
ser um fato raro! É como se Hume estivesse dizendo: “Se os milagres
acontecessem com mais freqüência, então alunos que Ravi Zacharias trouxera da
Faculdade Nyack. O professor nunca respondeu às minhas tentativas subseqüentes
de contatá-lo.
Recebi
uma resposta similar de Antony Flew, atualmente um dos mais destacados
filósofos ateus. No final da década de 1980, pedi-lhe que comentasse meu livro Miracles and Modern Thought [Milagres
e o pensamento moderno], [12] que criticava inúmeros argumentos contrários aos
milagres, incluindo o seu próprio (que é bastante similar ao de Hume). Flew
concordou em apresentar uma crítica por escrito na próxima edição de um grande
jornal humanista. Contudo, naquele artigo, em vez de tentar refutar os
argumentos que apresentei, Flew apresentou um elogio um pouco desajeitado ao sugerir
que os ateus precisam criar melhores argumentos contra os milagres se
desejassem responder aos teístas contemporâneos.
A
relutância em lidar diretamente com as falhas do argumento de Hume nos diz que
a descrença nos milagres é provavelmente mais uma questão da vontade do que da
mente. É como se algumas pessoas se apegassem cegamente aos argumentos de David
Hume simplesmente porque não querem admitir que Deus existe. Contudo, uma vez que sabemos que Deus existe, os milagres são
possíveis. Qualquer argumento que possa ser levantado contra os milagres,
incluindo o de David Hume, é destruído por esse simples fato. Se existe um Deus que pode
agir, então é possível que existam atos de Deus (milagres).
Portanto, no final das contas,
não é nos milagres que é difícil de acreditar; o difícil é acreditar no
argumento de Hume! Podemos dizer que é um “milagre” o fato de tantas pessoas
ainda acreditarem nele.
NEM TUDO O QUE RELUZ É DEUS — O
QUE É E O QUE NÃO É MILAGRE?
Portanto, a caixa está aberta —
os milagres podem acontecer. Mas como vamos reconhecer um milagre quando virmos
um? Com o objetivo de responder a essa pergunta, é importante definir o que é
um milagre e o que não é, de modo que saibamos o que estamos procurando.
Como mostrado na tabela 8.2,
existem pelo menos seis diferentes tipos de fatos incomuns, dos quais apenas um
deles é milagre.
EXISTEM PELO MENOS SEIS
DIFERENTES CATEGORIAS DE
FATOS INCOMUNS:
|
Anomalias
|
Mágica
|
Psicossomática
|
Sinais
satânicos
|
Providência
|
Milagres
|
Descrição
|
Caprichos da natureza
|
Habilidademanual
|
Mente sobre a matéria
|
Poder maligno
|
Fatos pré-definidos
|
Atos divinos
|
Poder
|
Físico
|
Humano
|
Mental
|
Psíquico
|
Divino
|
Sobrenatural
|
Características
|
Evento natural com um
padrão
|
Não-natural e
controladopelo homem
|
Exige fé; não funciona em
determinadas doenças
|
Mal, falsidade, ocultismo,
limitado
|
Naturalmente explicável;
contexto espiritual
|
Nunca falha, imediato,
duradouro, para a glória de Deus
|
Exemplo
|
Abelha(Bombus Apidae)
|
Coelho na cartola
|
Curas psicossomáticas
|
Influência demoníaca
|
Nevoeiro na Normandia
|
Ressuscitar os morros
|
Tabela 8.2
Vamos analisar brevemente cada
um desses fatos incomuns. Começaremos com os milagres porque, se soubermos o
que eles são, então poderemos compreender melhor por que outros fatos incomuns
não são milagres.
Milagre. Para que um ato de
Deus seja um sinal inequívoco de Deus, o ato precisa satisfazer certos
critérios — critérios que vão distinguir os atos de Deus de qualquer outro fato
incomum. Tal como o selo de um rei, o sinal de Deus deve ser singular,
facilmente reconhecível e ser alguma coisa que somente Deus pode fazer. Em
outras palavras, ele possui características que não podem ser explicadas pelas
leis naturais, pelas forças da natureza ou por qualquer outra coisa no universo
físico. Quais seriam esses critérios?
Como vimos nos argumentos
cosmológico, teleológico e moral, somente Deus tem poder infinito (poder que
está além do mundo natural), supremo projeto e propósito e pureza moral
completa. Portanto, parece racional presumir que seus atos mostrariam ou
conteriam elementos desses atributos. Desse modo, os critérios para os milagres
verdadeiros são:
a) Um início
instantâneo de um ato poderoso, conforme comprovado pelo argumento cosmológico
(o início do Universo);
b) Projeto e
propósito inteligentes, conforme comprovados pelo argumento teleológico (o
projeto preciso do Universo com o propósito de permitir a existência de vida; o
projeto específico e complexo da vida em si mesma);
c) A promoção
de comportamento bom ou certo, conforme comprovado pelo argumento moral (a lei
moral que se impõe sobre nós).
O componente de poder dos
milagres (a) significa que o sinal não poderia ser explicado naturalmente,
pois, se uma causa natural fosse possível, então o sinal não poderia ser
identificado definitivamente como um milagre. O milagre tem uma causa sobrenatural
inequívoca — uma causa que transcende a natureza.
O componente do projeto (b)
significa que qualquer sinal feito sem um propósito óbvio — confirmar a verdade
ou um mensageiro da verdade, ou glorificar a Deus — provavelmente não é um
sinal de Deus. Em outras palavras, não há possibilidade de Deus fazer milagres
simplesmente com o propósito de entretenimento. Assim como a maioria dos reis
da terra não usaram seu selo para uma coisa qualquer, o Rei do Universo não
usaria seu selo por motivos frívolos. Além do mais, se ele usasse os milagres
para simples entretenimento, então teríamos menos probabilidade de reconhecer
seus propósitos quando estivesse tentando confirmar uma nova verdade ou um novo
mensageiro. Desse modo, para não “fazer alarde desnecessariamente”, os milagres
devem concentrar-se na promoção de uma declaração de verdade e devem ser
relativamente raros para que possam ser eficientes.
O componente moral dos milagres
(c) significa que qualquer sinal ligado a um erro ou imoralidade não pode ser
um sinal vindo de Deus. O erro e a imoralidade são contrários à natureza de
Deus porque ele é o padrão imutável de verdade e moralidade. Ele não pode
confirmar o erro ou a imoralidade.
Com
esses critérios — poder instantâneo, projeto inteligente e moralidade -,
podemos identificar quais fatos incomuns são verdadeiros sinais vindos de Deus.
Perceba que extraímos esses critérios daquilo que já aprendemos sobre Deus do
mundo natural e aquilo que aprendemos sobre os limites da própria natureza. A
Bíblia concorda com a nossa avaliação, chamando os fatos que satisfazem esses
mesmos critérios de milagres.[13] Tanto a Bíblia quanto o Alcorão ensinam
que os milagres têm sido usados para confirmar uma palavra vinda de Deus.[14]
Desse modo, um fato ligado a
uma verdadeira declaração divina que tivesse essas características seria um
milagre — um ato de Deus para confirmar uma palavra de Deus. Um milagre teria
ocorrido, por exemplo, se Jesus — um homem que predisse que ressuscitaria dos
mortos — realmente ressuscitou dos mortos. Tal fato mostraria poder instantâneo
além da capacidade natural, um projeto e uma antevisão inteligentes e um
propósito moral ao confirmar que Jesus vem de Deus (e nós, portanto, devemos
ouvir aquilo que ele tem a dizer!). Não existe força natural ou outra fonte de
poder que possa explicar tal fato.
Além disso, se a ressurreição
realmente aconteceu, ela não ocorreu “de maneira inesperada”, mas dentro de um
contexto. Em outras palavras, a ressurreição foi um acontecimento no contexto
de um Universo teísta, no qual um homem afirmando ser de Deus e realizando
milagres enquanto viveu predisse que sua ressurreição aconteceria. Tal contexto
sugere que é um milagre, e não apenas um fato natural ainda por ser explicado.
Em resumo, se a ressurreição realmente aconteceu (e nós vamos investigar esse
aspecto mais adiante), ela tem as “impressões digitais” de Deus espalhadas
sobre ela.
Providência. As pessoas
religiosas, particularmente os cristãos, usam o termo “milagre” de maneira
bastante livre. Com muita freqüência, identificam um acontecimento como um
milagre quando seria mais correto descrevê-lo como providencial.
Fatos providenciais são aqueles
provocados indiretamente por Deus, não diretamente. Ou seja, Deus usa as leis
naturais para realizá-los. Uma oração respondida e acontecimentos improváveis
mas benéficos podem ser exemplos disso. Eles podem ser bastante notáveis e
motivar a fé, mas não são sobrenaturais. O nevoeiro sobre a Normandia, por
exemplo, foi providencial porque ajudou a dissimular o ataque aliado contra o
maligno regime nazista. Não foi um milagre — porque ele poderia ser explicado
pelas leis naturais -, mas é possível que Deus estivesse por trás dele. Por
outro lado, um milagre exigiria a ocorrência de alguma coisa como balas
ricocheteando no peito dos jovens soldados à medida que invadiam a praia.
Sinais satânicos. Outra causa
possível de um fato incomum poderiam ser outros seres espirituais. Uma vez que
Deus existe, é possível que outros seres espirituais também existam. Mas, se
Satanás e os demônios realmente existem, eles possuem poderes limitados. Por
quê? Porque, como já mencionamos neste capítulo, é impossível que existam dois
seres infinitos ao mesmo tempo. Uma vez que Deus é infinito, nenhum outro ser
pode ser infinito.
Além
disso, o dualismo puro — um poder infinito do mal versus um
poder infinito do bem — é impossível. Não existe algo como o mal puro. O mal é
uma privação de bem ou um parasita que habita no bem: ele não pode existir
sozinho. O mal é como a ferrugem em um carro. Se você tirar toda a ferrugem,
terá um carro melhor. Se você tirar todo o carro, não terá nada. Assim, Satanás
não pode ser o equivalente maligno de Deus. É fato que Satanás tem bons
atributos, como poder, livre-arbítrio e pensamento racional, mas ele os usa
para propósitos malignos.
O resumo é que Deus não tem um
igual. Ele é o Ser infinito que é supremo sobre toda a criação. Como resultado
disso, os seres espirituais criados, se é que existem, são limitados por Deus e
não podem realizar o tipo de ato sobrenatural que apenas Deus pode fazer.
Assim, apenas por meio da
revelação natural — sem a revelação de qualquer livro religioso — sabemos que,
se existem outros seres espirituais, eles são limitados em seu poder. Por
acaso, é exatamente isso o que a Bíblia ensina.
De acordo com a Bíblia, somente
Deus pode criar a vida e dar vida aos mortos (Gn 1.21; Dt 32.39). Os magos do
faraó, que haviam imitado as duas primeiras pragas, não puderam imitar a
terceira, que criou vida (na forma de piolhos). Os magos reconheceram que a
terceira praga tinha o “dedo de Deus” (.h 8.19).
Satanás pode realizar truques
melhor que o melhor dos mágicos — e há muitos exemplos disso na Bíblia[15] -,
mas esses truques não satisfazem as exigências de um verdadeiro milagre. Como
vimos, milagres verdadeiros fazem alguém pensar mais concentradamente em Deus,
falam a verdade e promovem o comportamento moral. Sinais falsificados vindos de
Satanás não fazem isso. Eles tendem a glorificar ostensivamente a pessoa que
realiza o sinal e estão freqüentemente associados ao erro e ao comportamento
imoral. Eles também não podem ser imediatos, instantâneos ou permanentes.
Em
resumo, somente Deus realiza milagres verdadeiros; Satanás realiza milagres
falsos. É exatamente sobre isso que a Bíblia fala em 2Tessalonicenses 2.9, em
que Paulo escreve que “a vinda desse perverso é segundo a ação de Satanás, com
todo o poder, com sinais e com maravilhas enganadoras”. Naturalmente, a não ser que
haja discernimento, tais sinais podem ser enganadores e serem considerados
milagres verdadeiros (Mt 24.24).
A tabela 8.3 resume as
diferenças entre um milagre divino e um sinal satânico:[16]
Milagre divino
|
Sinal satânico
|
||
•
|
Ato realmente sobrenatural
|
•
|
Apenas um ato supranormal
|
•
|
Sob o controle do Criador
|
•
|
Sob o controle da criatura
|
•
|
Nunca associado ao
ocultismo
|
•
|
Associado ao ocultismo
|
•
|
Ligado a Deus
|
•
|
Freqüentemente ligado a
deuses panteístas ou politeístas
|
•
|
Associado à verdade
|
•
|
Associado ao erro
|
•
|
Associado ao bem
|
•
|
Associado ao mal
|
•
|
Envolve profecias
verídicas
|
•
|
Envolve profecias
mentirosas
|
•
|
Glorifica o Criador
|
•
|
Glorifica a criatura
|
No
livro Anatomy of an Illness [Anato
mia de uma doença], Norman Cousins descreve em detalhes de que maneira ele
literalmente riu muito de si mesmo por causa do câncer. É fato que o estresse
mental pode ter um impacto negativo na saúde física, enquanto ter uma atitude
mental positiva, fé ou felicidade podem provocar um efeito positivo e
terapêutico (cf. Pv
17.22).
Contudo, existem algumas
condições patológicas — como ferimentos na espinha dorsal ou membros amputados
— que não podem ser curados pela força da mente sobre a matéria, porque não são
doenças psicossomáticas. Seria preciso acontecer um verdadeiro milagre para que
estas lições fossem curadas.
O resumo é que as curas
psicossomáticas são por sua natureza, psicológicas, e não sobrenaturais. Elas
são provas de que a mente pode ter um impacto limitado mas significativo sobre
o corpo. Não devem ser confundidas com milagres.
Mágica. Talvez o tipo mais
familiar de fatos incomuns seja a mágica. A mágica está baseada na destreza das
mãos ou na distração da mente. Um bom mágico pode fazer você pensar que ele
cortou uma mulher ao meio, que tirou um coelho de uma cartola ou que fez um
elefante desaparecer. Mas tudo é uma ilusão, um truque muito inteligente. Uma
vez que se descobre como o truque é feito, você diz: “Puxa, por que não pensei
nisso?”. Sendo um truque executado pelo controle humano, a mágica não é um
milagre. Só Deus pode realizar um milagre.
Anomalias.
Uma anomalia é um capricho não explicado da natureza. Houve um tempo, por
exemplo, em que os cientistas não podiam explicar de que maneira uma abelha do
tipo Bombus Apidae podia
voar. Suas asas eram pequenas demais para o tamanho do seu corpo. Os cientistas
consideraram o vôo da abelha uma anomalia até que descobriram um tipo de
“pacote de força” que compensava as asas pequenas. Eles sabiam que não era um
milagre por causa do padrão observável: todas as abelhas voavam. Assim,
continuaram procurando uma explicação natural e, por fim, a encontraram.
O cético poderia perguntar:
“Então por que a ressurreição de Jesus Cristo não poderia ser considerada uma
anomalia?”. Porque ela foi predita. Havia um projeto inteligente por trás dela
— as impressões digitais de Deus estavam em todo lugar. As anomalias não estão
conectadas a afirmações verdadeiras e inteligentes e carecem de dimensões
morais e teológicas. Se a ressurreição de Cristo realmente aconteceu, ela não
foi uma anomalia.
POR QUE NÃO VEMOS MILAGRES BÍBLICOS NOS
DIAS DE HOJE?
Atualmente muitas pessoas
possuem uma visão provinciana da história e da experiência humana. “Se eu não
vir certos fatos acontecendo hoje”, pensam elas, “é porque eles provavelmente
nunca aconteceram”. É óbvia a implicação disso para os milagres, a saber: “Se
não existem milagres públicos e da mesma qualidade dos milagres bíblicos
acontecendo hoje (e que, se estivessem acontecendo, seriam mostrados no Jornal
Nacional), então por que eu deveria acreditar que aconteceram no passado?”. É
um questionamento bastante justo.
Contudo, existe um conceito
errado muito comum por trás dessa questão. É a crença de que a Bíblia está
cheia de milagres que aconteceram continuamente por toda a história bíblica.
Isso é apenas parcialmente verdadeiro. É verdade que a Bíblia está cheia de
milagres, acontecidos em cerca de 250 ocasiões diferentes.[17] Mas a maioria
desses milagres aconteceu em janelas históricas muito pequenas, durante três
períodos distintos: durante a vida de Moisés, Elias e Eliseu, de Jesus e dos
apóstolos. Por quê? Porque aqueles foram momentos quando Deus estava
confirmando uma nova verdade (revelação) e novos mensageiros que portavam
aquela verdade. [18]
Se a maioria dos milagres está
concentrado ali, o que está acontecendo em termos de milagres durante os outros
períodos que a Bíblia abrange? Nada. De fato, existem grandes espaços do
período bíblico (até mesmo centenas de anos) em que não há registro de milagres
vindos de Deus. Por quê? Porque não havia nenhuma palavra nova vinda de Deus, e
a maioria dos milagres confirmava alguma nova palavra vinda de Deus.
Sendo assim, por que não vemos
milagres bíblicos hoje? Porque se a Bíblia é verdadeira e completa, Deus não
está confirmando nenhuma nova revelação e, assim, não tem o propósito principal
de executar milagres hoje. Não há uma nova palavra vinda de Deus que precise
ser confirmada por Deus.
Agora,
não nos interprete mal aqui. Nós não estamos
dizendo que Deus não pode realizar milagres hoje ou que ele nunca possa
fazê-la. Como soberano Criador e sustentador do Universo, ele pode realizar um
milagre em qualquer momento que desejar. A questão é que simplesmente pode não
ter uma razão para mostrar publicamente o seu poder como fazia durante os
tempos bíblicos porque todas as verdades que ele queria revelar já foram
reveladas e confirmadas. Tal como uma casa, a fundação só precisa ser
construída uma única vez. Os milagres bíblicos foram atos especiais de Deus que
lançaram o fundamento de sua revelação permanente para a humanidade.
RESUMO E CONCLUSÃO
1.
As características essenciais do Deus bíblico podem ser
descobertas sem a Bíblia, por meio da revelação natural — conforme manifestada
nos argumentos cosmológico, teleológico e moral. Esses argumentos, que são
apoiados por evidências bastante fortes, mostram que este é um Universo teísta.
Uma vez que este é um Universo teísta, apenas as religiões teístas — judaísmo,
cristianismo e islamismo — passaram “na prova’ da verdade até este momento.
Todos os não teísmos são construídos sobre um fundamento falso porque estão errados
quanto à existência e à natureza de Deus.
2.
Uma vez que Deus existe, os milagres são possíveis. De fato, o
maior milagre de todos — a criação do Universo do nada — já aconteceu, o que
significa dizer que Gênesis 1.1 e todos os outros milagres na Bíblia são dignos
de crédito. Argumentos contra os milagres fracassam porque estão baseados em
pressuposições filosóficas falsas, em vez de basear-se na evidência da
observação. O resultado é que eles fracassam na desaprovação dos milagres. Deus
pode intervir no Universo que criou a despeito do que David Hume diz.
3.
Um milagre verdadeiro seria um ato que somente Deus poderia
realizar, significando que ele incluiria características divinas como poder
sobrenatural, projeto inteligente e a promoção do comportamento moral. Por meio
dessas características, os milagres podem ser diferenciados de outros tipos de
fatos incomuns como providência, sinais satânicos, curas psicossomáticas,
mágica e anomalias.
4.
Devido à sua natureza moral, é de esperar que Deus comunique
seus propósitos específicos a nós em mais detalhes (i.e., além da revelação
natural, indo para a revelação especial). Deus poderia usar milagres como seu
sinal para confirmar essa revelação especial feita a nós. Usado dessa maneira,
um milagre é um ato de Deus para confirmar uma mensagem de Deus.
Nossa única pergunta neste
momento é: “Deus usou milagres para confirmar o judaísmo, o cristianismo ou o
islamismo?”. Essa é a pergunta que vamos começar a responder no capítulo
seguinte.
[1] Esse Ser é ele, não algo; é
uma pessoa, não uma coisa. Sabemos que esse Ser possui personalidade porque fez
algo que apenas as pessoas podem fazer: ele fez uma escolha, a saber: optou por
criar.
[2] V.
Francis BECKWITH et ai. The Counterftit Cospel 01 Mormonism. Eugene, Ore.: Harvest,
1998, capo 2.
[3] The Screwtape Letters. Wesrwood,
N.].: Barbour, 1961, p. 46 [a publicação pela Edições Loyola faz uso da
designação aqui indicada: As cartas do coisa-ruim (N. do E.)].
[4]
“Miracles”, in: The Encyclopedia of Philosophy, Paul Edwards, ed., vol. 5.
New York: Macrnillan & Free Press, 1967, p. 346.
[5]
Extraído da fita de áudio intitulada “Worldviews in Conflict”, da Conferência
de Apologética de 2002 do Sourhem Evangelical Seminary. Fita AC0213. Disponível on-line em
http://www. impactapologetics.com.
[6] É
comum ouvirmos cristãos tentando explicar a história miraculosa de Jonas
apelando para relatos supostamente verdadeiros de pescadores que sobreviveram
dentro de baleias durante algum tempo. Mesmo se os eventos forem verdadeiros,
eles são completamente irrelevantes. A história de Jonas tem o propósito de ser
miraculosa, a saber: alguma coisa que somente Deus poderia fazer. Certamente um
homem não sobreviveria dentro de um grande peixe durante três dias e seria
vomitado numa determinada praia a não ser por um ato de Deus. Se isso parece
incrível porque o mundo não funciona regularmente dessa maneira, então tudo foi
feitopara ter essa aparência! Um milagre não é um milagre se puder ser
explicado por meios naturais. O resumo é que o Deus que realizou o maior
milagre de todos — a criação do Universo, grandes peixes e seres humanos — não
teria tido nenhum problema em orquestrar o milagre de Jonas.
[7] Miracles. New
York: Macmillan, 1947, p. 106 [no prelo pela Editora Vida].
[8] Diferentemente das leis
morais, as leis naturais não estão baseadas na natureza de Deus e, sendo assim,
são mutáveis. Embora Deus não possa violar leis morais — porque ele é o padrão
imutável de moral idade -, pode mudar ou interromper leis naturais como quiser.
De fato, Deus poderia ter criado a realidade física, incluindo as leis
naturais, o ambiente natural e os seres vivos, com características
completamente diferentes das que temos hoje.
[9]
Disponível on-line em
http://hcs.harvard.edu/~gsascf/shield.html. Acesso em 1° de junho de 2003.
[10] A maioria das pessoas
acredita falsamente que, quanto mais vezes tenham jogado na loteria no passado,
maiores são suas chances de ganhar desta vez. Não importa quantas vezes uma
pessoa tenha jogado na loteria no passado, cada sorteio é um evento único que
não é afetado pelas apostas anteriores. A probabilidade de acerto é uma em 76
milhões (ou quaisquer que sejam as probabilidades de um jogo em especial) a
cada vez. Hume sugeriria que a repetida experiência passada de perder deveria
fazer você não acreditar caso realmente ganhasse. Mas se um dia você ganhar,
então realmente ganhou, a despeito do fato de que possa ter perdido milhares de
vezes no passado. Do mesmo modo, um milagre pode acontecer independentemente de
quantas vezes não tenha acontecido no passado.
[11] Miracles, p.
105.
[12]
Revisado e publicado com o novo título Miracles and the Modern Mind. Grand Rapids, Mich.:
Baker, 1992.
[13]
Você poderá encontrar uma discussão detalhada em Norman GEISLER, Signs and Wonders.
Wheaton, Ill.: Tyndale, 1988, capo 8. V. tb. Norman
GEISLER, Enciclopédia de apologética. São
Paulo:
Vida, 2002.
[14] Na
Bíblia: Êx 4.1-5; Nm 16.5s; 1Rs 18.21,22; Mt 12.38,39; Lc 7.20-22; Jo 3.1,2; At
2.22; Hb 2.3,4; 2Co 12.12. No Alcorão: surata
3.184, 17.102; cf. surata 23.45.
[15]
Você poderá encontrar uma discussão detalhada em GEISLER, Signs andWonders, caps.
7 e 8. V. a lista nas p. 107-8 (esgotado).
[16]
Você poderá encontrar mais detalhes sobre este assunto lendo o artigo de onde
este quadro foi extraído: “Milagres Falsos”, in: Norman GEISLER. Enciclopédia de apologética. São
Paulo: Vida, 2002, p.574-8.
[17] Em algumas dessas
ocasiões, foram realizados múltiplos milagres. Lê-se, por exemplo, que Jesus
curou “muitos” diversas vezes, normalmente pessoas da cidade que estavam à
volta (e.g., Mc 1.34; 3.10; 6.56; Lc 5.15; 6.18; 9.11). Os apóstolos realizaram
vários milagres em uma única ocasião também (At 5.16; 8.7; 19.11,12).
[18] Teologicamente, os três
grandes períodos de milagres tiveram certas coisas em comum. Moisés precisou de
milagres para libertar Israel e sustentar um grande número de pessoas no
deserto (Êx 4.8). Elias e Eliseu realizaram milagres para libertar Israel da
idolatria (v. 1Rs 18). Jesus e os apóstolos fizeram milagres para confirmar o
estabelecimento da nova aliança e sua oferta de libertação do pecado (Hb
2.3,4).
Extraído do livro “Não tenho fé
suficiente para ser ateu” – Norman Geisler & Frank Turek
VEJA MAIS WWW.AVIVAMENTONOSUL21.COMUNIDADES.NET
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