terça-feira, 20 de maio de 2014

FALSAS DOUTRINAS



Corrupções da doutrina bíblica
(1ª parte)

Modismos teológicos de nossos dias e seus contrassensos à luz da Bíblia
Doutrina bíblica é um ensino normativo, terminante, final, extraído das Sagradas Escrituras e concernente à fé em Deus e à prática da vida cristã. Esse ensino deve ser desdobrado em pormenores e embasado com a apropriada referenciação bíblica. Ela é chamada de "a sã doutrina" (Tt 2.1). 

A falsificação da doutrina ocorre quando se formula doutrina antibíblica, se perverte a sã doutrina com falsa base em textos bíblicos mutilados e quase sempre isolados do seu contexto. Isso é distorção, aberração, adulteração, desvio, inovação e trucagem das verdadeiras doutrinas bíblicas.
O surgimento cada vez maior de doutrinas falsas é um sinal dos tempos (1Tm 4.1; 2Pe 2.1; 1Jo 4.1; Cl 2.22; Mt 24.11 e 15.9). 

A distorção da doutrina bíblica vem em grande parte das igrejas neopentecostais e de outros grupos similares. Também vem das seitas falsas, como Ciência Cristã, Igreja Local, Igreja da Unificação, Igreja Messiânica, Testemunhas de Jeová, Mormonismo, Tabernáculo da Fé, Voz da Verdade, Igreja "Só Jesus" etc. 

Grande parte dos falsos ensinos está relacionada às operações, ministérios e manifestações do Espírito Santo. Escrevendo a Timóteo, o apóstolo Paulo falou sobre os desviados da doutrina (2Tm 2.18; 4.4). 

Vejamos as facetas da falsificação da doutrina

a) 
Falsos ensinos – São doutrinas bíblicas falsificadas, adulteradas.
b) 
Falsas doutrinas – São pseudo-doutrinas, doutrinas forjadas. Nunca foram doutrinas bíblicas. Isso está surgindo até dentro da Assembléia de Deus.
c) 
Falsas religiões – São religiões antibíblicas que vêm dos primórdios da humanidade. Às vezes mudam de nome, mas o conteúdo é o mesmo.
d)
 Falsas seitas – É um falso movimento religioso derivado de uma ou mais religiões, verdadeiras ou falsas.
e)
 Falsos princípios, ideias e crenças filosóficas – Uma ramificação de falsas idéias no campo religioso-filosófico.

Vejamos, a partir de agora, um exemplário parcial de corruções da doutrina bíblica.

"Amarrar o Inimigo"


Há pessoas que pensam que através de frases feitas, jargões, lemas, slogans e gritos podem "amarrar" Satanás e seus demônios. O Inimigo, na verdade, zomba de tal mecanicismo. Não é assim que se "amarra" o Inimigo, conforme podemos conferir em Marcos 3.27 e Mateus 12.29. Isso é divulgar os demônios e explorar a credulidade pública, levando o povo a uma maléfica crendice, uma forma de curandeirismo e pajelança. 

“Amarra-se” realmente o Inimigo pela fé em Cristo, quando assumimos a nossa posição em Cristo e reivindicamos a Sua vitória e a Sua autoridade, que é suprema, sobre o Inimigo (Jo 14.20; Ef 1.3,20-22 e 2.6; Cl 2.15; 2Co 2.14 e 10.4-5; Mc 16.17; Fp 3.10 e 4.13).

Arrebatamento em grupo

Os casos de arrebatamento mencionados na Bíblia foram todos para fins específicos, conforme o propósito de Deus: (1) Paulo, duas vezes (At 22.17 e 2Co 12.2); (2) Pedro, uma vez (At 10.10); (3) João, uma vez (Ap 1.10). 

Casos como o de Felipe, o evangelista, e os de Enoque, Elias e Ezequiel, não são de arrebatamento no sentido em que estamos tratando aqui. Os "arrebatados" em grupo, ao "retornarem", relatam visões fantasiosas, infantis, absurdas e, acima de tudo, antibíblicas.

Batismo no Espírito Santo sem a manifestação de línguas


As línguas "conforme o Espírito Santo concede" são a evidência física inicial desse glorioso batismo, conforme seu padrão em Atos 2.1-4; 10.44-47 e 19.1-7. É a lei da primeira referência, da Hermenêutica. Os promotores desse batismo sem línguas são algumas igrejas neopentecostais e o povo da renovação católico-carismática.

Batismo em águas só em nome de Jesus


É uma forma de unicismo herético. Consiste em negar o Deus Trino. "Em nome de Jesus" refere-se à autoridade divina dada pelo Senhor para a igreja batizar, como podemos ver em Atos 2.38; 8.16; 10.48 e 19.15. A fórmula bíblica para batizar é a dada pelo Senhor Jesus, como a temos em Mateus 28.19: "Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo".

Cair no Espírito


"Cair no Espírito" é cair e ficar inconsciente; cair não subjetivamente; cair à toda hora; cair em grupo; cair por manipulação de alguém esperto, e ainda mais citando textos bíblicos truncados. Há, por exemplo, uma má compreensão e interpretação de João 20.22, que relata o momento em que Jesus soprou sobre seus discípulos e disse: "Recebei o Espírito". Há quem acredite no poder do toque ou do sopro que derruba as pessoas de tal forma que o fenômeno passa a ser centro das atenções e do culto. 

Elias tinha poder até na sua capa. Eliseu tinha poder até nos seus ossos. Pedro tinha poder até na sua sombra. Paulo tinha poder até nas suas vestes, mas nenhum deles jamais andou derrubando as pessoas no culto. 

Daniel e Ezequiel caíram, sim, mas prostrados. É diferente. Não foram derrubados de modo ostensivo. João, o apóstolo, caiu prostrado ante a glória da majestade divina. Também é algo absolutamente diferente. "O Senhor levanta a todos os abatidos", Sl 145.14. 

Corrupções da doutrina bíblica
(2ª parte)

Modismos teológicos de nossos dias e seus contrassensos à luz da Bíblia
Como informamos na semana passada, daremos agora continuidade à lista de corrupções doutrinárias mais comuns em nossos dias.

Ceia do Senhor


Há quem celebre a Ceia do Senhor somente com pães asmos. Alguns distribuem a Ceia para todos os presentes indistintamente, tanto para crentes como para não-crentes. Outros há que só a celebram com um pão único e gigante ou a servem com vinho embriagante, alegando que a palavra "vinho" está relacionada à Ceia na Bíblia. 

Ainda temos outro grupo, que transforma a Ceia do Senhor em um "festival santo", sob a alegação de que ela equivale ao "ágape" dos cristãos primitivos. Tudo isso são inovações descabidas e antibíblicas.

Confissão positiva

Também conhecida como teologia da prosperidade, evangelho da prosperidade ou movimento da fé. Ensina que o crente que sofre doenças, revezes, contratempos, prejuízos, desastres, provações, tribulações e pobreza sofre tudo isso porque: 

a) Ou está em pecado diante de Deus;
b) Ou não confia em Deus;
c) Ou é infiel a Deus;
d) Ou ainda não dá abundantemente das suas finanças, bens e tempo para Deus e Sua obra. 

Esses pregadores são peritos em tomar versículos isolados dos seus contextos e ensiná-los erradamente (Sl 34.19; 91.15; 119.67,71,75; Jo 16.33; At 14.22; Rm 8.17-18; 1Pe 5.10; 2Tm 3.12; Dt 15.4-5,11 e Jo12.8). 

Se em Marcos 10.30 encontramos a promessa "Que não receba cem vezes tanto já neste tempo", o mesmo texto acrescenta "com perseguições". Se em Hebreus 11.34 se diz que os heróis da fé "escaparam do fio da espada", no versículo 37 se diz que outros heróis foram "mortos ao fio da espada". 

Além das distorções, há também os flagrantes e comprovações de fraudes, truques, falcatruas, trapaças e extorsões entre apologistas da confissão positiva.

Cura interior

No início, há algumas décadas, o assunto cura interior era abordado de forma biblicamente correta, mas hoje tem sido totalmente desvirtuado pelos inovadores, copiadores, neopentecostais, carismáticos e até por gente da Assembléia de Deus. Tudo por falta de estudo sério e honesto das Sagradas Escrituras. 

Hoje, a cura interior, como ensinada em cruzadas, seminários, livros e vídeos, é antibíblica e falsa. É praticamente uma segunda experiência de conversão. Ela está levando à regressão interior e à maldição hereditária, tudo com base em falsas premissas que dizem ser existentes nas Escrituras. 

A cura interior, como vista hoje, leva a um falso Evangelho, sem poder; a um Cristo incapaz de salvar, a uma falsa salvação. 

Agora, por que muitos crentes, convertidos mesmo, padecem continuamente os alegados sofrimentos tão mencionados pelos pregoeiros da cura interior? Por vários motivos. 

a) Porque são crentes que têm ligação com igrejas e grupos antibíblicos, como Maçonaria, Igreja Messiânica, Meninos de Deus, meditação transcendental, Nova Era, LBV etc. 

b) Porque são crentes que continuam na prática de pecados conhecidos e deliberados, e ainda os defendem. Muitos praticam fornicação, adultério, aborto, roubo, jogo, homossexualismo, rebelião, negócios ilícitos e vivem em comunhão com os ímpios. 

c) Porque são obreiros enquadrados em Malaquias 2.1-3,8-9.
d) Porque são crentes que não perdoam seus irmãos de coração e se perdoam (Dt 29.18; Pv 26.24-27; Ef 4.31-32; Hb 12.15 e Mt 18.32-35).
e) Porque são crentes que guardam coisas do Inimigo em seu poder, seja em suas casas ou em seus carros e bolsos. Lembremos de Jesus em João 14.30: "E ele nada tem em mim". 

Muitos crentes, pelas razões mencionadas acima, têm feridas crônicas na alma, como mágoas permanentes, ressentimento, revolta, recalque, sentimento de culpa; sentimento de solidão, abandono e frustração; ira e ódio constantes; complexos de inferioridade, superioridade ou de derrota; amargura, rancor, trauma nervoso, medo doentio e tristeza crônica. 

Precisamos examinar profundamente Deuteronômio 21.23, Números 23.23, Isaías 54.17, Salmos 121.7 e 91.10, Jeremias 20.11, João 8.36, Gálatas 3.13, 2 Coríntios 5.17 e 10.4-5, e Romanos 5.9. 

Corrupções da doutrina bíblica
(3ª parte)

Modismos teológicos de nossos dias e seus contrassensos à luz da Bíblia
Hoje, dando seguimento ao nosso assunto, falaremos dos modismos maldição hereditária, culto de libertação e dançar no Espírito.

Maldição hereditária

Também conhecida como maldição de família, é outro ensino falso advindo da atual e antibíblica ideia de cura interior. 

A maldição hereditária, segundo seus pregoeiros, consiste em pactos de ascendentes da família feitos com demônios. Segundo eles, esses pactos, de que a pessoa pode estar ou não a par, trazem maldição para vida da pessoa. A maldição poder ser também pragas invocadas, rezas, patuás, "mau olhado" etc. Esse falso ensino decorre da má compreensão e interpretação de Êxodo 20.5 e 24.1-8; Levítico 26.39; Números 14.18 e Deuteronômio 30.19. 

Contra esse ensino temos os textos claros de João 8.36; 2 Coríntios 5.17; Gálatas 3.13; Isaías 54.17 e todo o salmo 91. 

Os adeptos desse ensino praticam a chamada "quebra de maldição". Ora, a maldição sem causa não virá. Praga sem motivo não funciona: "Como pássaro que foge, como a andorinha no seu vôo, assim a maldição sem causa não se cumpre", Pv 26.2. Às vezes, um verdadeiro crente que se envolve com esse tipo de ensino é uma "casa desocupada", e podemos ver o resultado disso em Mateus 12.43-44. 

É sempre uma tragédia espiritual um filho de Deus viver vazio espiritualmente, isto é, vazio do Espírito Santo, da Palavra de Deus, da oração, da fé, enfim, da presença do Senhor em sua vida. Um tal crente pode facilmente cair nas mãos desses assaltantes da alma. 

A maldição hereditária leva à regressão interior, que já é puro ocultismo. É a farsa diabólica da "bilocação" do indivíduo. É o que diz o Salmo 42.7: "Um abismo chama outro abismo".

Culto de libertação

Em todo culto genuíno a Deus, Jesus quer e pode libertar. Os grupos neopentecostais, contudo, criaram essa reunião "Culto de Libertação", e a Assembléia de Deus, infelizmente, hoje a copia. 

Em Mateus 18.20, Jesus garante: "Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles". Em textos como Atos 11.15 e 1 Coríntios 14.26 vemos que não se precisa de cultos específicos para que o Senhor opere. Em Lucas 5.17, lemos: "E aconteceu que, num daqueles dias, estava ensinando, e estavam ali assentados fariseus e doutores da lei, que tinham vindo de todas as aldeias da Galiléia, e da Judéia, e de Jerusalém. E a virtude do Senhor estava com Ele para curar". Ora, tratava-se aqui de uma reunião de ensino da Palavra. Jesus estava ensinando. Não estava pregando ou orando.

Dança no Espírito

Nem no Antigo Testamento nem no Novo Testamento encontramos tal ensino. A dança em Israel, mencionada na Bíblia, fazia parte da cultura do povo e era patriótica. Consistia em ficar pulando e saltitando ritmicamente em volta de si mesmo ou de outras pessoas. Às vezes, os israelitas ficavam de mãos dadas, mas sempre homens e mulheres separadamente. 

Miriã dançou de alegria uma vez pelo prodígio divino da travessia do Mar Vermelho a seco, quando Israel saiu do Egito. Em Lucas 15.25, numa parábola, o pai do pródigo é mencionado dançando de alegria por reaver o filho perdido. 

O corinho que diz "Eu danço como Davi" não tem razão de ser, porque Davi dançou patrioticamente (2Sm 6.14-16), e os adeptos da dança hoje querem dançar no culto. Davi dançou na rua, no desfile do translado da Arca da Aliança (2Sm 6.16 e 1Cr 15.29), mas os que querem dançar hoje utilizam o local do culto.

"E o espírito volte a Deus"

"E o espírito volta a Deus, que o deu", Ec 12.7. Os universalistas, falsificadores de doutrina, partindo desse texto isolado, ensinam que Deus dará um jeito para, no fim, salvar pelo menos o espírito da pessoa. Dizem que os espíritos de todos os ímpios que morreram sem salvação serão recolhidos ao Céu. 

Esse ensino é falso. Basta verificar a analogia geral das Escrituras no tocante a salvação dos perdidos. Além disso, "voltar a Deus", ali, tem o sentido de "após a morte, ficar sob o controle direto de Deus". Ao morrer alguém, seu espírito e alma não ficam perambulando à vontade de cada um, por onde quiserem, como viviam antes na Terra. Jesus é o Senhor dos mortos também (Rm 14.9). Em Atos 10.42, na pregação na casa de Cornélio, Pedro afirmou ter Jesus sido constituído juiz dos vivos e dos mortos. 

A pessoa que é salva por Jesus, ao morrer, vai imediatamente para o Céu. Se uma pessoa sem Jesus morrer, vai diretamente para o Hades (um tipo de inferno, onde tal pessoa, já em sofrimento, aguardará o julgamento final).

Fé residente no homem

Os pregadores modernistas inventaram uma fé imanente, latente no homem. Lamentavelmente, há alguns pregadores assembleianos que inadvertidamente têm pregado a mesma coisa. 

Romanos 10.17 diz: "A fé vem pelo ouvir; e o ouvir pela Palavra de Deus". Em Romanos 12.3, Paulo ensina que Deus repartiu a fé a cada um. Em Efésios 2.8, encontramos: "E isto não vem de vós; é Dom de Deus". No original grego, a expressão traduzida como "isto" está no plural. Isto é, a fé para crermos em Deus vem Dele mesmo, para que ninguém se glorie de ter ajudado a Deus. 

Em Hebreus 12.2, a Palavra de Deus afirma que Jesus é "o autor e consumador da fé". Então, ficamos com a Bíblia ou com eles? 


Corrupções da doutrina bíblica
(4ª parte)

Modismos teológicos de nossos dias e seus contrassensos à luz da Bíblia
Hoje, falaremos sobre os modismos da guerra espiritual, dos jogos de azar na igreja, do monofisismo e das corrupções da música na igreja.

Guerra espiritual

Também é conhecida como "batalha espiritual". O que muitos estão chamando de guerra espiritual é um logro do inimigo, e não a verdadeira guerra ou luta espiritual de que fala Paulo em Efésios 6.10-18, e muitas outras passagens correlatas da Bíblia. 

De nada adianta o uso de uniformes especiais, palavras de ordem (como “queimar” ou “pisar” Satanás e seus domônios), certos cânticos repetidos indefinidamente, jejuns encomendados, locais especiais de reuniões (como orar em montes etc), convidados especiais para falar, barulho ensurdecedor e gritos estridentes, se não estivermos biblicamente em Cristo, segundo a Palavra de Deus, e no poder do Espírito Santo (Jo 15.7). 

Quanto aos demônios, o que os inovadores da doutrina estão a fazer é:
a) Impor as mãos sobre os endemoninhados (!?!)
b) Chamar endemoninhados à frente (!?!)
c) Dialogar com demônios em público (!?!) 
O demônio pode até sair, mas volta; ou entra noutra pessoa, ou ainda entra em muitas outras pessoas. 

Qual a razão desses inovadores quererem dialogar com demônios? Para ouvirem confissões tétricas de demônios (ou supostos demônios). Isso equivale a divulgar os demônios, e é isso o que eles querem. 

Jesus mandou-nos chamar os pecadores e expulsar os demônios. Hoje estamos vendo certos pregadores chamando os demônios e expulsando os pecadores. Sim, porque estes saem das reuniões confusos, sem saber se estavam num culto legítimo ao Senhor ou numa sessão espírita. 

A chamada guerra espiritual, como está no momento caracterizada, é uma falsa operação divina. Há libertação de demônios, profecias e milagres falsos. 

Sobre falsas profecias, o Mestre já nos advertiu. Em Mateus 7.22-23, encontramos Jesus fazendo referência a pessoas que não serão aceitas pelo Senhor apesar de colocarem: “Não profetizamos nós em teu nome?” Isso também tem a ver com falsos pregadores. Sobre falsa libertação de demônios, no mesmo texto encontramos: “E em teu nome não expulsamos demônios?” A resposta do Senhor foi a mesma (Mt 7.23). O evangelista deve atentar para isso. Sobre falsos milagres, no mesma porção bíblica temos: “E em teu nome não fizemos muitas maravilhas?” A resposta foi idêntica (Mt 7.23). Sobre isso podemos também ver 2 Tessalonicenses 2.9-11 e Apocalipse 13.13-14.

Jogo de azar

Esse tipo de jogo é assim chamado porque depende do acaso, da sorte. Um só ganha e todos os demais perdem. Tal princípio, conceito ou procedimento não tem qualquer aval das Escrituras. É o caso da loteria, jogo do bicho, roleta, jogo de cartas, apostas, rifas e raspadinhas.  

Os princípios bíblicos de meio de vida e de trabalho, em geral, conflitam abertamente com o jogo (Gn 3.19; Ex 20.9; Lv 19.13; Pv 10.22; Jr 22.13; 1Co 6.12 e 10.31; Mt 20.2; 2Ts 3.8-12 e 1Ts 5.22).
Um verdadeiro crente foge de qualquer tipo de jogo.

O monofisismo modificado da atualidade 

Isso diz respeito a Jesus, sua divindade e humildade; a natureza divina e a humana perfeita do Senhor. 

Falsas doutrinas nesse particular vêm dos primórdios do cristianismo: arianismo, eustaquianismo, nestorianismo etc. 

Dizem os falsificadores da doutrina, inclusive alguns professores de seminários teológicos, que “quando Jesus tomou forma humana e encarnou-se, deixou sua natureza divina no céu; e quando Ele voltou para o céu, deixou aqui a sua natureza humana”. 

Na sua encarnação, Cristo, sendo Deus, tornou-se “Filho do Homem” (como Ele costumava chamar-se a si mesmo). No glorioso e grandioso mistério da sua encarnação, Ele limitou-se voluntariamente de parte de seus atributos divinos, mas não da sua natureza divina, Nele imanente como Deus. Assim, Ele era (e continua a ser) o perfeito Filho de Deus e o perfeito “Filho do Homem” (Is 9.6; Mt 28.19; Jo 1.1,14; 3.13; 14.9 e 10.30; Lc 24.39-40; Rm 9.5; Cl 2.9; 1Tm 2.5; Hb 1.8 e Ap 1.13,18). É a kenosis de Jesus, conforme Filipenses 2.7-8, expressão grega traduzida em português por “aniquilou-se a si mesmo” e “humilhou-se a sim mesmo”. 

A autolimitação voluntária de Jesus, ao tomar corpo humano na sua encarnação, é um dos grandes mistérios da revelação divina, que só compreendemos em parte (1Tm 3.16).

Corrupção da música na igreja

A oração e o ministério da Palavra foram praticamente substituídos hoje pelo cântico nas igrejas. O ministério da Palavra a que me refiro é a pregação e  o ensino da Palavra. 

Os neopentecostais e os “renovados” ensinam que “a mais elevada forma de oração é o louvor”. Isso é  falsificação da doutrina. Como resultado, as antigas vigílias de oração da Assembléia de Deus foram transformadas em “vigílias de louvor”, que no final das contas nem é vigília e nem louvor, no sentido estrito destes termos. 

Qual é a procedência dessas músicas? A maioria esmagadora vem dos neopentecostais (alheios à doutrina bíblica). Também vêm do movimento espúrio “Voz da Verdade”, que, entre outras coisas, é unicista; dos mórmons, que são heréticos; dos carismáticos, que são “joio no meio do trigo”, e dos adventistas, que são exímios torcedores da Palavra de Deus. 

A corrupção da música sacra em nosso meio ocorre por não haver seleção, critérios de aceitação e nem aferição com a Palavra de Deus, como fizeram os bereanos em Atos 17.11, “examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim”. Vejamos as manifestações dessa corrução: 

a) 
Corrução na letra das canções: A letra, via de regra, não tem Bíblia nem mensagem para a alma. Também não tem métrica, e a letra é geralmente péssima.
b) 
Corrução na melodia da canção: Não tem seqüência melódica, frase musical e tema musical. São idênticas às melodias do mundo, sem nada de solene.
c) 
Corrupção no ritmo da canção: Ritmo irreverente, puramente secular, coisa que o mundo faz muito melhor do que a igreja quando esta o copia. Ritmo ou cadência é o movimento interativo dos sons.
d) 
Corrupção no andamento da canção: Andamento é a rapidez da execução dos sons na música. O andamento nessas músicas, via de regra, não tem nada de espiritual, nem solene, nem sacro.
e) 
Os autores dessas músicas: Devem ser adeptos desse evangelho frouxo que hoje surge por toda parte, que fala em “liberdade” quando eles mesmos são escravos, como diz a Bíblia em 2 Pedro 2.19. Se esses autores fossem realmente homens e mulheres de Deus vivendo e andando no seu temor, jamais fariam tantos desvios nas músicas que produzem.
f) 
O efeito dessas músicas: São espiritualmente negativas. Seu efeito é nulo. São músicas que, cantadas, tocadas e recitadas, não elevam a alma a Deus, não predispõem o espírito a adorar a Deus, não inspiram, não preparam espiritualmente o ambiente à manifestação divina, não levam o povo salvo a glorificar a Deus “em espírito e em verdade”. 


Corrupções da doutrina bíblica
(5ª parte)

Modismos teológicos de nossos dias e seus contrassensos à luz da Bíblia
Hoje, encerramos esta série sobre as corrupções da doutrina bíblica. Hoje, falaremos de nova unção, salvação legalista, riso no Espírito e outros mais.

“Nova unção”

Deus restaura, sim, a nossa unção recebida Dele, mas isso não significa “uma nova unção”, como estão propalando, inclusive figuras internacionais do movimento pentecostal. 

A Bíblia fala da unção coletiva do Espírito Santo sobre os membros do Corpo de Cristo, composto por aqueles que são regenerados pelo Espírito (2Co 1.21 e 1Jo 2.20,27). É chamada a “unção do Santo” (1Jo 2.20). Ela nos separa do mal, nos santifica para Deus e para o seu uso. Nada de mistura com o mal, com as trevas com o pecado. 

Essa unção, de que fala a Palavra de Deus, fica em nós: “Fica em vós”, 1Co 2.27. É unção que permanece e que ensina: “A sua unção vos ensina”, 1Jo 2.27. “Que vos ensina todas as coisas”, pois o Espírito sabe todas as coisas (1Jo 2.20). 

As Escrituras ainda nos dizem que é unção que não mente: “E não é mentira” (1Jo 2.27). Ela não contém engano, logro, fraude, falsidade, truque, desonestidade. 

O termo unção, na Bíblia, remete para óleo, azeite, símbolos do Espírito Santo.

Salvação legalista

Salvação legalista é inexistente. É a salvação mediante legalismo humano, um insulto a Deus (Is 64.6). É a pretensa salvação mediante obras humanas.
Essa "salvação" consiste na mera prática dos deveres de uma religião. Segundo essa falsa doutrina, a simples prática de boas obras e de bons hábitos são o suficiente para a salvação e para a conservação da salvação. Porém, o salvo deve praticar boas obras, porque já é salvo e santo, e não para ser salvo e santo (Ef 2.9; Rm 3.28; Gl 2.16; Fp 3.9 e Ap 14.13). 

Sim, a nossa fé em Deus é demonstrada perante o mundo pelas nossas boas obras como salvos, nosso bom testemunho e boa conduta como povo santo do Senhor (Tg 2.17,24). Efésios 2.10 diz que as boas obras existem “para que andássemos nelas”. 

Um cristianismo evangélico “fácil”, de superfície, de fachada, epidérmico, de brincadeira, sem renúncia ao mundanismo e ao pecado; sem preço, sem peso espiritual, sem santidade bíblica, sem um santo testemunho perante a igreja e o mundo é falso. 

A igreja deve ter preceitos, sim. Em I Coríntios 11.2 e 2 Tessalonicenses 2.15 encontramos a palavra grega paradosis, que significa preceitos, e que devem ser observados.

Ordenação de mulheres ao ministério

Não há qualquer fundamento doutrinário para a ordenação de mulheres ao ministérios nas Sagradas Escrituras. 

Os alegados casos de Febe (Rm 16.1), Júnia (Rm 16.7) e “as mulheres” (1Tm 3.11) não procedem, quando examinados a fundo e com isenção de ânimo. 

Casos como o de Mirã, a profetiza; Débora, a juiza; Hulda, a profetiza; Ana, a profetiza; as filhas de Filipe “que profetizavam”; Priscila, mulher de Áquila; Febe, que servia em Cencréia; Cloe, de Corinto; e outras mais mulheres que se destacaram no serviço do Senhor, não vêm ao caso.

Palmas nos cânticos

As palmas nos cânticos são artificiais, pois são simplesmente rítmicas, sem motivação espiritual interior, e a nossa adoração deve ser "em espírito e em verdade" (Jo 4.24). 

O sentido do texto de Salmos 47.1 não é o da explicação popular dos batedores de palmas. Para melhor entendermos essa passagem, vejamos os casos principais mencionados na Bíblia:

(1) Palmas expressando ira (Nm. 24.10; Jó 27.23 e 34.37).
(2) Palmas cívicas na coroação do rei; no caso, Salomão (2Rs 11.12).
(3) Palmas como prosopopéia (figura de linguagem), indicando alegria, regozijo (Sl. 98.8 e Is 55.12).
(4) Palmas relacionadas a julgamento, castigo (Ex 21.14.17; 25.6; Na 3.19 e Lm. 2.15).

“Riso no Espírito”

Também é conhecido como "fenômeno de Toronto". São prostrações, caídas ao chão, estremecimentos, gargalhadas histéricas e descontroladas, rolar no chão, urrar e coisas assim. 

Benny Hinn está associado a esses estranhos fenômenos, bem como outros escritores, pregadores, articulistas e conferencistas. 

Nas reuniões de “riso no Espírito”, há pouco ou nada de leitura bíblica, de pregação e ensino da Palavra de Deus. Durante essas reuniões, eles proferem repetidamente frases como:

– Não tente usar sua mente para entender isto
– Não ore agora
– Beba! Receba! Receba um pouco mais!

Ora, tudo isso é contrário aos ensinos da Palavra de Deus, pois a fé abrange a mente. Hebreus 11.3 afirma: “Pela fé entendemos”. Além disso, a nossa fé não pode depender de fenômenos deste tipo.

Unção de enfermos com óleo

Está atualmente em voga, mas sem base bíblica, a prática em certas igrejas de qualquer pessoa ungir enfermos. Há também a prática errada de ungirem objetos, roupas, lenços etc. A menção de acessórios do vestuário de Paulo, em Atos 19.12, não dá margem a isso. Ali, trata-se do registro de um fato acontecido em determinado tempo e local, e não a declaração de uma doutrina a ser seguida. 

Na Bíblia, a unção de enfermos com óleo, não era efetuada por qualquer um:

(1) Sacerdotes ungiam (Ex 28.41)
(2) Profetas ungiam (1Rs 19.16)
(3) Apóstolos ungiam (Mc 6.7,13)
(4) Presbíteros ungiam (Tg 5.4)



O verdadeiro sentido do Natal é Jesus


Envolvidos nas festas natalinas de final de ano, muitos se esquecem do verdadeiro sentido do Natal e o que ele representa para nossas vidas

Estamos vivendo a proximidade do final de mais um ano e, com ela, a chegada das festas natalinas. Como sempre, o comércio está agitado: a maioria das pessoas, envolvidas pelas campanhas publicitárias sobre as ofertas de Natal, saem avidamente às compras, cumprindo cegamente o ritual consumista de final de ano e esquecidas do verdadeiro sentido do Natal e o que ele representa para nossas vidas.

Natal não tem nada a ver com Papai Noel, guirlandas, bengalinhas de açúcar etc. Também não tem nada a ver com troca de presentes, ainda que seja um gesto agradável. E muito menos ainda tem a ver com banquetes festivos regados a muita bebida alcoólica. Não! O Natal é Cristo.

É verdade que a data do nascimento de Cristo não é 25 de dezembro, já que Jesus deve ter nascido numa noite de primavera ou, mais provavelmente, numa noite de verão, já que o texto bíblico nos informa que, na noite de Seu nascimento, os pastores estavam com as ovelhas no campo (Lucas 2.8), o que não seria possível em dezembro, que é período de inverno no Oriente Médio. A data de 25 de dezembro para celebrar o Natal foi estabelecida pela Igreja Católica no quarto século d.C., com o objetivo de substituir as festas de final de ano pagãs do romanismo, que ocorriam em dezembro, por uma celebração cristã, voltada para Cristo.

Logo, surge a pergunta: “É correto, então, celebrarmos o Natal?”. Mesmo não sendo 25 de dezembro a data exata do nascimento de Cristo, comemorar o nascimento de Jesus de forma especial em uma data é válido. Alguns cristãos preferem não comemorar a data, não por considerarem o nascimento de Cristo algo importante, mas por frisarem o fato de que, à luz da Bíblia, todos os dias devem ser dias de celebrar Jesus. Já outros cristãos reconhecem o mesmo, mas, além de agradecerem a Deus todos os dias por ter enviado Seu Filho Jesus, também celebram o nascimento de Cristo de forma especial em uma data específica. Como disse o apóstolo Paulo, “um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias; cada um esteja inteiramente convicto em sua própria mente” (Romanos 14.15).

O Natal é uma oportunidade de celebrarmos de forma especial este importante acontecimento, que foi a encarnação de Jesus, Deus que se fez carne por nós. É um culto de gratidão a Deus pela Vinda de Cristo. É também uma oportunidade de evangelização, isto é, de convidar as pessoas não-crentes a participarem de reuniões especiais onde ouvirão a mensagem da Palavra de Deus sobre as implicações e a importância do nascimento de Cristo. Inclusive, algumas igrejas, como já é de costume, preparam até cantatas natalinas e dramatizações para evangelizar de forma específica nesse período em que as pessoas estão mais sensíveis para a mensagem do Natal.

Fato é que se o Natal for celebrado, ele deve ser celebrado corretamente. Natal não tem nada a ver com Papai Noel, duendes, renas que voam, carruagens cheias de presentes, meias coloridas penduradas ou coisas parecidas. Papai Noel é uma invenção comercial, é a exploração da lenda de um monge medieval chamado Nicolau, que levantava ofertas durante o ano para comprar presentes para dar na noite de Natal às crianças de um orfanato. Em cima dessa lenda, a empresa de bebidas Coca-Cola criou, no início do século 20, o personagem Papai Noel e todos os outros personagens a ele associados, e que não têm absolutamente nada a ver com o Natal, mas que, infelizmente, acabam tomando o lugar de Jesus no coração, sobretudo, das crianças.

Natal é a celebração do maior presente de todos os tempos: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a Sua glória” (João 1.14). Jesus é Deus encarnado, Deus feito homem, que encarnou para, além de nos dar o exemplo de como devemos viver, morrer na cruz em nosso lugar, para remissão de nossos pecados. Essa foi a principal razão de Sua Vinda.

A Bíblia diz que Deus nos ama muito, mas nossos pecados nos afastam de Deus: “Vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o Seu rosto de vós, para que vos não ouça” (Isaías 59.2).

Exatamente porque “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23), não somos merecedores da comunhão com Deus e da vida eterna. Porém, a Bíblia também afirma que porque Deus nos ama tanto que providenciou a nossa Salvação. “O salário do pecado é a morte” (Rm 6.23a), mas Deus deu o Seu único Filho, Jesus Cristo, para morrer em nosso lugar. Jesus levou sobre si mesmo o castigo pelos nossos pecados, a fim de que tivéssemos direito à comunhão com Deus e à vida eterna com Ele. A Bíblia declara que Jesus foi “ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele e pelas suas feridas fomos sarados” (Is 53.5). E o próprio Jesus declara que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).

Portanto, se você aceitar Jesus Cristo como o seu único e suficiente Salvador, aceitando o sacrifício dEle na cruz do Calvário em seu favor e entregando sua vida totalmente a Ele, a Bíblia afirma que os seus pecados serão imediatamente perdoados e você terá a certeza da presença de Deus em todos os momentos de sua vida aqui na Terra, conduzindo-o e ajudando-o em tudo, além da garantia de viver para sempre com Deus na eternidade. A Bíblia declara: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1). “O dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23b).

Se você que nos lê ainda não aceitou Jesus, então o que está esperando? Aceite Jesus como seu Senhor e Salvador agora mesmo! Ele morreu na cruz do Calvário por causa dos seus pecados e ainda ressuscitou ao terceiro dia, vencendo a morte para garantir a vida eterna a você e dar um real significado à vida. Esta é a sua oportunidade! Não a desperdice! Cristo é a única esperança. NEle está o sentido da vida.


A praga do antinomianismo

Não somos salvos para viver licenciosamente, mas para viver uma nova vida em Cristo
Uma das maiores pragas a grassar o meio evangélico em nossos dias é o antinomianismo. O que vem a ser isso?

Antinomianismo é a negação da importância dos mandamentos divinos para a vida do cristão. É o extremo oposto do legalismo. É o que o apóstolo Judas denominou, na Epístola que leva o seu nome, de “transformar em libertinagem a graça de Deus” (Jd v4). O antinomianismo foi combatido por Jesus (Mt 7.15-27; Jo 14.15; 15.10,14) e pelos apóstolos – além de Judas, já mencionado, Paulo (Rm 3.31; Rm 6; Cl 3), Pedro (2Pe 2), Tiago (Tg 2.14-26) e João, em sua Primeira Epístola, combateram essa heresia. Aliás, João assevera explicitamente que escreveu sua primeira missiva para combater a influência de duas heresias gnósticas de seu tempo, a saber: a negação da divindade de Cristo e a prática do antinomianismo (1Jo 5.13).

Refletindo sobre o evangelicalismo de nossos dias no Ocidente, percebemos, infelizmente, que a influência da mentalidade pós-moderna sobre boa parte dos cristãos de hoje tem levado muitos a confundirem obediência aos mandamentos divinos com legalismo e graça com ausência de normas de conduta. Trata-se de uma torção absurda de significados.

Legalismo é, de forma geral e à luz da Bíblia, a idéia de justificação pelas obras, a fixação imprópria de regras de conduta como necessidades para Salvação e a negligência ou ignorância em relação à graça de Deus. Porém, para alguns cristãos pós-modernos, legalismo não é isso. Legalismo, imaginam, é qualquer tipo de exortação concernente à conduta moral. Por isso, para eles, “é proibido proibir”. Porém, o Novo Testamento está repleto de passagens que condenam contundentemente uma série de comportamentos (Mt 5.28-29; Sl 101.3; 1Jo 2.15-17; 2Tm 2.22; Tt 2.12; Tg 1.14; 1Pe 2.11). E se cristãos pós-modernos costumam generalizar dizendo que “tudo depende da consciência da pessoa”, a Bíblia demonstra que nem tudo é questão de consciência (Gl 5.19-25).

Olhando para o nosso país hoje, justamente por essa distorção, o vertiginoso crescimento evangélico brasileiro não é de todo alentador, já que em muitos lugares o que se vê é um cristianismo meramente nominal, influenciado pela cultura pós-moderna. São pessoas que se declaram de Deus, seguidoras de Jesus, mas cujo comportamento se choca frontalmente com os mandamentos divinos e não acham isso absolutamente nada demais. Dizem que são de Deus, mas não estão interessadas em nenhum compromisso com Seus mandamentos. Sua visão de Deus se dá apenas em termos utilitaristas ou na forma de uma “muleta” psicológica. No primeiro caso, objetivam de Deus somente bênçãos materiais e físicas (a bênção de Deus acima do Deus da bênção), fazendo de Deus o meio para um fim e não um fim em si mesmo; no segundo, tratam-nO apenas como um ser preocupado em estimular seus egos, que está disposto a diariamente ser usado por meio de palavras e gestos diários para inflar a auto-estima delas sem se “intrometer” na forma como desejam conduzir as suas vidas. Enfim, acham que Evangelho é sinônimo de auto-ajuda, nada mais.

Não nos iludamos: para ser verdadeiramente cristão, seguidor de Cristo, filho de Deus, alguém de Deus, não basta a pessoa ter apenas uma confissão de fé em Jesus. Aliás, mesmo que a pessoa tenha uma confissão de fé integralmente ortodoxa, não basta isso para ser considerada uma cristã verdadeira. Conforme o apóstolo João em sua Primeira Epístola, as evidências da verdadeira fé cristã, além de crer em Jesus como Filho de Deus (isto é, na deidade de Jesus; e crer nEle como o Cristo, isto é, o Messias – 5.1,5-12,20 –, pois aquele que não aceita Jesus como Filho de Deus não tem a vida – 5.12), são:

1) Viver segundo os mandamentos divinos (2.3-6).

2) Amar seu irmão e praticar esse amor (2.9; 3.10; 5.1).

3) Não viver na prática do pecado, mas buscar sempre e constantemente viver uma vida de santidade (3.2,3; 5.18).

4) Não amar o mundo e seu estilo de vida (2.15-17).

Segundo o crivo bíblico, quem não vive dessa forma não pode ser chamado de alguém “de Deus”.

A graça de Deus não nos libera da obrigação de obedecer às leis morais de Deus. A graça não é uma licença para a desobediência, mas a porta que Deus nos abre para a possibilidade de vivermos uma vida santa diante dEle.

A Nova Aliança inclui mandamentos, determinações, ou seja, a lei moral. Jesus, e não Moisés, disse: “Se me amardes, obedecereis os meus mandamentos” (Jo 14.15). E mais: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele” (Jo 14.21).

Em seu Sermão da Montanha, Jesus adverte-nos contra a ideia de que Ele estaria defendendo o antinomianismo. Cristo faz questão de esclarecer que nem negligenciava nem destruía a Lei, e nem tinha o intento de destruir a Lei posteriormente ao cumpri-la toda: “Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um desses mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus” (Mt 5.17-19).

O que, então, foi abolido da Lei por meio de Cristo? Quando Jesus cumpriu a Lei, foram abolidas as leis cerimoniais, que apontavam para o sacrifício de Cristo, e as leis regimentares. A lei moral, ou seja, o aspecto moral da Lei, permanece no Novo Testamento. E a questão da “maldição da Lei”, de que fala Paulo? Ela diz respeito às sanções punitivas a que estamos sujeitos por não podermos cumprir toda a Lei. Ao cumprir as exigências da Lei para nós, Cristo removeu a maldição da Lei para longe de nós, e não a Lei, isto é, os mandamentos morais de Deus para as nossas vidas. A graça de Deus não é chancela para a anarquia. Os mandamentos de Deus devem ser vividos, mas agora, como filhos de Deus, não mais como um peso.

Enfim, não somos salvos por obedecer aos mandamentos divinos, mas somos salvos para vivermos segundo os mandamentos divinos. Não somos salvos para viver licenciosamente, mas para viver uma nova vida em Cristo. Portanto, fora com o antinomianismo.


fonte cpad news


A marcante racionalidade do Cristianismo

Diferentemente do que se prega por aí, fé cristã e ciência não são incompatíveis
A história da humanidade é marcada pelo surgimento e extinção de formas exóticas de expressão religiosa. Analisar a história geral e desta delimitar a das religiões já é uma pretensão das mais ingentes, agora falar em captar o fenômeno chamado religião dentro do fluxo da existência humana exige do pesquisador a decência e a honestidade (consigo, com o objeto, com o método e com as pessoas) de deixar claro que isso só é possível após assumir que, como disse C. S. Lewis, “o resultado da pesquisa histórica depende do ponto de vista filosófico que adotamos, antes mesmo de analisar as evidências. A questão filosófica precisa, portanto, ser considerada em primeiro lugar”.

Esse pressuposto é crucial para a análise de qualquer fenômeno, pois os resultados serão, durante todo o processo, influenciados por esse fundamento inicial. Se a pesquisa parte do princípio de que tudo que existe é produto do acaso, da geração espontânea ou abiogênese, então, do ponto de vista puramente pragmático, é preciso explicar o porquê da existência de determinadas disposições que caracterizam o ser humano sem, no entanto, evidenciar qualquer necessidade biológica que as justifiquem. Em outros termos, à luz desse aspecto, não há uma razão plausível para explicar o fenômeno religioso. Em uma pesquisa séria, essa constatação levaria o estudioso a eliminar tal hipótese e aventar outra.

Perscrutando a religião (a disposição do ser humano em se relacionar com o transcendental) pelo viés da criação planejada – resultado final de um projeto inteligente, cujo Artífice criou todas as coisas com um propósito definido –, fica mais do que evidente que qualquer conclusão sobre sua origem, finalidade e desenvolvimento será totalmente marcada por essa cosmologia, concepção de mundo ou cosmovisão.

Assim, deixo clara minha posição (pela revelação bíblica, acima de tudo; pela experiência do dia a dia e até pela lógica do surgimento da religião, que confunde-se com a própria existência da humanidade e não é meramente uma construção social), de que acredito que Deus é a origem desse desejo inerente à natureza humana, e que foi Ele que insuflou-nos essa ânsia por buscar algo que transcenda a existência material e a percepção sensorial. Para citar um conhecido pensamento de Agostinho em Confissões, “Tu nos fizeste para ti mesmo, e nossos corações estão inquietos até que descansem em ti”.

Involução da religião

David Hume, um dos principais representante do racionalismo iluminista, afirmou em sua História natural da religião (1757), que parece “evidente que a primeira e mais antiga religião da humanidade foi o politeísmo”. Mas, isso não é verdade.

Muitos questionam: “Se o Deus da Bíblia realmente é o único que existe, por que não se encontra nenhum vestígio de inscrições ou figuras representativas dEle?

Qualquer leitor da Bíblia sabe muito bem que o Eterno condena qualquer tentativa de as pessoas o representarem (Êx 20.4). Pouca informação há sobre o período antediluviano, entretanto é sabido que por um tempo considerável uma geração de pessoas celebrava o culto ao Senhor, isto é, praticava o monoteísmo, o culto ao único e verdadeiro Deus (Gn 4.4,26; 5.22-24,29; 6.8,9). Sem considerar o período pré-Queda, uma época histórica imediatamente após a Criação (a qual não se sabe quanto tempo durou), que pela leitura do texto bíblico sabemos que nela o homem possuía uma interação muito próxima com o Divino e, portanto, “não havia” curiosidade acerca de Deus (Gn 3.8). Imagina-se que, após a Queda, a disposição humana em buscar o transcendental foi uma das primeiras atitudes do homem em que se percebe o seu equívoco em relação aos fenômenos da natureza e da própria existência do universo. Após o rompimento da relação com o divino, o ser humano “perde a memória”, se embrutece e, sem entender o que ocasionava trovões e relâmpagos, por exemplo, inventa uma explicação mitológica para dar conta de assimilá-los. Com isso, cria-se o politeísmo, a idéia de que existia um deus para cada necessidade básica do ser humano.

Considerando o período de existência de muitas outras civilizações, Israel pode ser considerado uma nação “jovem”. Uma das questões debatidas na teologia é justamente a experiência da revelação do Eterno a Abraão (pai da nação israelita). Como se deu a sua experiência com Deus? Em um mundo mergulhado na idolatria, seguir um Deus que se revelou, mas exigiu exclusividade, não é algo tão simples quanto erroneamente se presume. O teísmo é algo tão original e revolucionário, que na época em que a tribo nômade de Israel teve que definitivamente se decidir acerca de servir ou não a Javé, salta aos olhos a dificuldade que o povo enfrentou até se desvencilhar das práticas pagãs e politeístas adquiridas no Egito (na realidade, Israel somente se libertou da idolatria após a dura lição do exílio).

Apesar de se constituir em um simplismo o argumento do ateu Richard Dawkins (retomando obviamente o raciocínio do cético David Hume), de que o monoteísmo é uma evolução do politeísmo e que o próximo passo de “libertação” do pensamento religioso será o ateísmo, não deixa de ser interessante o reconhecimento de que a crença em um único Deus seja algo mais elaborado do que a credulidade em vários. Foi Abraão, o pai da fé e amigo de Deus, que resgatou o monoteísmo no mundo antigo.

Racionalidade do Cristianismo

Na linha do teísmo bíblico veterotestamentário, onde há milênios existia a promessa de um momento de restauração da possibilidade de o homem reatar o relacionamento com o seu Criador (Gn 3.15), é imprescindível atentar para o fato de que o advento de Cristo, em sua encarnação, demarca o apogeu de tais oráculos proféticos (Jo 1).

Conforme ilustra Alister McGrath, em Paixão pela verdade: a coerência intelectual do evangelicalismo, “dentro de nós há um relacionamento com Deus – relacionamento fraturado – e uma receptividade para com Deus – receptividade insatisfeita. A criação estabelece uma potencialidade, que o pecado frustra – contudo, a mágoa e a dor daquela frustração continuam vivas em nossa experiência. É esse mesmo senso de vazio que, em si, está por trás da idéia de um ponto de contato. Estamos apercebidos de que algo está faltando. Podemos não ser capazes de dar-lhe o nome. Podemos ser incapazes de fazer alguma coisa a respeito. O evangelho cristão, porém, é capaz de interpretar nosso desejo ardente, o sentimento de não nos sentir realizados, como uma percepção da falta de Deus – e assim prepara o caminho para a realização. Uma vez que reconhecemos que estamos incompletos, que nos falta algo, começamos a pensar se esse vazio espiritual poderia ser preenchido. É este impulso que está por trás da busca humana por realização religiosa – uma busca que o evangelho vira de ponta cabeça com sua declaração de que fomos buscados pela graça de Deus” (p.186).

Sem levar em conta o evangelho pragmático e individualista que existe na atualidade (as pessoas só buscam Jesus pensando em solucionar problemas pessoais), a fé cristã exige do indivíduo o perfeito entendimento da mensagem bíblica e atitudes muito bem refletidas (e não reflexas) e pensadas para que ele possa aceitá-la. À mulher samaritana, no poço de Jacó, Ele disse que os samaritanos adoravam o que não conheciam (Jo 4.22). Quando o apóstolo Paulo fala do culto racional (Rm 12.1), não há como fugir da verdade contida no texto: só pode adorar a Deus aqueles que possuem uma consciência de quem Ele é! O culto não pode ser algo mecânico e rotineiro, antes, para prestá-lo eficientemente, é imprescindível o uso da inteligência, da lucidez e principalmente do sentimento de gratidão e reconhecimento do “tamanho” da dívida que o sangue de Jesus pagou! Acima de tudo existe ainda o mais importante propósito: o ser humano – assim como todas as coisas – foi criado para a glória de Deus.

Diferentemente de outras religiões, o Cristianismo – em sua acepção mais essencial, e não banalizada institucionalmente com a multiplicidade de denominações – promove o ser humano e não exige a sua anulação ou rebaixamento (como se animal fosse), a fim de satisfazer algum capricho ascético ou extático de uma divindade narcisista. Distintamente das outras, ele não requer intelectualidade acima da média, mas também não aceita irracionalidade, pois para decidir-se por seguir a Jesus Cristo, é preciso estar plenamente cônscio da realidade do próprio pecado e reconhecer que só o sacrifício vicário e expiatório da cruz é que pode salvar.

O Senhor Jesus Cristo propôs um conceito de liberdade tão elevado para quem quiser segui-lo que, para as pessoas que acreditam que não é possível viver sem as amarras de uma tábua de proibições, composta de ritos e caprichos supostamente divinos, torna-se um perigoso estilo de vida, mas para os que experimentam o novo nascimento e recebem uma nova natureza, ser cristão é começar a viver plenamente sendo tudo aquilo que Deus nos projetou para sermos.



Atos proféticos?

Esse modismo pseudopentecostal tem conquistado até pastores da Assembleia de Deus que se esqueceram dos Atos dos Apóstolos

Há algum tempo, uma celebridade gospel andou “profeticamente” como um animal quadrúpede em cima de um palco, como se fosse uma leoa. Depois, em outro “ato profético”, ela “pisoteou” um rapaz que representava o Diabo. E, recentemente, a mesma “adoradora” comprou uma bota de cowboy para esmagar “profeticamente” os principados que supostamente dominam as cidades de Dallas (Estados Unidos), Madrid (Espanha) e Barretos-SP (Brasil).

Num dia desses, assistindo a um programa assembleiano que vai ao ar no sábado pela manhã, fiquei pasmo. Vários “atos proféticos” foram apresentados com a maior naturalidade, como se fizessem parte da liturgia do Movimento Pentecostal. Sinceramente, é triste ver igrejas ditas cristãs, evangélicas ou pentecostais voltadas ao misticismo.

Os “atos proféticos” estão na moda, inclusive em algumas igrejas tradicionais, como a Assembleia de Deus. E eles estão ficando cada vez mais exóticos. Certo pregador (pregador?) assembleiano (assembleiano?) — não me pergunte o nome dele — anda dizendo por aí que, ao ter chegado a uma cidade, e percebendo que havia uma nuvem negra sobre ela, resolveu, num “ato profético”, percorrer a cidade inteira de carro, rua por rua, derramando azeite por onde ia passando! Já pensou se a moda “pega”, e alguém resolva ungir megalópoles como Nova York, São Francisco, Londres, Paris, Johanesburgo, Rio de Janeiro e São Paulo?! Haja azeite!

Recentemente, fui convidado para ministrar a Palavra em uma Assembleia de Deus — não me pergunte onde —, mas acabei não pregando. Quer saber por quê? Era um dia de eleições, e o pastor resolveu fazer um “ato profético”. Enrolou-se na bandeira do Brasil, “profetizou” vitória sobre a nossa nação, ungiu a bandeira e depois pediu para todos os presentes, um a um, “profetizarem” bênçãos para o Brasil, representado pela bandeira estendida...

Resultado: como o tal ato pretensamente profético durou mais de uma hora, não houve exposição da Palavra de Deus nem manifestação do Espírito Santo (1 Co 14.26). Ocorreu também uso indevido da unção, pois à igreja neotestamentária, nesse tempo da Graça, a única unção com óleo (literalmente, falando) que se aplica é a que se ministra no momento da oração pelos enfermos (Mc 6.13; Tg 5.14).

O que está acontecendo com a quase-centenária Assembleia de Deus e com outras igrejas tradicionais, que sempre valorizaram o estudo da Palavra de Deus, a oração e a evangelização? É necessário mesmo adotar práticas místicas para o recebimento das bênçãos do Senhor? A adoração pura e simples, o louvor e a intercessão perderam a eficácia? E a pregação expositiva ungida, não funciona mais?

É preciso mesmo que empreguemos no culto toda a parafernália mística de falaciosos movimentos que supervalorizam as experiências exóticas, em detrimento da obediência aos princípios, mandamentos e doutrinas da Palavra de Deus? O Evangelho de Cristo é simples (2 Co 11.3,4). Temos de orar e jejuar, amar e estudar as Escrituras, bem como sair das quatro paredes, levando a mensagem da cruz ao mundo perdido (1 Co 1.18,22,23; 2.1-5).

Portanto, digamos “não” aos “atos proféticos” — que infelizmente têm conquistado até pastores da Assembleia de Deus que se esqueceram dos Atos dos Apóstolos —, os quais só servem para afastar o povo de Deus da Palavra e da simplicidade do Evangelho, gerando falsa espiritualidade e pseudo-avivamento.

FONTE CPAD NEWS

QUEM FOI O PRIMEIRO PAPA?

Paulo Cristiano, do CACP

Todos sabem que o título “papa” é empregado para o supremo chefe da igreja católica apostólica romana. Este termo vem do grego e significa “pai”. Já em latim, é formado pela junção da primeira sílaba de duas palavras: pater patrum, que quer dizer “pai dos pais”. Mas o significado que os católicos mais gostam de conferir é: Petri apostoli potestatem accipiens, isto é, “aquele que recebe autoridade do apóstolo Pedro”.

Segundo a doutrina católica, o papa é o sucessor de São Pedro no governo da Igreja Universal e o vigário de Cristo na terra. Tem autoridade sobre todos os fiéis e sobre toda a hierarquia da igreja. Além da autoridade espiritual, exerce uma territorial (interrompida de 1870 a 1929), que, a partir de 1929, foi limitada ao Estado da cidade do Vaticano. É infalível quando fala em assuntos de fé e moral (ex-cathedra). Alguns títulos que o papa ostenta dão uma amostra deste exagero, a saber: Bispo de Roma, Primaz da Itália, Patriarca do Ocidente, Vigário de Jesus Cristo, Servo dos Servos de Deus, Sumo Pontífice da Igreja Universal, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Soberano do Estado da Cidade do Vaticano, Arcebispo e Metropolita da Província Romana e Santo Padre.

Durante a história de sua existência, o papado teve seus altos e baixos. Recentemente, o atual papa teve de pedir desculpas aos judeus por seu antecessor, o papa Pio XII, e se vê em dificuldades com a questão do celibato. Apesar de toda esta imponência de chefe de Estado, líder espiritual da maior parcela de cristãos do mundo (1 bilhão) e administrador de um império financeiro que a cada ano acumula bilhões de dólares, algumas perguntas precisam ser feitas. Existem provas bíblicas e históricas que indiquem que o papa é o sucessor do apóstolo Pedro? Pedro foi o primeiro papa e gozou de supremacia sobre os demais apóstolos? Teria Pedro fundado a igreja de Roma e transformado essa igreja na sede de seu trono episcopal?

O alvo de nossa matéria é apresentar respostas adequadas a perguntas cruciais como essas, visto que a Internet está repleta de sites de cunho apologético católico com o intuito de refutar as verdades das Escrituras Sagradas apresentadas pelos evangélicos.

Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja
Tu es Petrus et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam

Esse trecho de Mateus 16.18 é tão especial para os fundamentos papais que foi escrito em enormes letras douradas na cúpula da Basílica de São Pedro, em Roma. Destarte, ele é a fonte mais importante de toda a dogmática1 católica. A expressão Tu es Petrus, carrega atrás de si uma procissão de outras heresias erigidas em cima das interpretações de textos deslocados de seus respectivos contextos, interpretados de modo arbitrário pelos teólogos e doutores católicos romanos. É ele o genitor da infalibilidade papal, do poder temporal e dos demais desvios teológicos, contradições e distorções dessa igreja. Portanto, esclarecer à luz da Bíblia todo esse equívoco teológico é desestruturar a base em que se firma a eclesiologia2 católica.

Os pilares do papado

A tese católica se firma em três questionáveis pressupostos principais, a saber:

Cristo edificou a Igreja sobre Pedro, numa interpretação totalmente tendenciosa e arbitrária de Mateus 16.18,19.

Pedro fundou e dirigiu a Igreja de Roma, sendo martirizado nessa cidade.

A sucessão apostólica numa cadeia ininterrupta até nossos dias: de Pedro a Karol Wojtyla (João Paulo II).

Outrossim, há ainda outros argumentos apresentados pelos católicos romanos que se firmam nessa trilogia, mas, neste momento, analisaremos apenas os já mencionados.

Em que pedra a igreja está edificada?

O endereço eletrônico católico www.lepanto.org.br, da Frente Universitária Lepanto, é um site antiprotestante e, na página sobre a Igreja Católica, que interpreta Mateus 16.18, traz a seguinte declaração: “Esse ponto é muito importante, pois a interpretação truncada dos protestantes quer admitir o absurdo de que Nosso Senhor não sabia se exprimir corretamente. Eles dizem que Cristo queria dizer: Simão, tu és pedra, mas não edificarei sobre ti a minha Igreja, por que não és pedra, senão sobre mim. Ora, é uma contradição, pois Nosso Senhor alterou o nome de Simão para Kephas, deixando claro quem seria a pedra visível de sua Igreja”.

Entendemos que essa declaração nada mais representa do que o ecoar das suposições romanas na tentativa de harmonizar o que não pode ser harmonizado. A princípio pode até impressionar, mas carece totalmente de fundamentos. Leiamos o versículo: “Pois também eu te digo que tu és Pedro (Petrus), e sobre esta pedra (petra) edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; e eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16.18,19).

Jesus, ao proferir essa declaração, estava realmente afirmando que Ele próprio era a “pedra” sobre a qual sua Igreja seria edificada. Temos diversos motivos para esta interpretação. Vejamos:

Petra versus Petros

Ao referir-se a Pedro, Jesus emprega o termo grego Petros, que significa um seixo, pedregulho. Ao referir-se à edificação da Igreja, diz que ela seria edificada não sobre o Petros (Pedro), mas sobre a petra, um rochedo inabalável. Ora, Jesus fez nítida diferença semasiológica3 entre petra e Petros. Um é substantivo feminino singular e está na terceira pessoa; o outro, masculino plural, e se encontra na segunda pessoa. Além disso, o termo petra nunca é usado na Bíblia em relação a homem algum, somente em relação a Deus. Logo, tal verso nem de longe insinua alguma coisa sobre Roma, sucessão apostólica ou algo similar. Os católicos conseguem ver o que não existe no texto.

Edificação sobre quem?

A declaração “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” é a chave para entendermos toda a problemática. Jesus perguntou a “todos”, e não somente a Pedro, “quem Ele era”. “Disse-lhes ele [Jesus]: E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16.15). A ele — Pedro — foi revelado, em sua confissão, que Cristo era o Messias, o Filho de Deus, daí a frase: “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja...”, ou seja, a igreja está edificada sobre a confissão de que Ele (Jesus) era o Filho de Deus.

A bem da verdade, a Igreja jamais poderia ser solidamente edificada sobre homem algum, nem mesmo Pedro, que, embora tenha sido um grande apóstolo, foi, no entanto, falível e passível de erros, como demonstra, de maneira sobeja, o contexto imediato: “Ele [Jesus], porém, voltando-se, disse a Pedro: Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens” (Mt 16.23), além de outros escritos do Novo Testamento em que podemos perceber a inconstância de Pedro (Mt 26.69-75).

Quem é a pedra?

O significado de Petros e petra está em perfeita concordância com o contexto doutrinário e teológico neotestamentário. Sendo Petros um fragmento tirado da grande rocha, há de se ver uma conotação de todos os cristãos como Petros, e isto é descrito posteriormente pelo próprio Pedro: “Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (1Pe 2.5).

Por sua vez, todas as “pedras vivas” estão edificadas sobre a grande Petra, que é Jesus: “Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor” (Ef 2.19-21).

Agora, comparemos o texto de Mateus 16.18 com o texto seguinte:

“Diz-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra, que os edificadores rejeitaram, essa foi posta por cabeça do ângulo; pelo Senhor foi feito isto, e é maravilhoso aos nossos olhos? Portanto, eu vos digo que o reino de Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos. E, quem cair sobre esta pedra, despedaçar-se-á; mas aquele sobre quem ela cair será reduzido a pó” (Mt 21.42-44).

Indubitavelmente, tanto em Mateus 16.18 quanto em 21.44, Jesus é a pedra. Desde a época dos salmistas, passando pelo profeta Isaías, a palavra profética já anunciava o Messias como a pedra da esquina (Cf. Sl 118.22, Is 28.16).

Igualmente, é bom lembrar que na narrativa apresentada pelo evangelista Marcos é omitida a frase de Cristo: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mc 8.27-30). Isto não é de pouca relevância, pois Marcos, por muito tempo, foi companheiro de Pedro (1Pe 5.13) e, segundo Eusébio4 , foi de Pedro que Marcos coletou informações para redigir seu evangelho. Pedro, em nenhum momento, disse de si mesmo que era a rocha ou pedra da igreja, caso contrário, Marcos teria confirmado o fato de modo enfático. Se porventura o dogma da superioridade de Pedro é verdadeiro e de tamanha importância, como ensina a Igreja Católica, não parece praticamente inconcebível que os registros de Marcos e de Lucas silenciem a respeito?

O que significa Kephas?

Kephas significa pedra ou Pedro? João nos dá a resposta: “... Jesus, fixando nele o olhar, disse: Tu és Simão, filho de João, tu serás chamado Cefas (que quer dizer Pedro)” (Jo 1.42). Fica claro que Cefas ou Kephas significa Pedro e não pedra. Para fazer jus à coerência e à lógica católica, Jesus deveria ter dito mais ou menos assim: “Tu és Kephas e sobre esta kephas edificarei...”, ou: “Tu és Pedro e sobre este Pedro edificarei...”, caso não houvesse nenhuma diferença.

Um acréscimo ao nome de Pedro

Teria Jesus mudado o nome de Simão Barjonas para Pedro ou apenas feito um acréscimo?

Ora, quando se muda um nome faz-se necessariamente uma substituição. O nome anterior não é mais mencionado, como nos casos de Abrão para Abraão (Gn 17.5) e de Sarai para Sara (Gn 17.15). Já no caso de Pedro, houve apenas um acréscimo, como bem atesta Lucas: “Agora, pois, envia homens a Jope e manda chamar a Simão, que tem por sobrenome Pedro” (At 10.5,18,32; 11.13). Podemos ver que se trata de um acréscimo no nome e não a mudança do mesmo, como querem os teólogos do Vaticano. Além disso, Pedro continuou sendo chamado de Simão (At 15.14) ou Simão Pedro (Jo 21.2-3,7), algo que, no mínimo, seria estranho se o antigo nome tivesse sido trocado. Querer ver nisto uma ligação da suposta supremacia de Pedro com relação ao papado, certamente, é ir além dos limites admissíveis.

A quem pertencem as chaves?

Os católicos insistem em alardear que a simbologia das chaves (v. 19) significa supremacia jurisdicional sobre todo o cristianismo. Conquanto, sabemos que a chave foi realmente outorgada a Pedro para “abrir e fechar”. Todavia, devemos salientar que foram as chaves do “reino dos céus” e não da Igreja que lhe foram concedidas. O reino dos céus não é a Igreja.

Antes, as “chaves” estavam nas mãos dos fariseus, como lemos: “Ai de vós, doutores da lei, que tirastes a chave da ciência; vós mesmos não entrastes, e impedistes os que entravam” (Lc 11.52).

Essas chaves representam a propagação do evangelho de arrependimento de pecados, pelo qual todos os cristãos, e não Pedro apenas, podem abrir as portas dos céus para os pecadores que desejam ser salvos. Tanto é que, em Mateus 18.18, Jesus confia as chaves também aos demais apóstolos: “Em verdade vos digo [digo a vocês e não somente a Pedro] que tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra será desligado no céu”.

Pedro, portanto, foi o primeiro a usá-la por ocasião da festa de Pentecostes, quando quase três mil almas foram salvas (At 2.14-41). Depois, a usou para pregar ao primeiro gentio, Cornélio (At 10.1-48). É esta a chave que abre a porta, e ela não é prerrogativa exclusiva do hierarca católico romano. Ninguém tem o poder (ou direito) de monopolizá-la, como querem os católicos romanos.

Certo site ortodoxo5 , comentando sobre o assunto em questão, disse com muita propriedade: “Para a Igreja una e indivisa, a interpretação desta passagem do evangelho é toda outra. Como disse Orígenes (fonte comum da Tradição patrística da exegese), Jesus responde com estas palavras à confissão de Pedro: este se torna a pedra sobre a qual será fundada a Igreja porque exprimiu a fé verdadeira na divindade de Cristo. E Orígenes comenta: Se nós dissermos também: Tu és o Cristo, Filho de Deus Vivo, então tornamo-nos também em um Pedro [...] porque quem quer que seja que se una a Cristo torna-se pedra. Cristo daria as chaves do reino apenas a Pedro, enquanto as outras pessoas abençoadas não as poderiam receber? Pedro é, então, o primeiro ‘crente’, e se os outros o quiserem seguir podem ‘imitá-lo’ e receber também as mesmas chaves.

“Jesus, com as suas palavras relatadas no evangelho, sublinha o sentido da fé como fundamento da Igreja, mais do que funda a Igreja sobre Pedro, como a Igreja Romana pretende. Tudo se resume, portanto, em saber se a fé depende de Pedro, ou se Pedro depende da fé [...] Por isso mesmo, São Cipriano de Cartago pôde afirmar que a fé de Pedro pertencia ao bispo de cada Igreja local, enquanto São Gregório de Nissa escreveu que Jesus ‘deu aos bispos, por intermédio de Pedro, as chaves das honras do céu’. A sucessão de Pedro existe onde a fé justa e ortodoxa é preservada e não pode, então, ser localizada geograficamente, nem monopolizada por uma só Igreja e tampouco por um só indivíduo. Levando a teoria da primazia de Roma às últimas conseqüências, seríamos obrigados a concluir que somente Roma possui essa fé de Pedro e, neste caso, teríamos o fim da Igreja una, santa, católica e apostólica que proclamamos no Credo: atributos dados por Deus a todas as comunidades sacramentais centradas sobre a Eucaristia.

“Além disso, afirma a Igreja de Roma que é ela a Igreja fundada por Pedro e que essa fundação apostólica especial lhe dá direito a um lugar soberano sobre todo o Universo. Ora, a verdade é que, para além do fato de não sabermos realmente se São Pedro foi o fundador dessa Igreja Local e o seu primeiro papa, temos conhecimento de que outras cidades ou outras localidades menores podiam, igualmente, atribuir a si mesmas essa distinção, por terem sido fundadas por Pedro, Paulo, João, André ou outros apóstolos. Assim, o Cânone do 6º Concílio de Nicéia reconhece um prestígio excepcional às Igrejas de Alexandria, Antioquia e Roma, não pelo fato de terem sido fundadas por apóstolos, mas porque eram na altura as cidades mais importantes do Império Romano e, sendo assim, deram origem a importantes igrejas locais...”

Onde está a primazia de Pedro?

A lógica vaticana, insaciável em sua disposição em favorecer Pedro em detrimento dos demais apóstolos, esquiva-se em seus conceitos teológicos. Os católicos procuram, a qualquer preço, encontrar nas Sagradas Escrituras um elo de ligação entre a primazia de Pedro e a alegada supremacia do papa. Os argumentos apresentados são quase sempre furtados de seus contextos a fim de fortalecer essa cadeia de fantasia teológica. A pessoa que analisar o assunto pela ótica papista tende a ficar impressionada com a avalanche de textos que colocam Pedro no topo da lista de exclusividade. À primeira vista, a abundância de uma aparente primazia tende a sustentar essa corrente. No entanto, confrontaremos os textos citados e veremos que não são tão pujantes quanto parecem.

A Pedro foi conferida com exclusividade a chave dos céus
(Mt 16.19)

Este argumento foi satisfatoriamente respondido anteriormente.

A Pedro foi dado, por duas vezes, cuidar com exclusividade do rebanho de Cristo
(Lc 22.31,32; Jo 21.15,17)

Os católicos frisam nesses textos as palavras “confirmar” e “apascentar” e vêem nelas uma suposta primazia jurisdicional de Pedro. O engano deste argumento está em não mostrar que o apóstolo Paulo também “confirmava” as igrejas (Cf. At 14.22; 15.32,41).

Quanto ao “apascentar”, esta também não era uma exclusividade de Pedro, pois todos os bispos deveriam ter esta incumbência (At. 20.28). Para sermos coerentes, deveríamos dar este status de primazia aos demais, pois não só apascentavam como confirmavam as igrejas.

Pedro foi o primeiro a pregar um sermão no dia de Pentecostes
(At 2.14)

Ora, Pedro, ao pregar na festa de Pentecostes, estava apenas fazendo uso das chaves para abrir a porta da salvação. Demais disso, alguém tinha de tomar a palavra e coube a Pedro, que era o mais velho e intrépido. Mas, ao terminar a mensagem, ninguém o teve por especial, antes se dirigiram a todos com a expressão: “Que faremos varões irmãos?”. Dirigiram-se a toda a igreja e não apenas a Pedro (At 2.37).

Pedro foi o primeiro a evangelizar um gentio
(At 10.25)

Ao contrário do que pensam os católicos, o caso de Cornélio é um contragolpe no argumento romanista, pois Pedro teve de dar explicações perante a Igreja por ter se misturado e comido com um gentio. Raciocinemos, onde está a primazia de Pedro nesse episódio? Se a tivesse, porventura daria explicações perante seus supostos comandados? Certamente que não! Mas Pedro teve de se explicar, porque não possuía nenhum governo sobre os demais.

No catálogo dos apóstolos, o nome de Pedro sempre é colocado em primeiro lugar
(Mt 10.2-4, Mc 3.16-19, Lc 6.13-16, At 1.13)

É bom frisarmos que este primeiro lugar na lista de nomes é apenas de caráter cronológico e não funcional. Percebe-se que os quatro primeiros nomes da lista dos sinópticos são: Simão, André, João e Tiago, os primeiros a serem chamados para seguir o Mestre e, dentre eles, coube a Pedro ter uma prioridade cronológica. Todavia, em outros textos, como, por exemplo, Gálatas 2.9, seu nome não aparece em tal posição: “E conhecendo Tiago, Cefas e João, que eram considerados como as colunas...”.

Pedro escolhe Matias para suceder Judas Iscariotes
(At 1.15)

Lendo cuidadosamente Atos 1.15-26, vemos que Pedro apenas expôs o problema, qual seja, a falta de um sucessor para o cargo de Judas. No entanto, Matias foi eleito pela igreja por voto comum e não por decisão de Pedro: “E, lançando-lhes sortes, caiu a sorte sobre Matias. E por voto comum foi contado com os onze apóstolos” (v. 26).

O veredicto de Jesus

O fator agravante quanto à intenção de tornar Pedro soberano entre os demais apóstolos está nas palavras taxativas de Cristo — o ÚNICO Sumo Pastor, Chefe Supremo, Cabeça e Fundamento da Igreja — em não titubear e corrigir algumas precoces ambições de supremacia entre eles.

Certa feita, tal idéia foi sugerida ao Mestre que, no mesmo instante, a rechaçou dizendo: “... Sabeis que os governadores dos gentios os dominam, e os seus grandes exercem autoridades sobre eles. Não será assim entre vós; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo...” (Mt 20.18-27).

O próprio Pedro desfaz essa lenda ao dizer: “ninguém tenha domínio sobre o rebanho...” (1Pe 5.1-3). Não se pode ver aí nenhum vestígio de superioridade, supremacia ou destaque sobre os demais, pois ele mesmo se igualava aos outros dizendo: “... que sou também presbítero com eles...” Pedro jamais mandou. Pelo contrário, foi mandado e obedeceu: “Os apóstolos, pois, que estavam em Jerusalém, ouvindo que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João” (At 8.14). E tudo isso faz jus às palavras de Jesus, que disse: “Não é o servo maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou” (Jo 13.16).

Pedro esteve em Roma?

Embora a Bíblia não diga nada a respeito, os católicos insistem em dizer que o fato de o apóstolo Pedro ter sido o fundador da igreja de Roma é incontestável. Atribuem, ainda, ao apóstolo Pedro, um pontificado de 25 anos na capital do Império. E, conseqüente (deduzem), ele tenha morrido ali.

É claro que estas ligações, em princípio, são de valor inestimável, pois, entrelaçadas, robustecem a tese vaticana da primazia do papado. Contudo, há de se frisar que somente a chamada tradição vem em socorro das causas romanistas nestas horas e, mesmo assim, de maneira dúbia.

Pedro não pode ter sido papa durante 25 anos, pois foi martirizado no reinado do imperador Nero, por volta do ano 67 ou 68 d.C. Subtraindo 25 anos, retrocederemos ao ano 42 ou 43. Nessa época, ainda não havia sido realizado o Concílio de Jerusalém (At 15), que ocorreu por volta do ano 48 ou 49 d.C., quando Pedro participou (mas não deveria, porque, segundo a tradição, nessa época o apóstolo estava em Roma). No entanto, ainda que Pedro, segundo a opinião católica, tivesse participado do Concílio de Jerusalém, a assembléia fora presidida por Tiago (At 15.13-21).

No ano 58 d.C., Paulo escreveu a epístola aos Romanos e, no capítulo 16, mandou uma saudação para muitos irmãos daquela cidade, mas Pedro sequer é mencionado. Em 62 d.C., o apóstolo Paulo chegou em Roma e foi visitado por muitos irmãos (At 28.30,31), todavia, nesse período, não há nenhuma menção de Pedro.

O apóstolo Paulo escreveu quatro cartas de Roma: Efésios, Colossenses, Filemom (62 d.C.) e Filipenses (entre 67/68 d.C.), mas Pedro não é mencionado em nenhuma delas. Se Pedro estava em Roma no ano 60 d.C., como se deve entender a revelação referida no livro de Atos, em que Jesus disse a Paulo: “Importa que dês testemunho de mim também em Roma?” (At 23.11). Se Pedro estava em Roma, não caberia a ele estar cumprindo esta função? Onde se encontrava o suposto papa de Roma nessa ocasião?

É por estas e outras razões que não acreditamos que Pedro tenha fundado ou presidido a Igreja de Roma, como afirmam os católicos.

O insustentável suporte da tradição

A tradição é um dos pilares nos quais se assenta a teologia romanista. O principal órgão da tradição é a Patrística, os escritos dos pais da Igreja. Essa tradição é de relevante valor à causa católica, pois dela advém toda a “lógica” da “sucessão apostólica”. É dela que é extraída a má interpretação de Mateus 16.18, da primazia de Roma, da corrente sucessória de São Pedro, etc. Na verdade, as coisas são bem diferentes quando analisadas de maneira criteriosa.

Dos inúmeros pais da Igreja, somente 77 opinaram a respeito do assunto de Mateus 16.18, sendo que 44 reconheceram ser a fé de Pedro a rocha. Os outros 16 julgaram ser o próprio Cristo e somente 17 concordaram com a tese vaticana. Nenhum deles afirmou a infalibilidade de Pedro e tampouco o tinham como papa. Exemplo disso é Santo Agostinho que, em uma de suas obras,13 expressamente afirma que sempre, salvo uma vez, ele havia explicado as palavras sobre esta pedra — não como se referissem à pessoa de Pedro, mas sim a Cristo, cuja divindade Pedro havia reconhecido e proclamado.

Diz certa fonte católica14 que: “Se a corrente da sucessão apostólica por alguma razão encontra-se interrompida, então as ordenações seguintes não são consideradas válidas, e as missas e os mistérios, realizados por pessoas ilegalmente ordenadas, estão desprovidos da graça divina. Essa condição é tão séria que a ausência de sucessão dos bispos em uma ou outra denominação cristã despoja-a da qualidade de Igreja verdadeira, mesmo que o ensino dogmático presente nela não esteja deturpado. Esse foi o entendimento da Igreja desde o seu início”.

Finalizando...

Procuramos não ser prolixos ao historiar sobre esta questão. Todos sabemos que o trono dos papas teve seus momentos de vacância. Muitos papas conquistaram este título por dinheiro; outros, considerados legítimos, foram condenados como hereges; e quantos, pela ganância do cargo, foram envenenados por seus rivais. Houve também os nomeados por imperadores e, quando não, havia três ou mais papas se excomungando mutuamente pela disputa da cadeira de São Pedro. Sem falar, é claro, da época negra da pornocracia (influência das cortesãs no governo).

Não é debalde que a obra literária clássica Divina comédia, de Dante Alighieri, coloca vários papas no inferno. Há, ainda, uma tremenda contradição nas muitas listas dos pontífices romanos expostos por historiadores católicos, nas quais os nomes de tais sucessores aparecem trocados ou ausentes, sem consenso algum. Não cremos que estes homens sejam os verdadeiros sucessores da cátedra de Pedro.

A bem da verdade, essa tal sucessão ininterrupta e contínua dos papas é totalmente arrebentada e falsa. É por demais ultrajante, mesmo para uma mente mediana suportar tamanha incongruência.

Pelo que foi exposto, podemos considerar serenamente que “Pedro nunca foi papa e tampouco o papa é o vigário de Cristo”.

Biografia de Pedro

• Cidade natal: nasceu em Betsaida, Galiléia.
• Filiação: filho de Jonas e irmão do apóstolo André, seu primeiro nome era Simão.
• Moradia: na época de seu encontro com Cristo, morava em Cafarnaum, com a família da sua mulher (Lc 4,31-38).
• Profissão: pescador, trabalhava com o irmão e o pai.
• Qualidades: dinâmico (Mt 17.4), fiel (Mt 26.33), sincero (Jo 21.17), ousado (Mt 14.28), humilde (Lc 5.8), entre tantas outras.
• Defeitos: ansioso (Mt 19.27), inconstante (Mt 14.30), precipitado (Mt 16.22), duvidoso (Mt 26.75)
• Fontes: Os quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), Atos dos Apóstolos e as epístolas de Paulo.
• Ministério: destacou-se entre os doze apóstolos e foi a ele que Cristo apareceu pela primeira vez depois de ressuscitar.
• Cartas escritas: 1 e 2 epístolas que levam o seu nome.

•Viagens ministeriais:
- Primeira viagem: de Jerusalém a Samaria (At 8.14-25).
- Segunda viagem: de Jerusalém, através de Lida e Jope, até Cesaréia (At 9.32; 11.2).
- Terceira viagem: de Jerusalém a Antioquia (At 15.1-14; Gl 2.11).

• Pedro e Jesus:
- Perto do mar da Galiléia, é chamado para seguir a Jesus (Mt 4.18,19).
- Perto da Galiléia, encontra a moeda do tributo na boca do peixe (Mt 17.24-27).
- Na Galiléia, anda sobre as águas do mar (Mt 14.28,29).
- Em Jerusalém, na última Ceia, Jesus lava seus pés (Jo 13.6,7).
- No Jardim do Getsêmani, corta a orelha de Malco (Jo 18.10,11).
- Em Jerusalém, no palácio do sumo sacerdote, nega o seu Senhor (Jo 18.25,27).
- Em Jerusalém, sente remorso (Mt 26.75).
- João e ele correm, apressados, para o túmulo vazio (Jo 20.3-8).
- Junto ao mar da Galiléia, após a ressurreição, vê o mestre e é consolado (Jo 21.3-17).

• Momentos ministeriais marcantes:
Em Jerusalém, profere seu maior discurso, quando ocorrem quase três mil conversões (At 2.41).
- Em Jerusalém, cura um paralítico (At 3.6).
- Em Jerusalém, profere dura sentença sobre Ananias e Safira (At 5. 1-11).
- Em Lida, cura Enéias de paralisia (At 9.34,35).
- Em Jope, ressuscita Tabita, também chamada de Dorcas (At 9.36-41).
- Em Jope, tem a visão do lençol descendo do céu (At 10.9-16).
- Em Cesaréia, prega na casa de Cornélio (At 10.23-48).
- Em Jerusalém, é libertado da prisão por um anjo (At 12.3-10).

Pedro em Roma, segundo a tradição católica romana

Todos os anos, milhares de peregrinos cristãos vão para o Vaticano, o centro da cristandade católica, para visitar a basílica que possui o nome do apóstolo Pedro. É dito aos visitantes que o túmulo de Pedro encontra-se nessa igreja.

De acordo com uma antiga tradição, Pedro tornou-se mártir em Roma durante as perseguições aos cristãos por parte do imperador Nero, nos anos 60 A.D. Contudo, não temos a mínima idéia de como ou quando ele chegou lá e as evidências, arqueológicas e textuais, deste período em Roma são poucas – datadas do segundo século A.D., tão-somente.

Clemente é o primeiro a escrever sobre o sofrimento e o martírio de Pedro6, mas não nos dá nenhum indicativo de que Pedro tenha trabalhado ou morrido em Roma. O bispo Inácio de Antioquia, enviado a Roma e martirizado entre os anos 110 e 130 A.D., também não faz menção a Pedro como líder (bispo) da igreja em Roma.

Os teólogos católicos romanos entendem que o texto de 1Pedro 5.12,13 o situa em Roma — mas de maneira críptica; isto é, descrevem o remetente da carta como “o eleito na Babilônia”, um código do século 1º para Roma, o império opressor daqueles dias. Mas embora esta carta contenha o nome de Pedro, alguns acreditam que não tenha sido escrita por ele. Além disso, a carta é endereçada aos cristãos das províncias da Ásia menor romana, confirmando o relato de Paulo das atividades de Pedro no extremo Leste.

No final do século 2º, contudo, Pedro se junta a Paulo, de forma regular, como um dos fundadores da igreja em Roma. A inspiração para essa tradição parece vir do livro de Atos, que divide, de forma organizada, a descrição sobre como o evangelho foi espalhado de Jerusalém (o cenário de Atos 1) até Roma (o cenário do capítulo final, Atos 28): uma seção de Pedro (Atos 1-12) seguida por uma seção de Paulo (Atos 13-28). Na mesma época, o pai da igreja, Irineu (c. 185 A.D.), descreveu a igreja de Roma como “a igreja maior, mais antiga e igreja universalmente conhecida, fundada e organizada em Roma pelos apóstolos mais gloriosos: Pedro e Paulo”.7 O presbítero (ancião da igreja) Gaio menciona dois monumentos em Roma dedicados a esses “fundadores da igreja”. Segundo Gaio, o monumento de Pedro encontra-se no Vaticano e o de Paulo, no Caminho de Ostiense (região Sul de Roma, onde se encontra a Basílica de São Paulo fora dos muros)8. O termo usado por Gaio para monumento foi tropaion, que significa “troféu” — pode referir-se também a um túmulo ou a um memorial erguido no local do sofrimento9. Assim, Gaio é o escritor mais recente a situar o martírio de Pedro em Roma.

No início do século 3º, o escritor cristão Tertuliano supõe que os leitores saibam que Pedro foi crucificado e Paulo executado (provavelmente decapitado) durante as perseguições do imperador romano Nero10. Tertuliano interpreta a morte de Pedro como o cumprimento de João 21.18,19, no qual Jesus prediz: “Quando for velho [Pedro], estenderá as mãos e outra pessoa o vestirá e o levará para onde você não deseja ir. Jesus disse isso para indicar o tipo de morte com a qual Pedro iria glorificar a Deus”.

A tradição, comum no meio cristão, de que Pedro fora crucificado de cabeça para baixo vem de uma obra de 231 A.D: “E, por fim, vindo a Roma, ele foi crucificado de cabeça para baixo; pois havia pedido que sofresse daquela maneira”.11 Jerônimo, no século 4º, acrescenta os motivos que levaram Pedro a fazer tal pedido: “Ele recebeu em suas mãos a coroa do martírio ao ser pregado na cruz com a cabeça voltada para o chão e seus pés levantados para o alto, afirmando que ele era indigno de ser crucificado da mesma maneira que seu Senhor”.12

Segundo a pregação romana, o túmulo de Pedro encontra-se exatamente embaixo do altar consagrado da basílica e atrás do Nicho dos Pálios, local onde as estolas litúrgicas (pálios) são deixadas durante a noite antes de serem entregues aos novos bispos. Escavadores modernos encontraram um nicho escondido nessa parede contendo os ossos de um homem envolvidos em um pano de púrpura cara que, “acreditam”, possuía cerca de 60 anos quando morreu. Em 1968, a igreja declarou que tais ossos eram os restos de São Pedro.

É importante esclarecer que todas estas informações são contestadas por vários estudiosos, devido à ausência de evidências satisfatórias e suspeita de manipulação de informações por parte da igreja romana. Todo o esforço de Roma em autenticar a presença de Pedro por lá visa aglutinar argumentos que corroborariam para aceitação de seu papado em Roma, pois como poderia sê-lo se jamais estivera lá? Entretanto, ainda que houvesse consenso de que Pedro esteve em Roma e que lá foi martirizado, isso ainda não seria o suficiente para alterar a avalanche de argumentos bíblicos que se opõe ao estabelecimento de seu papado. A dogmática católica depende da presença de Pedro em Roma, porém, esta suposta presença, se fosse confirmada, não tem a capacidade em si mesma de evidenciar que Pedro tenha iniciado a linha de sucessão apostólica, como quer a igreja romana.

FONTE NOTAS ICP +Bibliografia:

Noites com os romanistas, M.H. Seymour, Edições Cristãs.
Doze homens, uma missão, Aramis C. de Barros, Ed. Luz e Vida.
O cristianismo através dos séculos, Earle E. Cairns, Ed. Vida Nova.
Pedro nunca foi papa nem o papa é vigário de Cristo. Aníbal P. Reis. Ed. Caminho de Damasco.
Quem fundou sua Igreja, padre Alberto Luiz Gambarini, Ed. Ágape.
Os papas, Aquiles Pintonello, Ed. Paulinas.
A hierarquia, padre José Comblin, Ed. Paulus.
Bible Review, fevereiro de 2004, artigo “Peter in Rome”

Notas:

1 Doutrina que afirma a existência de certas verdades que se podem provar indiscutíveis (Não é este o caso da dogmática católica, passível de contestação).
2 Eclesiologia: estudo pertencente ou relativo à Igreja, eclesial.
3 Semasiologia: estudo do sentido das palavras, que parte do significante para estudar o significado.
4 Eusébio de Cesaréia (265-339). Incentivado por Constantino, fez a narração da primeira história do cristianismo, coroando-a com sua imperial adesão a Cristo.
5 Publicado no site: clique aqui
6 Clemente 5.4.
7 Irineu, Against Heresies [Contra Heresias] 3.3,2.
8 Citado em Eusebius, History of the Church [A história da Igreja] 2.25.
9 Veja Hans Georg Thümmel, Die Momorien fúr Petrus und Paulus im Rom, Arbeiten zur Kirchengeschichte 76 [As memórias de Pedro e Paulo em Roma, uma obra sobre a história da Igreja (Berlin: Wlater de Gruyter, 1999), p. 6,7.
10 Tertuliano, Scopiace 15.3.
11 Origen, Commentary on Genisis [Comentário sobre Gênesis], relatado em History of Church [História da Igreja] de Eusébio 3.1.2.
12 Jerônimo, Lives of Illustrious Men 1.
13 Livro 1, das Retratações, cap 21 (Livro escrito no fim da sua vida, para retratar-se de seus escritos anteriores).



Prega o Evangelho! (2 Tm 4.1-8)

Este capítulo contém parte das últimas palavras proferidas ou es­critas pelo apóstolo Paulo. São, certamente, as últimas que fo­ram preservadas. Foram escritas a semanas, talvez não mais do que poucos dias antes do seu martírio. De acordo com antiga tradição fidedigna, Paulo foi decapitado na Via Ápia. Por trinta anos ininterruptos trabalhara como apóstolo e evangelista itinerante. Fez, na verdade, o que ele mesmo escreve aqui: combateu o bom combate, completou a carreira e guardou a fé (v.7).  Agora ele aspira por seu prêmio, "a coroa da justiça", que já lhe estava reservada no céu (v.8). Estas palavras constituem-se no legado de Paulo à Igreja.   Elas estão impregnadas de uma atmosfera de gran­de solenidade. É impossível lê-las sem uma profunda emoção. A primeira parte do capítulo toma a forma de uma comovente in­cumbência. "Conjuro-te, perante Deus", assim começa.   O verbo diamartyromai tem conotações legais e pode significar "testificar sob juramento" numa corte de justiça, ou "adjurar" uma testemu­nha a assim proceder.   No Novo Testamento refere-se a qualquer "elocução solene e enfática".   A exortação de Paulo é endereçada, em primeiro lugar, a Timóteo, seu delegado apostólico e represen­tante em Éfeso.   É aplicada, também, a cada homem chamado a um ministério evangelístico ou pastoral, ou mesmo a todos os cristãos.

Há três aspectos da exortação a serem estudados, os quais são: sua natureza (o que Paulo de fato está comissionando a Timóteo), sua base (os argumentos sobre os quais Paulo baseia a sua exorta­ção) e uma ilustração pessoal dela, do exemplo do próprio Paulo em Roma.

1. A natureza da exortação (v.2)

Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina.

Omitindo o versículo 1, por um momento, e passando ao versículo 2, encontramos a essência dessa exortação em três palavras: "prega a palavra". Observamos imediatamente que a mensagem que Timóteo deve comunicar é chamada de "palavra", algo que foi proferido por alguém. Mas é palavra, a palavra de Deus, que Deus mesmo proferiu. Paulo não precisa especificar melhor o que ele quer dizer, já que Timóteo saberá de imediato que se tra­ta do corpo de doutrina, que ouvira de Paulo, e que o mesmo Pau­lo lhe comissiona a passar adiante a outros. É idêntica ao "depósito" do capítulo 1, e neste quarto capítulo é equivalente à "sã doutrina" (v.3), "à verdade" (v.4) e "à fé"' (v.7). São as Escrituras do Velho Testamento, inspiradas por Deus e proveitosas, que Timóteo sabe desde a sua infância, junto com o ensino do após­tolo, que Timóteo "tem seguido", "aprendido" e de que tem si­do "inteirado" (3: 10-14). O mesmo comissionamento é dado à Igreja de cada época. Não temos nenhuma liberdade para in­ventar a nossa mensagem, mas somente para comunicar "a palavra" proferida por Deus e agora entregue à Igreja, em sagrada cus­tódia.

Timóteo deve "pregar" esta palavra; ele deve falar o que Deus falou. Sua responsabilidade não é somente ouvir essa palavra, crer nela e obedecê-la, nem somente guardá-la de toda falsidade; nem somente sofrer por ela e permanecer nela; mas, sim, pregá-la a outros. São as boas novas de salvação para os pecadores. Assim ele deve proclamá-la como um arauto em praça pública. Para fazê-la conhecida, deverá levantar a sua voz para todos, sem temor.

Paulo prossegue mostrando quatro sinais que deverão caracte­rizar a proclamação a ser feita por Timóteo.

a.  Uma proclamação urgente

O verbo ephistëmi, "instar", significa literalmente "assistir", e assim "estar de prontidão", "estar disponível". Aqui, contudo, pa­rece ter o sentido não somente de alerta e zelo mas de insistência e urgência. "Nunca perca o teu sentido de urgência" (CIN). Nu­ma forma lânguida e indiferente, certamente não se faz uma boa pregação. Toda boa pregação transmite um sentido de urgência e de importância do que está sendo pregado. O arauto cristão sa­be que está tratando de assunto de vida ou morte. Anuncia a si­tuação do pecador sob os olhos de Deus, e a ação salvadora de Deus, através da morte e ressurreição de Cristo, e o convida ao arrependimento e à fé. Como poderia tratar tais temas com fria indiferença? "Em tudo o que você fizer", escreveu RichardBaxter, "deixe transparecer a sua absoluta seriedade. . . Você não conse­guirá quebrantar o coração de ninguém com gracejos, nem contan­do histórias agradáveis ao ouvido, nem compondo um discurso pomposo. Ninguém abandonará as coisas de que mais gosta, me­diante uma solicitação sem profundidade feita por alguém que parece não falar com convicção, ou que pouco se incomode se a sua solicitação é aceita ou não".

Esta urgente pregação, Paulo acrescenta, deve continuar "a tem­po e fora de tempo". "Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não." Tal regra de procedimento não deve ser tomada como desculpa para a falta de tato com as pessoas, o que muitas vezes tem caracterizado a evangelização, e que em decorrência tem da­do uma má reputação ao evangelho. Não nos é dada a liberdade de entrarmos sem cerimônia na vida privada de outras pessoas ou lhes pisarmos grosseiramente nos calos. Não, as ocasiões a que Paulo se refere como sendo "quer seja oportuno, quer não", apli­cam-se não tanto aos ouvintes como a quem fala. A BLH enfati­za isso: "pregue a mensagem e insista em anunciá-la, no tempo certo ou não". Assim é o verbo ephistëmi,em seu sentido alter­nativo, como é às vezes encontrado nos manuscritos. Assim, o que temos aqui não é uma base bíblica para a grosseria, mas sim um apelo bíblico contra a preguiça.

b. Uma proclamação contextual

O arauto que anuncia a Palavra deve corrigir, repreender e exortar. Isso sugere que há três diferentes maneiras de anunciar, pois que a Palavra de Deus é "útil" para uma variedade de ministérios, como Paulo já disse (3: 16). Ela fala a homens diferentes, em situações diferentes. O pregador deve lembrar-se disso e ser hábil no uso da Palavra. Ele deve usar "argumentos, repreensão e apelo", o que vem a ser quase uma classificação de três abordagens: a intelectual, a moral e a emocional. Porque muitas pessoas acham-se atormenta­das por dúvidas e precisam ser repreendidas; outras, ainda, são perseguidas pelas dúvidas e precisam ser encorajadas. A Palavra de Deus faz tudo isso e muito mais. É nosso dever aplicá-la contextualmente.

c. Uma proclamação paciente

Mesmo devendo instar (esperando obter das pessoas rápidas deci­sões em resposta à Palavra), devemos ter "toda a longanimidade na espera por essa resposta". Nunca devemos nos valer do uso de técnicas humanas de pressão ou tentar forçar uma "decisão". A nossa responsabilidade é ser fiel na pregação da Palavra; os resulta­dos da proclamação são de responsabilidade do Espírito Santo e, quanto a nós, só nos compete esperar pacientemente por sua obra. Também devemos ser pacientes em toda a nossa maneira de ser, porque "é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e, sim, deve ser brando para com todos, apto para instruir, pacien­te ; disciplinando com mansidão os que se opõem" (2: 24-25). Mes­mo sendo solene o nosso comissionamento, e urgente a nossa men­sagem, não se justifica uma conduta rude ou impaciente.

d. Uma proclamação inteligente

Não devemos só pregar a palavra, mas também ensiná-la, ou me­lhor, pregá-la "com toda a doutrina" (këryxon. . . en pasë..didachè). C. H. Dodd tornou clara a distinção entre kérygma edidachè, sendo a primeira a proclamação de Cristo aos descrentes, com um apelo ao arrependimento; e a segunda, a instrução ética aos conver­tidos. A distinção é prática e importante; contudo, como já suge­rido no comentário de 1: 1, ela pode se tornar rígida e estreita. Pe­lo menos este versículo nos mostra que o nosso kèrygma deve conter muito dedidachè. Se a nossa proclamação pretende antes de tudo convencer, repreender ou exortar, ela deve ser um ministério de doutrina.

O ministério pastoral cristão é essencialmente um ministério de ensino, e é por isso que se exige dos candidatos ortodoxia na fé e aptidão para o ensino (Tt 1: 9; 1 Tm 3: 2). Existe uma necessida­de crescente, especialmente em vista do contínuo processo de ur­banização e da elevação dos padrões de educação, dos ministros cristãos desenvolverem nas pululantes cidades do mundo um minis­tério de pregação com exposição bíblica sistemática, para "pregar a palavra. . . com toda a doutrina". Isto foi exatamente o que o próprio Paulo fez em Éfeso, como era do conhecimento de Timó­teo. Por cerca de três anos ele ensinou "publicamente e pelas ca­sas .. . todo o conselho de Deus" (At 20: 20-27; cf. 19: 8-10). Agora é a vez de Timóteo fazer o mesmo.

Tal é a instrução de Paulo a Timóteo. Ele deve pregar a Pala­vra anunciando a mensagem dada por Deus, mas deve fazê-lo com um sentido de urgência, deve aplicá-la ao contexto da situação pre­sente, deve ser paciente em seu modo de ser e inteligente na sua apresentação.

2. A base da exortação ( vs. 1, 3-8)

Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino:. . .3Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos, 4e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas. 5Tu, porém, sê sóbrio em todas as cousas, suporta as aflições, faze o trabalho de evangelista, cum­pre cabalmente o teu ministério. 6Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado. '''Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. 8Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda.

Já se tornou evidente, nos capítulos anteriores desta carta, que Timóteo era tímido por natureza e que os tempos em que ele vivia e trabalhava eram (na melhor das hipóteses) desfavoráveis. Ele deve ter estremecido ao ler a solene exortação do apóstolo para continuar pregando a palavra. A tentação de recuar diante de tal responsabilidade bem que poderia acontecer. Por isso, além de dar uma ordem, Paulo inclui incentivos. Pede que Timóteo olhe a três direções: primeiro para Jesus Cristo, o juiz e rei que retor­na; em segundo lugar, ao cenário contemporâneo; e, em terceiro, a ele, Paulo, o idoso prisioneiro à beira do martírio.

a. O Cristo que vem (v.1)

Paulo não está dando esta ordem em seu próprio nome ou sob sua própria autoridade, mas "perante Deus e Cristo Jesus", estando assim consciente da direção e aprovação divina. Talvez o mais forte de todos os incentivos à fidelidade seja saber que a ordem foi dada por Deus. Bastava dar a Timóteo a certeza de que ele é servo do Deus altíssimo e embaixador de Jesus Cristo, e de que o desafio que Paulo lhe faz é um desafio da parte de Deus, para que nada pudesse desviá-lo de sua tarefa.

A ênfase maior deste primeiro versículo, contudo, não recai tanto na presença de Deus, mas na volta de Cristo. É evidente que Paulo ainda crê na volta pessoal de Cristo. A respeito disso ele escrevera em suas cartas anteriores, especialmente nas destina­das à igreja em Tessalônica. Agora, mesmo sabendo que morrerá antes desse evento, ainda assim continua esperando por ele, no fi­nal do seu ministério. Paulo vive à luz desse acontecimento e des­creve os cristãos como aqueles que amam a vinda de Cristo (v.8). Ele está seguro de que Cristo voltará de forma visível (a palavra é epiphaneia nos vs. 1 e 8), e que, quando aparecer, "há de julgar os vivos e os mortos" e consumar o "seu reino" e poder.

Estas três verdades (o aparecimento, o juízo e o reino) devem ser para nós uma expectativa tão clara e certa quanto foi para Paulo e Timóteo. Elas não deixam de exercer uma poderosa in­fluência em nosso ministério, porque tanto os que pregam a pala­vra, como os que a ouvem, terão de dar contas a Cristo, quando ele aparecer.

b. O cenário prevalecente (vs. 3-5)

Notemos a palavra "pois" (gar), com que se inicia este parágrafo. Paulo fornece uma segunda base, sobre a qual apoia a sua exorta­ção. Há um outro evento futuro, antes da vinda de Cristo, a sa­ber, dias negros e difíceis. Embora pareça estar prevendo que a situação piorará, é evidente, a partir deste parágrafo e do que ele escreveu anteriormente, que para Timóteo tal tempo já começara. É a luz deste cenário prevalecente que Paulo dá outras instru­ções.

Como são esses tempos? Uma característica ele destaca, que as pessoas não podem suportar a verdade. Paulo expressa isso ne­gativa e positivamente, e declara isso duas vezes: "não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças" (v.3). "E se recusarão a dar ouvidos à ver­dade, entregando-se às fábulas" (v.4). Em outras palavras, tais pessoas não podem suportar a verdade e recusam-se a ouvi-la, bus­cando, então, mestres que adaptem suas fantasias especulativas, nas quais estão determinados a andar. Tudo isso tem a ver com os ouvidos daquelas pessoas, ouvidos que são mencionadosduas ve­zes. Elas sofrem de uma condição patológica peculiar, conhecida como "coceira nos ouvidos", ou "fome de novidades". Tal expressão é uma figura de linguagem para aquele tipo de curiosidade que está ávido por saber de casos picantes e interessantes. Além disso, esta coceira é abrandada pelas mensagens dos novos mestres. Na prática, o que tais pessoas fazem é fechar os ouvidos à verdade (cf. At 7: 57) e abri-los a qualquer mestre que alivie a sua coceira, coçando-a.

Notemos que o que rejeitam é a "sã doutrina" (v.3) ou "a ver­dade" (v.4), e o que preferem são "as suas próprias cobiças" (v.3) ou "fábulas" (v.4). Assim, substituem a revelação divina por suas fantasias. O critério pelo qual julgam os mestres não é (como de­veria ser) a Palavra de Deus, mas o seu próprio gosto subjetivo. Ainda mais, não ouvem primeiro para depois decidir se o que ou­viram é verdade; primeiro decidem o que querem ouvir e depois escolhem mestres que são obrigados a manter o padrão por eles exi­gido.

Como Timóteo deverá reagir a isto? Quase se pode adivinhar que uma tal situação desesperadora o faria silenciar. Se os homens não podem suportar a verdade e não querem ouvi-la, seria mais prudente para ele ficar quieto? Paulo, porém, chega a uma con­clusão diferente, porque pela terceira vez usa aqueles dois peque­nos monossílabos su de "TU, PORÉM" (cf. 3: 10-14). Ele repete sua ordem a Timóteo, ordena-lhe que seja diferente, não se dei­xando influenciar pela moda prevalecente.

Agora seguem quatro ordens bem distintas, que parecem ser deliberadamente concebidas para a situação em que Timóteo se encon­tra e para o tipo de pessoas a quem ele foi chamado a ministrar.

1 Por serem pessoas instáveis de mente e conduta, Timóteo deverá acima de tudo ser sempre "sóbrio". Literalmente nephö significa estar sóbrio e, figurativamente, "livre de qualquer forma de em­briagues mental e espiritual" sendo, pois, "bem equilibrado, autocontrolado". Quando homens e mulheres se intoxicam com heresias inebriantes e novidades reluzentes, os ministros devem conservar-se calmos e sensatos.

2 Mesmo que o povo não queira dar ouvidos ao seu bom ensino, Timóteo deve persistir em ensinar, predispondo-se a suportar afli­ções, por causa da verdade que ele se recusa a comprometer. Sem­pre que a fé bíblica se torna impopular, os ministros são altamente tentados a mudar aqueles elementos que promovem a maior ofensa.

3 Timóteo deve fazer o "trabalho de um evangelista', porque o povo é desgraçadamente ignorante a respeito do verdadeiro evan­gelho. Não está claro se a referência é feita a um ministério espe­cial, como se pretende nas duas únicas outras passagens do Novo Testamento onde a palavra ocorre (At 21; Ef 4: 11). A alternati­va é interpretá-la como alguém que prega o evangelho e testemu­nha de Cristo. De qualquer forma, é como se Paulo estivesse orde­nando a Timóteo: "Faze da pregação do evangelho a obra da tua vida". As boas novas não devem somente ser preservadas da distor­ção; elas devem ser propagadas.

4 Mesmo que as pessoas abandonem o ministério de Timóteo em favor de mestres que lhes cocem as ideias fantasiosas, Timóteo deve cumprir o seu ministério. O mesmo verbo é usado na pas­sagem onde Paulo e Barnabé cumpriram a obra de assistência em Jerusalém. Lucas escreve que eles voltaram de Jerusalém, cumpri­da a sua missão (At 12: 35). Assim também Timóteo deve perseverar, até que sua tarefa esteja cumprida.

Portanto, as quatro ordens de Paulo, ainda que diferentes nos detalhes, transmitem a mesma mensagem geral. Aqueles dias, em que era difícil conquistar ouvidos para o evangelho, não deveriam desencorajar Timóteo; nem detê-lo em seu ministério; nem induzi-lo a adaptar a sua mensagem ao gosto de seus ouvintes; nem, menos ainda, silenciá-lo de uma vez; mas antes deveriam estimu­lá-lo a pregar ainda mais. Conosco deve acontecer o mesmo. Quan­to mais difíceis os tempos e mais surdas as pessoas, tanto mais clara e persuasiva deve ser a nossa proclamação, ou, como diz Calvino, "quanto mais os homens se tornam determinados a despre­zar o ensino de Cristo, tanto mais Melosos devem ser os ministros de Deus em pugnar por ele e tanto mais ardorosos os seus esforços em preservá-lo incólume e, mais ainda, por sua diligência devem repelir os ataques de Satanás".

c. O velho apóstolo (vs. 6-8)

O terceiro motivo da exortação tem a ver com um outro evento no futuro, ou seja, o seu próprio martírio. O elo entre este pará­grafo e o versículo 5, que o precede, é bem claro. O argumento de Paulo poderia ser escrito da seguinte forma: "TU, PORÉM, Ti­móteo, tu deves cumprir o teu ministério porque eu já estou às portas da morte". É de vital importância que Timóteo continue e complete o seu ministério, uma vez que a tarefa de toda uma vida do apóstolo Paulo está chegando ao fim. Assim como Josué sucedeu a Moisés, Salomão sucedeu a Davi e Eliseu a Elias, assim também agora Timóteo deve suceder a Paulo.

O apóstolo usa duas vividas figuras de linguagem para descrever sua morte próxima, uma tirada da linguagem do sacrifício e outra (provavelmente) dos barcos. Em primeiro lugar, "estou sendo já oferecido por libação" ou "minha vida já está sendo colocada no altar". Ele compara a sua vida com um sacrifício e uma oferta. Tão perto ele crê estar do martírio, que fala como se o sacrifício já tivesse começado. E prossegue: "o tempo da minha partida é chegado". 'Tartida" (analysis) é um termo que se tornou usual para expressar "morte", mas daí não precisamos concluir, ne­cessariamente, que sua origem metafórica tenha sido completa­mente esquecida. Significa "desatar", "desamarrar", podendo tanto ser usado no sentido de "levantar acampamento" (preferi­do por Lock, por causa da expressão soldadesca, no versículo seguinte, "combati o bom combate"), como também no de "libertação" de algemas (mencionado por Simpson), ou "soltar um bote de suas amarras". A última é certamente a mais pitores­ca das três possibilidades. As duas imagens, pois, combinam-se razoavelmente, porque o fim desta vida (derramada como liba­ção) é o começo da outra (posta ao mar). A âncora já foi levanta­da, as amarras já estão soltas e o barco está prestes a fazer-se à ve­la, rumo a outra praia. Ainda, antes do início da grande aventura de sua nova viagem, Paulo se volta a contemplar o seu ministério de aproximadamente 30 anos. Ele o descreve (concretamente, sem jactância) com três expressões concisas.

Primeira: "combati o bom combate". As palavras poderiam igualmente ser traduzidas por "corri a grande corrida", porque agön denota qualquer contexto envolvendo esforço, seja uma corrida ou uma luta. Mas, já que a frase seguinte alude à corrida ou carreira que ele acabou, parece provável que Paulo esteja com­binando, novamente, as metáforas do soldado e do atleta (como em 2: 3-5) ou, pelo menos, as metáforas da luta romana e das cor­ridas.

Em seguida escreve: "completei a carreira". Alguns anos antes, falando aos anciãos da mesma igreja em Éfeso, a qual Timóteo estava agora presidindo, Paulo expressara o desejo de fazer exata­mente isto. "Em nada considero a minha vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus. . ." (At 20-24). Agora Paulo está em condições de dizer que assim o fez. "O que fora um propósito, era agora um retrospecto, comenta N. J. D. White. Ele podia usar o tempo perfeito do verbo nessas três expressões, tal como Jesus o fizera no cenáculo, porque o seu fim estava tão à vista.

Terceira: "guardei a fé". Isto bem pode significar "guardei a fé no meu Mestre". No contexto desta carta, contudo, que enfatiza tão fortemente a importância de guardar o depósito da verdade revelada, é mais provável que Paulo esteja afirmando sua fidelida­de neste sentido. "Guardei, com toda segurança, como bom guar­dião ou despenseiro, o tesouro do evangelho confiado aos meus cuidados."

Assim, a obra do apóstolo e, num âmbito menor, de cada prega­dor ou ensinador do evangelho, é descrita como enfrentar uma lu­ta, correr uma corrida, guardar um tesouro. Tais ações envolvem trabalho, sacrifício e até mesmo perigo. Em todas as três Paulo foi fiel até o fim.

Agora nada lhe resta, senão o prêmio, por ele chamado de "a coroa" (ou melhor, "a grinalda") da justiça, que lhe "está guarda­da" e que lhe será dada no dia da vitória, "naquele dia". Mesmo sem valor em si, feitas de folhas verdes, em vez de folhas de prata ou ouro, as grinaldas conquistadas pelos vencedores nos jogos gregos eram altamente apreciadas. "Muitos vilarejos daqueles dias", assim escreve o Rev. Moule, "derrubavam uma parte do seu muro branco a fim de que um seu filho, coroado com a coroa de louros ou do Olímpia, adentrasse por um portão ainda não usado antes." A coroa a que Paulo se refere como destinada a si ele a chama de "justiça" (dikaiosynê).Pelo seu linguajar carac­terístico, o sentido mais natural dessa palavra seria "justificação" mas, talvez, aqui ela tenha uma colocação um pouco diferente, estando em evidente contraste com a sentença que, a qualquer hora, um juiz humano lhe dará numa corte humana. O imperador Nero pode declará-lo culpado e condená-lo à morte, mas logo virá "uma magnífica revogação do veredicto de Nero", quando "o Senhor, reto juiz", o declarar justo.

A mesma justificação por Cristo é também para "todos quan­tos amam a sua vinda". Isto não é, de maneira alguma, uma dou­trina de justificação por boas obras. É desnecessário enfatizar a contínua convicção de Paulo, de que a salvação é um presente da graça de Deus, "não segundo as obras, mas conforme a sua deter­minação e graça" (1: 9). A coroa da justiça é concedida a "todos quantos amam a sua vinda", não porque esta seja uma atitude meritória a ser adotada, mas por ser uma firme evidência da justificação. O descrente, não justificado, teme a volta de Cristo (caso creia ou simplesmente pense nela). Não estando preparado para ela, temerá de vergonha perante Cristo, na sua vinda. O crente, por outro lado, tendo sido justificado, aguarda a volta de Cristo e se afeiçoou a ela. Achando-se preparado, o cristão terá confiança quando Cristo aparecer (1 Jo 2: 28). Somente aqueles que aden­traram pela fé nos benefícios da primeira vinda de Cristo aguar­dam ansiosamente a sua segunda vinda (cf. Hb 9:28).

Este é, pois, Paulo, o velho, como ele mesmo se chamou, um ou dois anos antes, em sua carta aFilemon (v.9). Paulo comba­teu o bom combate, completou a carreira e guardou a fé. O seu sangue está a ponto de ser derramado, o seu pequeno barco está a ponto de fazer-se à vela. Ele está esperando ansiosamente por sua coroa. Estes fatos devem ser para Timóteo um terceiro estí­mulo à fidelidade.

Nosso Deus é o Deus da História. Deus está executando o seu propósito ano após ano. Um obreiro pode cair, mas a obra de Deus continua. A tocha do evangelho é transmitida de geração a gera­ção. Ao morrerem líderes da geração anterior, é da maior urgên­cia que se levantem aqueles da geração seguinte e com coragem to­mem os seus lugares. O coração de Timóteo deve ter sido profun­damente tocado por esta exortação do velho guerreiro Paulo, que o levara a Cristo.

Quem levou o leitor a Cristo?   Tal pessoa está envelhecendo?

Quem me levou a Cristo está agora aposentado (mas ainda ativo!). Não podemos descansar para sempre na liderança da geração que nos precedeu. Chegará o dia em que deveremos substituí-los e, nós mesmos, tomaremos a liderança. Tal dia acabava de chegar pa­ra Timóteo; a seu tempo chegará para todos nós.

Assim, pois, em vista de que Cristo vem para julgar, e de que o mundo tem aversão pelo evangelho, e de que a morte do apósto­lo encarcerado é iminente, a última exortação a Timóteo conti­nha uma nota de solene urgência: "Prega a Palavra!"

Bibliografia John R. W. Stott


A Heresia Colossenses


O erro que perturbava Colossos envol­veu amplamente elementos judeus e pagãos. Sem dúvida, os elementos judai­cos eram a ênfase aos sábados, à circuncisão, à lei, e, provavelmente, as referências à observância de festivais e dias santos e luas novas; 3:11 e 4:11 também parecem pressupor uma fonte judaica de desacordo.
Indubitavelmente, os elementos pa­gãos incluíam uma "filosofia" que de­pendia de métodos plausíveis de racio­cínio que se baseavam na tradição hu­mana, em vez de numa demonstração lógica e revelação. A adoração de anjos (diferente da crença neles, como se apre­senta em Jubileus, Tobias e Ascensão de Isaías), provavelmente, expressa o temor pagão, disseminado, de seres celestiais, espíritos elementares do universo. De certa forma, o sol, a lua e as estrelas eram corporificações materiais desses elementos, desses seres. Governando a terra, eles podiam ser aplacados, espe­cialmente em suas épocas indicadas, por humilhação e devoções rigorosas.
A proibição de certos alimentos podia ser uma característica judaica, mas a referência à bebida e à sua associação com repressão ascética do corpo sugere um dualismo pagão, como também o fazem expressões como "herança na luz", "domínio das trevas" e "reino do Filho". A ênfase das visões também podia ser judaica (v.g., o livro de Enoque); mas aqueles de quem os heréticos se jactavam (2:18) eram essencialmente sensuais, não espirituais, e pareciam expressar significados ocultos que pre­cisavam de interpretação. Isto faz lem­brar as revelações dadas em transe, e prometidas nas seitas pagas.
A ênfase dada pelos heréticos à sabe­doria assemelha-se a Provérbios, Sabe­doria de Salomão e Siraque; mas o seu exclusivismo (contraditado em 1:26 e ss.; 3:11) e as expressões de menosprezo em 2:4,8 sugerem, pelo contrário, um intelectualismo gnóstico.
O gnosticismo era um clima de pensa­mento tão disseminado quanto a teoria evolucionária o é hoje em dia. Provavel­mente, ele assumiu proeminência no primeiro século, ou antes, e alcançou o seu zênite no segundo século. Combinava especulação filosófica, superstição, ritos; semi-mágicos e algumas vezes um culto fanático e até obsceno. As idéias mais comuns às suas muitas formas são: salvação mediante o conhecimento (gnosis) — os iluminados são "cristãos avança­dos"; dualismo — tudo o que é espiri­tual é por natureza puro, tudo o que é material é por natureza irremediavel­mente mau, inclusive o mundo e o corpo. Portanto, Deus está longe; a brecha entre ele e o mundo é preenchida por uma cadeia de seres de espiritualidade descendente. O corpo, túmulo do espírito, pode ser rigorosamente suprimido ou deixado à vontade indulgentemente, como irrelevante para a vida do espírito puro.
Sendo extremamente intelectualista, e, portanto, individualista, o gnosticismo cultivou uma elite iluminada, para quem somente a salvação era possível, e des­prezava todas as outras pessoas. O antigo gnosticismo reinterpretou o cristianismo e procurou "melhorá-lo", oferecendo-se para tornar os crentes "perfeitos"; mais tarde, o mais amargo antagonismo se desenvolveu.
Indícios adicionais de idéias gnósticas como estas, em Colossos, são achadas em expressões que deviam tornar-se "pala­vras-chave" de sistemas gnósticos poste­riores: o "segredo" ou "mistério", a "plenitude", conhecimento (cinco vezes), e duas ou três outras. As negações gnós­ticas da plena encarnação da divindade em Jesus encontra veemente réplica nos capítulos 1 e 2. Quaisquer sinais de "indiferentismo moral" gnóstico seria bem respondido pelo conselho abrupto de 3:5ess.
Mas o fato de que elementos judaicos e gnósticos devessem aparecer interli­gados em uma única heresia (veja 2:14 e s.) tem constituído assunto para debate durante um século. Porque o gnosticismo a respeito do qual mais informações temos data do segundo sé­culo d.C, e era antijudaico, enquanto o judaísmo ortodoxo resistia veemente­mente a toda a transigência em relação ao paganismo.
Portanto, algumas pessoas negam que haja em Colossenses qualquer referência ao gnosticismo, dizendo que a idéia judaica de que os anjos haviam sido mediadores da lei expressava apenas extrema reverência pela lei e que as declarações da superioridade de Cristo em relação aos anjos meramente enfati­zavam a sua superioridade em relação à lei. Mas a adoração de anjos, no capí­tulo 2, implica em mais do que isto; e a insistência sobre a superioridade de Cris­to em relação a "tronos, domínios e autoridades" sugere que eles são seres pessoais, mais próximos do politeísmo e do dualismo gnóstico.
Atos fala de judeus que praticavam a magia (At. 13:6; 19:13 e ss.) e de Simão, o mago considerado, muito depois, como o pai do gnosticismo. Algumas carac­terísticas da heresia colossense são encontradas misturadas com judaísmo em Gálatas 4:3,9,10, enquanto traços delas, em Timóteo, João, I João e Apo­calipse, revelam idéias gnósticas nas fraldas da comunidade judaica na Ásia Menor, durante a segunda metade do primeiro século.
Em 1875, Lightfoot comparou o erro colossense ao essenismo, que combinava observâncias meticulosas do Tora judaico esabatismo rigoroso com severo asceticismo monástico, adoração do sol e uma elaborada doutrina de anjos. Abbott pensava que os falsos mestres de Colossos diziam ter percepção exclusiva em relação ao mun­do dos espíritos intermediários, mediante o favor dos quais (dadasas requeridas austeridade e humilhação diante dos anjos) novas revelações ("visões") po­diam ser obtidas: "Isso pode ser chama­do de judaísmo gnóstico."
C. F. D. Moule (p. 31), semelhante­mente, fala de uma "teosofia" do tipo judaico-gnóstico. Bruce (p. 166) parece satisfeito com o fato de incipientes for­mas de gnosticismo terem sido comuns dentro do judaísmo no primeiro século d.C. Oscar Cullmann pensa que a heresia colossense tentara misturar espe­culações filosóficas manchadas de gnos­ticismo com o evangelho, pois formas preliminares de gnosticismo existiram, previamente, no judaísmo helenizado. A. M. Hunter encontra fortes evidên­cias disto no Evangelho de João.
Guthrie cita, com aprovação caute­losa, W. D. Davies em relação às "mui­tas características comuns entre a heresia colossenses e a seita de Qumran", e R. M. Wilson, em relação ao caráter dos Rolos como "pré-gnósticos". Qumran pensava que ser "filho da luz" signifi­cava obediência absoluta à lei de Moisés, em um legalismo que excedia até a tradi­ção dos anciãos. Isto pode iluminar 1:13; 2:14; 2:21 e ss.
Neste clima crescente de opiniões, não é surpreendente que R. H. Fuller expresse redondamente a opinião de que a cristologia de Colossenses demonstra tendências contrárias às idéias gnósticas, que a "filosofia" que se lhe opõe é a mitologia sincretista do gnosticismo, que as observâncias de culto referidas lem­bram hierarquias gnósticas e que as proibições ascéticas se originam do dua­lismo gnóstico.
Grande parte desta discussão se reduz claramente à definição que damos ao gnosticismo. Certamente, os sistemas gnósticos desenvolvidos, descritos e antagonizados pelos Pais da Igreja foram um fenômeno do segundo século. Mas um gnosticismo preliminar, umprotognosticismo, era uma atmosfera, um sincretismo variado e amorfo, muito antes de se tornar um sistema racional; e as suas principais idéias eram consideravel­mente antigas.
Por fim, precisamos descrever o erro colossense em termos genéricos, como uma versão da fé cristã distorcida e obscurecida por concepções de tipo gnós­tico, que se haviam infiltrado na igreja por meio de um judaísmo já heterodoxo.
O seu efeito foi afrouxar o apego dos homens para com o Cristo, de quem eles haviam sido ensinados anteriormente (2:19; cf. 2:6,7); obscurecer, e mesmo negar, a unicidade do Senhor que ascen­derá, o único mediador, através de quem eles haviam uma vez entrado na liberdade. A resposta de Paulo é uma cristologia de proporções verdadeiramente cósmi­cas. Ele insiste na plenitude da divin­dade habitando em Cristo; na sua pre­cedência e proeminência na criação sobre tronos, domínios e principados (1:16); no seu senhorio sobre eles quanto à posição (2:10); e na sua vitória sobre eles no Calvário (2:15). O seu argumento é que duvidar da plenitude de Cristo é deixar de entender a plenitude, riqueza e sufi­ciência da vida cristã.


Bibliografia O. White +www.ebareiabranca.com


Inovações e modismos religiosos

“E puseram a arca de Deus em um carro novo e a levaram da casa de Abinadabe, que está em Ceba; e Uzá e Aio, filhos de Abinadabe, guiavam o carro novo” (2 Sm 6.3).

O mundo pós-moderno é pleno de inovações. Mas a Igreja de Cristo não precisa de novidades, e sim, de constante renovação no Espírito Santo.

O tema deste domingo é algo que estamos vivenciando, de maneira tímida em alguns lugares e de forma mais ousada em outros, não obstante, é necessário abordá-lo com embasamento bíblico. A igreja não pode viver de inovações e modismos, mas precisa ser alimentada pela verdadeira Palavra de Deus. Os modismos - como o próprio nome indica - vêm e passam, mas a Palavra do Senhor dura para sempre (Lc 21.33; Jo 6.68; 17.77; Fp 2.16).

Modismo: Aquilo que é transitório e está em moda, tendo, portanto, caráter passageiro.

Os modismos e desvios doutrinários constituem grandes desafios para a igreja destes últimos dias, por contrariarem os princípios doutrinários esposados nas Sagradas Escrituras. É dever de todo crente sincero e temente a Deus, preservar a sã doutrina.


INOVAÇÕES DOUTRINÁRIAS

1. O restauracionismo. Trata-se de uma inovação teológica que procura adaptar, aos dias atuais, os ensinos, ritos e costumes do antigo concerto entre Deus e Israel. É o velho fermento dos fariseus e judaizantes (Mt 16.11; 1 Co 5.6,7; Cl 5.9). Eis os seus principais ensinos:

a) A guarda do sábado. Certos “mestres” ensinam que os cristãos devem guardar o sábado. Essa prática é uma forma de retorno ao judaísmo. A guarda do sábado é um “concerto perpétuo” somente para Israel (Êx 31.14-17; Lv 23.31,32; Ez 20.12,13,20). Lembremos que Paulo exortou os crentes da Galácia sobre o perigo das práticas judaizantes na igreja (Gl 1.6-9; 3.1-3).

b) O ritual da circuncisão. Em Atos dos Apóstolos, lemos que os cristãos judeus tentaram coagir os cristãos gentios a circuncidarem-se, conforme a lei de Moisés. Segundo diziam, a salvação dependia, exclusivamente, desse ato litúrgico (At 15.1). Condicionavam a salvação em Cristo à observação dos rituais mosaicos, considerados nulos pelo Novo Testamento (Hb 8.13; 9.15-17; cf. Mt 9.16,17).

Na Nova Aliança, não há nenhuma necessidade de os crentes circuncidarem-se para serem salvos. A salvação é dada aos homens gratuitamente, por meio da fé na graça redentora de Jesus Cristo. Vejamos o que a Bíblia ensina sobre a circuncisão em Rm 2.28,29; 1Co 7.18,19; Cl 5.6; 6.15.

c) Festas de Israel. Certas igrejas são ensinadas a celebrar as festas dos Tabernáculos (Lv 23.34; Dt 16.13), da Colheita (Êx 23.16; 34.22) e da Páscoa. Tais celebrações, juntamente com outras quatro mencionadas na Bíblia, eram consideradas sagradas e específicas do povo judeu.

A igreja não precisa festejar a páscoa judaica, uma vez que Cristo é a nossa páscoa (1 Co 5.7). Ela deve, sim, celebrar a Ceia do Senhor, que é uma festa genuinamente cristã, e que comemora o Novo Pacto inaugurado com o sangue de Jesus (1 Co 11.20,25; At 2.42).

2. O evangelho da prosperidade material. Os adeptos deste ensino acreditam que todo crente deve ser rico e jamais adoecer. Caso contrário, o cristão está em pecado ou não tem fé. Vejamos alguns desses ensinos:

a) Autoridade espiritual. Essa falsa doutrina afirma que o crente tem autoridade espiritual porque é a própria encarnação de Deus, assim como Jesus o foi. Os proponentes desse ensino chegam ao absurdo de dizer que o cristão não tem um “deus” dentro dele, mas ele mesmo é “um Deus”. Todavia, aprendemos com a Bíblia que a autoridade que Deus concede a seus servos deriva-se de sua Palavra, e não daquilo que os homens ensinam à parte dela.

b) “Pobreza é maldição”. Assim como a riqueza nem sempre é uma bênção (Mc 19.23; Pv 30.9), pobreza não é maldição (Mt 26.11; Mc 14.7; Dt 15.11; Jo 12.8). Segundo as Escrituras, os que desejam ser ricos caem em tentação, laço e muitas concupiscências (1 Tm 6.6-10). Todavia, devemos ser ricos de boas obras (1 Tm 6.18,19), pois Deus escolheu os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino (Tg 2.5).

c) Confissão positiva. Segundo os teólogos da prosperidade, se um crente disser que no prazo de um mês conseguirá um carro zero, isso terá de acontecer. Afirmam que para ser curado é só dizer que não aceita a doença. De acordo com essa falsa doutrina, o cristão nunca deve orar pedindo que se faça a vontade de Deus. No entanto, devemos seguir o exemplo de Jesus (Lc 22.42).

3. A verdadeira prosperidade. Não há problema em ser próspero. Na Bíblia, há várias promessas de prosperidade e saúde. Além disso, precisamos ter muito cuidado para não trocarmos a teologia da prosperidade pela teologia da pobreza. Ambas são nocivas à vida espiritual. Vejamos algumas formas de prosperidade mencionadas na Bíblia:

a) A prosperidade espiritual. A prosperidade espiritual deve vir em primeiro lugar (Sl 112.3; Sl 73.23-28). Entre outras preciosas bênçãos, inclui: a salvação em Cristo; o batismo no Espírito Santo; o nome escrito no Livro da Vida e a herança com Cristo (Rm 8.17; Ef 1.3).

b) Prosperidade em tudo. As bênçãos materiais prometidas a Israel no Antigo Testamento estavam condicionadas à obediência a Palavra de Deus (Dt 28.1-14), e não à “confissão positiva”. Da mesma forma, o Senhor tem prometido muitas bênçãos à Igreja, porém, todas elas dependem de nossa submissão às Sagradas Escrituras (Sl 1.1-3; Dt 29.29). Isso não significa, necessariamente, que o cristão enfermo e que passe por necessidades materiais seja infiel a Deus, pois a prosperidade não se restringe aos valores terrestres e passageiros, mas contempla principalmente os valores eternos (Sl 37.5; Pv 30.7-9).

O restauracionismo e o evangelho da prosperidade material são inovações perigosas que conduzem ao erro.

INOVAÇÕES E MODISMOS MINISTERIAIS

1. A síndrome do “carro novo” (2 Sm 6.1-3). Ao trazer a Arca do Senhor para Jerusalém, Davi não atentou para um detalhe importante: nada poderia ser modificado ou inovado em relação ao modo de lidar com aquele objeto sagrado. A despeito disso, a Arca foi colocada sobre um carro de bois em vez de ser conduzida nos ombros dos sacerdotes. Por que essa atitude, aparentemente normal, não teve a aprovação de Deus?

a) A Arca fora conduzida por pessoas não autorizadas. Os que transportavam a Arca do Senhor não eram divinamente chamados para esse ofício (Nm 1.47-52; 4.1-49). Eleazar, filho de Abinadabe, é que havia sido separado para esse ministério (1 Sm 7.1b).

b) A Arca fora conduzida de forma errada. De acordo com a orientação divina, a Arca deveria ser transportada pelos levitas (Êx 25.14; Dt 31.25; Js 3.3), e não por meio de carros puxados por bois. Aquele carro de bois não deveria fazer parte do cortejo sagrado (2 Sm6.6,7).

2. O ministério modernizado. Hoje, em muitos lugares, há aqueles que pregam o evangelho, utilizando-se de “carros de bois”, inserindo inovações e modismos contrários aos ensinos da Palavra de Deus. Tais pessoas têm até boas intenções. Todavia, o que elas realmente desejam é adequar o evangelho à cultura secular. Às vezes, não percebem que estão misturando o sagrado com o profano.

Devemos obedecer aos mandamentos das Escrituras de modo irrestrito, sem as muletas da inovação e dos modismos.

O episódio da transferência da Arca apresenta-nos duas advertências: o perigo de querer fazer as coisas sagradas conforme os modismos e o perigo da modernização ministerial.

INOVAÇÕES LITÚRGICAS

1. O evangelho do entretenimento. O evangelho de Cristo não é entretenimento carnal, mas o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16). O “evangelho do entretenimento” exalta o homem e não a Deus. Prega-se o evangelho, mas sem as suas exigências; ensina a graça, mas sem a cruz de Cristo (Sl 93.5).

2. A liturgia no culto a Deus. Através dos salmos de adoração a Deus aprendemos que a liturgia deve ser reverente e santa. Assevera-nos o salmista: "Adorai ao Senhor na beleza da santidade; tremei diante dele todos os moradores da terra" (Sl 96.9; 1 Cr 16.29; Sl 29.2).

O culto deve ser oferecido a Deus de modo santo, reverente e consciente. Não é para o entretenimento do homem, mas para adorar ao Senhor.

CONCLUINDO

É necessário discernir em que direção estamos caminhando. A Bíblia fala de dois caminhos, o da bênção e o da maldição (Dt 11.26), e de duas portas, a estreita e a larga (Mt 7.13). Cuidado com as inovações, pois o que a Igreja de Cristo realmente necessita é de uma constante renovação no poder do Espírito Santo.

“Vento de Doutrinas. Muitas doutrinas e práticas, em nossos dias, têm surgido depois de ‘divinas’ visões e revelações, supostos arrebatamentos ao céu ou ao inferno - individuais ou em grupo -, ‘quedas de poder’, contatos com anjos ou espíritos, além de outras experiências no mínimo estranhas.

Há crentes hoje sendo ‘levados em roda por todo vento de doutrina’, porque não aprenderam a guardar a Palavra de Deus acima de tudo (Ef 4.14). Em Marcos 16.17, está escrito: ‘E estes sinais seguirão aos que crerem’. Porém, muitos têm agido como se Jesus tivesse dito: ‘E estes que crerem seguirão aos sinais’. Mas Paulo ensinou, em suas epístolas, que não devemos ir além do que está escrito (1 Co 4.6)”.
(ZIBORDI, C. S. Evangelhos que Paulo jamais pregaria. RJ: CPAD, 2006. p.25.)

O ser humano tem a propensão de aceitar toda e qualquer inovação. Tudo que foge a normalidade - uma vez que não nos tire de nossa zona de conforto parece exercer atração irrestrita. Infelizmente, até mesmo a Palavra de Deus é vilipendiada pela comunidade cristã que, ávida por mudanças, acaba reproduzindo a dinâmica da sociedade consumista, anticristã e ateísta.

Sejamos, porém, como os crentes de Beréia, recebendo a Palavra de Deus de boa vontade, mas sem deixar de ser criteriosos (At 17.11). Pois, alguns sem conhecimento e outros de forma premeditada a torcem, reservando para si a perdição (2 Pe 3.16).

Bibliografia E. R. de Lima


A Heresia Colossense

O erro que perturbava Colossos envol­veu amplamente elementos judeus e pagãos. Sem dúvida, os elementos judai­cos eram a ênfase aos sábados, à circuncisão, à lei, e, provavelmente, as referências à observância de festivais e dias santos e luas novas; 3:11 e 4:11 também parecem pressupor uma fonte judaica de desacordo.

Indubitavelmente, os elementos pa­gãos incluíam uma "filosofia" que de­pendia de métodos plausíveis de racio­cínio que se baseavam na tradição hu­mana, em vez de numa demonstração lógica e revelação. A adoração de anjos (diferente da crença neles, como se apre­senta em Jubileus, Tobias e Ascensão de Isaías), provavelmente, expressa o temor pagão, disseminado, de seres celestiais, espíritos elementares do universo. De certa forma, o sol, a lua e as estrelas eram corporificações materiais desses elementos, desses seres. Governando a terra, eles podiam ser aplacados, espe­cialmente em suas épocas indicadas, por humilhação e devoções rigorosas.

A proibição de certos alimentos podia ser uma característica judaica, mas a referência à bebida e à sua associação com repressão ascética do corpo sugere um dualismo pagão, como também o fazem expressões como "herança na luz", "domínio das trevas" e "reino do Filho". A ênfase das visões também podia ser judaica (v.g., o livro de Enoque); mas aqueles de quem os heréticos se jactavam (2:18) eram essencialmente sensuais, não espirituais, e pareciam expressar significados ocultos que pre­cisavam de interpretação. Isto faz lem­brar as revelações dadas em transe, e prometidas nas seitas pagas.

A ênfase dada pelos heréticos à sabe­doria assemelha-se a Provérbios, Sabe­doria de Salomão e Siraque; mas o seu exclusivismo (contraditado em 1:26 e ss.; 3:11) e as expressões de menosprezo em 2:4,8 sugerem, pelo contrário, um intelectualismo gnóstico.

O gnosticismo era um clima de pensa­mento tão disseminado quanto a teoria evolucionária o é hoje em dia. Provavel­mente, ele assumiu proeminência no primeiro século, ou antes, e alcançou o seu zênite no segundo século. Combinava especulação filosófica, superstição, ritos; semi-mágicos e algumas vezes um culto fanático e até obsceno. As ideias mais comuns às suas muitas formas são: salvação mediante o conhecimento (gnosis) — os iluminados são "cristãos avança­dos"; dualismo — tudo o que é espiri­tual é por natureza puro, tudo o que é material é por natureza irremediavel­mente mau, inclusive o mundo e o corpo. Portanto, Deus está longe; a brecha entre ele e o mundo é preenchida por uma cadeia de seres de espiritualidade descendente. O corpo, túmulo do espírito, pode ser rigorosamente suprimido ou deixado à vontade indulgentemente, como irrelevante para a vida do espírito puro.

Sendo extremamente intelectualista, e, portanto, individualista, o gnosticismo cultivou uma elite iluminada, para quem somente a salvação era possível, e des­prezava todas as outras pessoas. O antigo gnosticismo reinterpretou o cristianismo e procurou "melhorá-lo", oferecendo-se para tornar os crentes "perfeitos"; mais tarde, o mais amargo antagonismo se desenvolveu.

Indícios adicionais de ideias gnósticas como estas, em Colossos, são achadas em expressões que deviam tornar-se "pala­vras-chave" de sistemas gnósticos poste­riores: o "segredo" ou "mistério", a "plenitude", conhecimento (cinco vezes), e duas ou três outras. As negações gnós­ticas da plena encarnação da divindade em Jesus encontra veemente réplica nos capítulos 1 e 2. Quaisquer sinais de "indiferentismo moral" gnóstico seria bem respondido pelo conselho abrupto de 3:5ess.

Mas o fato de que elementos judaicos e gnósticos devessem aparecer interli­gados em uma única heresia (veja 2:14 e s.) tem constituído assunto para debate durante um século. Porque o gnosticismo a respeito do qual mais informações temos data do segundo sé­culo d.C, e era antijudaico, enquanto o judaísmo ortodoxo resistia veemente­mente a toda a transigência em relação ao paganismo.

Portanto, algumas pessoas negam que haja em Colossenses qualquer referência ao gnosticismo, dizendo que a ideia judaica de que os anjos haviam sido mediadores da lei expressava apenas extrema reverência pela lei e que as declarações da superioridade de Cristo em relação aos anjos meramente enfati­zavam a sua superioridade em relação à lei. Mas a adoração de anjos, no capí­tulo 2, implica em mais do que isto; e a insistência sobre a superioridade de Cris­to em relação a "tronos, domínios e autoridades" sugere que eles são seres pessoais, mais próximos do politeísmo e do dualismo gnóstico.

Atos fala de judeus que praticavam a magia (At. 13:6; 19:13 e ss.) e de Simão, o mago considerado, muito depois, como o pai do gnosticismo. Algumas carac­terísticas da heresia colossense são encontradas misturadas com judaísmo em Gálatas 4:3,9,10, enquanto traços delas, em Timóteo, João, I João e Apo­calipse, revelam ideias gnósticas nas fraldas da comunidade judaica na Ásia Menor, durante a segunda metade do primeiro século.

Em 1875, Lightfoot comparou o erro colossense ao essenismo, que combinava observâncias meticulosas do Tora judaico e sabatismorigoroso com severo asceticismo monástico, adoração do sol e uma elaborada doutrina de anjos. Abbott pensava que os falsos mestres de Colossos diziam ter percepção exclusiva em relação ao mun­do dos espíritos intermediários, mediante o favor dos quais (dadas asrequeridas austeridade e humilhação diante dos anjos) novas revelações ("visões") po­diam ser obtidas: "Isso pode ser chama­do de judaísmo gnóstico."

C. F. D. Moule (p. 31), semelhante­mente, fala de uma "teosofia" do tipo judaico-gnóstico. Bruce (p. 166) parece satisfeito com o fato de incipientes for­mas de gnosticismo terem sido comuns dentro do judaísmo no primeiro século d.C. Oscar Cullmann pensa que a heresia colossense tentara misturar espe­culações filosóficas manchadas de gnos­ticismo com o evangelho, pois formas preliminares de gnosticismo existiram, previamente, no judaísmo helenizado. A. M. Hunter encontra fortes evidên­cias disto no Evangelho de João.

Guthrie cita, com aprovação caute­losa, W. D. Davies em relação às "mui­tas características comuns entre a heresia colossenses e a seita de Qumran", e R. M. Wilson, em relação ao caráter dos Rolos como "pré-gnósticos". Qumran pensava que ser "filho da luz" signifi­cava obediência absoluta à lei de Moisés, em um legalismo que excedia até a tradi­ção dos anciãos. Isto pode iluminar 1:13; 2:14; 2:21 e ss.

Neste clima crescente de opiniões, não é surpreendente que R. H. Fuller expresse redondamente a opinião de que a cristologia de Colossenses demonstra tendências contrárias às ideias gnósticas, que a "filosofia" que se lhe opõe é a mitologia sincretista do gnosticismo, que as observâncias de culto referidas lem­bram hierarquias gnósticas e que as proibições ascéticas se originam do dua­lismo gnóstico.

Grande parte desta discussão se reduz claramente à definição que damos ao gnosticismo. Certamente, os sistemas gnósticos desenvolvidos, descritos e antagonizados pelos Pais da Igreja foram um fenômeno do segundo século. Mas um gnosticismo preliminar, um protognosticismo, era uma atmosfera, um sincretismo variado e amorfo, muito antes de se tornar um sistema racional; e as suas principais ideias eram consideravel­mente antigas.

Por fim, precisamos descrever o erro colossense em termos genéricos, como uma versão da fé cristã distorcida e obscurecida por concepções de tipo gnós­tico, que se haviam infiltrado na igreja por meio de um judaísmo já heterodoxo.

O seu efeito foi afrouxar o apego dos homens para com o Cristo, de quem eles haviam sido ensinados anteriormente (2:19; cf. 2:6,7); obscurecer, e mesmo negar, a unicidade do Senhor que ascen­derá, o único mediador, através de quem eles haviam uma vez entrado na liberdade. A resposta de Paulo é uma cristologia de proporções verdadeiramente cósmi­cas. Ele insiste na plenitude da divin­dade habitando em Cristo; na sua pre­cedência e proeminência na criação sobre tronos, domínios e principados (1:16); no seu senhorio sobre eles quanto à posição (2:10); e na sua vitória sobre eles no Calvário (2:15). O seu argumento é que duvidar da plenitude de Cristo é deixar de entender a plenitude, riqueza e sufi­ciência da vida cristã.

Bibliografia O. White +www.ebareiabranca.com


JA SUPERSTIÇÃO RELIGIOSA

"Porque eu sei em quem tenho crido e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até àquele Dia" (2 Tm 1.12b).

Superstição religiosa é um con­junto de crendices apoiadas na ignorância, no desconhecido e no medo. Nada tem a ver com a fé que professamos.

É provável que você conheça algumas pessoas que apregoam "certas verdades" base­adas em crenças infundadas ou que até mesmo utilizem amuletos e usem expressões com o fim de afas­tarem maus espíritos. Muitas des­tas pessoas agem assim por teme­rem aquilo que desconhecem ou ignoram, ou seja, são supersticio­sas.

Superstições são crenças alicer­çadas sobre sentimentos irracionais, que levam as pessoas, em razão de sua credulidade excessiva, a teme­rem o desconhecido, sobrenatural. Quem é supersticioso acredita em presságios, encantamentos, sinais, ritos específicos e tantos outros elementos que repousam sobre a fé em coisas irracionais. A Palavra de Deus reprova vigorosamente as supersti­ções. Atos dos Apóstolos registra um episódio em que Paulo e Barnabé, quando pelo poder de Cristo cura­ram a um coxo em Listra, quase fo­ram idolatrados como Júpiter e Mer­cúrio pelos habitantes daquele país. Os servos de Deus protestaram com veemência contra o ato supersticio­so. No Antigo Testamento, eram proi­bidas as adivinhações (Lv 19.31), a bruxaria, os augúrios a feitiçaria e magia (2 Rs 21.6). Temos de ter mui­to cuidado para que essas práticas não solapem nossa fé e assolem nos­sas igrejas; tais como amuletos, pé de coelho, galho de arruda, ferradura de cavalo, dias especiais, crendices, simpati­as e magias.

A superstição está presente em todas as religiões, novas e velhas. É nociva à fé cristã em razão de levar o indivíduo a temer coisas inócuas e depositar a fé em coisas absurdas. Quem já não viu alguém procurar se proteger com um galho de arruda, com ferradura de cavalo na porta de casa, ou usar uma figa esperando obter sucesso? Os supersticiosos estão inclinados a acreditar em tudo, menos na Palavra de Deus.

ETIMOLOGIA

1. O termo gregoO substanti­vo grego empregado no Novo Testa­mento correspondente à palavra su­perstição é deisidaimoniâ. Essa pala­vra aparece apenas em At 25.19. De modo semelhante, o adjetivo procedente do original significa "piedosos, supersticiosos ou religiosos" (At 17.22). O termo procede de duas pa­lavras gregas cujo sentido é "temor aos demônios, aos espíritos malignos ou as divindades pagãs". Portanto, o vo­cábulo "superstição" designa um sen­timento religioso fundamentado na ig­norância, no medo de coisas sobrena­turais e na confiança em coisas inefi­cazes. Trata-se, por conseguinte, de uma crendice popular baseada em crenças infundadas.

2. O termo em nossas versões. A versão Almeida Atualizada e a Tradução Brasileira traduziram os vocábulos originais por "religião" e "religioso", enquanto a Almeida Cor­rigida, por "superstição" e "supersticioso". Agripa na qualidade de judeu, embora desconhecendo a natureza da questão sobre a ressurreição de Jesus, jamais chamaria essas coisas de mera superstição (At 25.19). O após­tolo Paulo, no areópago em Atenas, como disse alguém, empregou o ter­mo com "amável ambiguidade" (At 17.22).

3. O termo latino. Jerônimo, na Vulgata Latina, traduziu os referi­dos termos por superstitio, (At 25.19) que significa "superstição, religião, culto, excessivo receio dos deuses, adivinhação, arte de predizer o futuro" e superstitiosus, "supersticioso" (At 17.22).

4. O termo no mundo ro­mano. Havia diferença entre reli­gião e superstição no mundo roma­no. O cristianismo, mais tarde, ado­tou essa distinção. Segundo Agosti­nho de Hipona, o homem supersticioso distingue-se do religioso, citando Varrão (Marco Terêncio Varrão [Marcus Terentius Varro], 116 a.C. – 27 a.C., filósofo e enciclopedista romano), afirma que o supersticioso teme os deuses como inimigos, e o religioso reverencia-os como pais. A ideia dessa palavra no mundo roma­no é uma forma antiquada de culto, como deterioração ou algo ultrapas­sado, rejeitado pela religião oficial. Podemos resumir superstição como a crendice do medo (Jr 10.2).

CARACTERÍSTICAS ANIMISTAS

1. AnimismoApesar da su­perstição estar presente em todas as religiões, é no animismo que ela pra­ticamente se confunde. Animismo é a crença que atribui vida espiritual ou alma a coisas inanimadas. Os animistas acreditam que plantas e animais possuem alma, que a natureza está carregada de seres espiri­tuais e que o espírito dos mortos vagueia pelos lugares onde as pes­soas viviam ou costumavam frequentar (Is 34.14). É consequência da Queda no Éden (Rm 1.23, 25, 28).

2. FetichesOs ídolos repre­sentam divindades ao passo que o fetichismo se caracteriza por atri­buir propriedades mágicas ou di­vinas a certos objetos. Em muitos casos, os fetichistas dispensam, a tais objetos, reverência, adoração, gratidão e oferendas, esperando receber graças ou vinganças dessas divindades ou espíritos.

SUPERSTIÇÕES DO COTIDIANO

1. Amuletos e talismãsÉ a crença no afastamento dos maus espíritos apenas pelo uso de certos ob­jetos como galho de arruda, ferradu­ra de cavalo na porta de casa, pé-de-coelho etc. Muitas vezes, são usados como objetos de adornos. O profeta Isaías incluiu os amuletos na lista de adornos femininos, traduzido por "arrecadas" na Versão Almeida Corrigida (Is 3.20). A palavra hebrai­ca, aqui, élahash, também usada para encantamento (Ec 10.11; Jr 8.17). Talismã consiste em letras, símbolos ou palavras sagradas, nomes de an­jos ou demônios com o objetivo de afastar o mal de quem os usa.

2. Rogos do espirro"Saúde!", "Deus te crie!", ou, expressão mais erudita como Dominus caetuml, "o Senhor te crie!", hayiml, "vida!", em Israel; são expressões que ouvimos no dia-a-dia quando alguém espirra. Por que não acontece o mesmo quando alguém tosse? Os antigos acreditavam que o espírito do homem residia na cabeça, e um bom espirro era o sufi­ciente para sua fuga e, ao fazer uma pequena prece, ele permanecia na pessoa que espirrou. Hoje, isso já vi­rou etiqueta social.

3. Sexta-feira 13. O número 13 é tido por alguns como bom agouro e para outros como infortúnio. Há até edifícios em que passam do 12° para o 14° andar temendo desgraças. A sexta-feira 13 é considerada um dia de azar. Uns atribuem a superstição sobre o número 13 aos vikings ou a outros normandos. Há também os que atribuem ao cristianismo, já que sexta-feira foi o dia em que Jesus mor­reu e 13 é uma referência a Judas Iscariotes que, segundo os supersticiosos, era o décimo terceiro homem da reunião da Última Ceia. Mas, não há indício algum para confirmar essa versão.

SUPERSTIÇÕES SUPOSTAMENTE BÍBLICAS

1. Segunda-feira azaradaOs judeus não consideram a segunda-fei­ra um bom dia para negócios, porque no relato da criação, em Gênesis 1, não consta o registro "e viu Deus que era bom", como aparece nos demais dias. Mas, no dia terceiro, aparece duas vezes a expressão "e viu Deus que era bom" (Gn 1.10, 12), por isso é o dia tradicional de cerimônia de casamen­tos e, também, o dia em que se cele­bram grandes negócios em Israel. O costume baseia-se na interpretação incorreta de uma passagem bíblica. A bênção divina para o sucesso, toda­via, não depende do dia em que o evento é realizado, e sim na confian­ça em Deus (Sl 37.3-5).

2. MezuzáPalavra hebraica que significa "portal, umbral, ombreira" (Êx 12.7). Esse termo é usado hoje para identificar o pequeno tubo metálico que os judeus usam no umbral direito da porta, seguindo o prescrito na Lei de Moisés (Dt 6.4-9). Isso não deve ser considerado superstição, pois tem fundamento bíblico, como não é superstição um cristão colocar em seu lar quadros com versículos bíblicos e outros motivos cristãos como identi­ficação de sua fé. Mas os judeus cabalísticos da Idade Média transfor­maram a mezuzá em amuletos e talismãs, como objetos de proteção.

3. O perigo da inversão de valores. Não confundir o Cristo da cruz com a cruz de Cristo. Os hebreus consideravam a simples presença da arca da aliança na guerra como ga­rantia de vitória (1 Sm 4.4-11). Ain­da hoje, alguns crentes creem estar protegidos de infortúnio e mau augúrio só porque mantêm a Bíblia aberta no salmo 91. Isso significa transformar a fé viva no Deus todo-poderoso em mera superstição ou amuleto. A proteção vem da confian­ça em Deus e na obediência à Sua Pa­lavra (Js 1.8; 1 Jo 5.4).

4. Fé cristã não é supersti­çãoOs filhos de Ceva, tendo em vista o misticismo de Éfeso, cuida­ram fosse o apóstolo Paulo um má­gico com uma nova fórmula: o nome de Jesus (At 19.13). Mas eles se equivocaram. Ainda hoje há os que transformam elementos cristãos em superstições. Baseados em lendas de vampiros, muitos supõem que, exi­bindo uma cruz, podem expulsar os espíritos maus. Jesus disse: "em meu nome expulsarão demônios" (Mc 16.17). Ele conferiu essa autorida­de aos seus servos (Mt 10.8). Todos os que usarem o nome de Jesus como amuletos poderão ter a mes­ma decepção dos filhos de Ceva (At 19.16). 


As superstições, independente­mente de sua origem, são nocivas à fé cristã. Crer em coisas triviais, ou nas aparentemente bíblicas, é rejeitar a fé em Deus ou acrescen­tar algo além dEle. Nós cremos num Deus que pode guardar-nos de to­dos os males (2 Tm 1.12).

Não seria o uso de elementos como galhinho de arruda, sal gros­so e copo d'água na liturgia uma volta ao misticismo medieval, tão condenado pelos reformadores? A teologia da maldição hereditária não seria um vilipendio à doutrina da graça e uma superstição religiosa em sua essência? Lamentavelmente, é nítida a existência de casos de superstição entre evangélicos, mas isso é resultado da ausência de orienta­ção bíblica. Nas igrejas onde o povo recebe o ensino sistemático e sadio da Palavra de Deus raramente exis­te isso.

Alguns casos de supersticiosidade entre evangélicos são menores, outros são mais graves. Alguns exem­plos do primeiro tipo são deixar a Bíblia aberta no Salmo 91 para afas­tar desgraças; utilizar a expressão Tá amarrado!' de forma séria, como uma espécie de precaução espiritual; abrir a Bíblia aleatoriamente para 'tirar um versículo' que funciona como a orientação de Deus para to­marmos uma decisão; trocar a leitu­ra sistemática e regular da Bíblia pela 'caixinha de promessas'; reputar que a oração no monte tem mais eficá­cia do que a feita dentro do quarto ou na igreja; dormir empacotado para que Deus, ao nos visitar à noi­te, não se entristeça; e acreditar que objetos ou algum suvenir de Israel (pedrinhas, água do Rio Jordão, fo­lhas) têm algum poder especial.

O protestantismo foi um dos gran­des catalisadores do fim da superstição da Idade Média, que havia sido implementado por um catolicismo cada vez mais decadente. É só reexaminarmos a história e veremos que, antes da Reforma, o mundo me­dieval era cheio de fantasmas, duendes, gnomos, demônios, anjos e santos. O povo era ignorante, extre­mamente supersticioso e não tinha acesso à leitura. A própria Igreja Ca­tólica Romana fomentava e explora­va isso. Foram os evangélicos que combateram tudo isso, inclusive apoi­ados pelos humanistas da época.

Um exemplo de caso grave de superstição é o caso da teologia da maldição hereditária, que declara insuficiente a obra de Cristo na vida da pessoa, pois afirma que, depois de salvo por Jesus, o cristão deve desenterrar o seu passado e o de seus familiares para quebrar uma a uma todas as possíveis mal­dições que acometeram seus ante­passados e que ainda repousariam sobre ele, se não a libertação não será completa. Além de não ter base bíblica (2 Co 5.17), essa teologia defende um princípio quase reencarnacionista, estabelecendo um carma na vida da pessoa a partir de seus parentes. (...) Fujamos de toda a sorte de superstição. Que nossa fé seja absolutamente bíbli­ca.

Bibliografia Ezequias Soares,manual de apologetica,2005,cpad,

Falsos mestres, gálatas inconstantes e a origem do evangelho de Paulo Gl 1.6-10, 11-24

Em todas as outras epístolas, depois de saudar os seus leitores, Paulo continua orando por eles ou louvando e agradecendo a Deus. A Epís­tola aos Gálatas é a única em que não há oração, nem louvor, nem ação de graças, nem elogios. Em vez disso, o apóstolo vai direto ao assunto, com uma nota de extrema urgência. Paulo expressa admira­ção diante da inconstância e instabilidade dos gálatas, e prossegue quei­xando-se dos falsos mestres que estavam perturbando as igreja da Galácia. Daí, então, ele enuncia um anátema solene e terrível contra aque­les que se atrevem a alterar o evangelho.

1. A Infidelidade dos Gálatas (v. 6)

Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos cha­mou na graça de Cristo. Note-se que o verbo está na voz ativa e não na passiva, e que o tempo é o presente, não o passado. Não é "que tenhais sido afastados tão depressa", mas ''que estejais pas­sando tão depressa", ou, como diz a Bíblia na Linguagem de Hoje: "Estou muito admirado de vocês estarem abandonando tão depressa". A palavra grega (metatithêmi) é interessante. Significa "transferir a fidelidade". É usada com referência a soldados do exército que se rebelam ou desertam, e a pessoas que mudam de partido na política ou na filosofia. Um certo Dionísio de Heracléia, por exemplo, que aban­donara os estóicos, tornando-se membro de uma escola filosófica rivai, isto é, um epicurista, era chamado de ho metathememos, um vira-casaca".

É disso que Paulo acusa os gálatas. Eles eram vira-casacas religio­sos, desertores espirituais. E estavam abandonando aquele que os cha­mara para a graça de Cristo e abraçando um outro evangelho. O ver­dadeiro evangelho é, na sua essência, o que Paulo diz em Atos20:24: "o evangelho da graça de Deus". São as boas novas de um Deus cheio de graça para com pecadores indignos. Na graça ele deu o seu Filho para morrer por nós. Na graça ele nos justifica quando cremos. "Tu­do provém de Deus", como Paulo escreve em 2 Coríntios 5:18, signifi­cando que "tudo é de graça". Nada é devido aos nossos esforços, aos nossos méritos ou às nossas obras; tudo na salvação é devido à graça de Deus.

Mas os gálatas convertidos, que haviam recebido este evangelho da graça, estavam agora se voltando para um outro evangelho, um evangelho de obras. Os falsos mestres eram evidentemente "judaizantes", cujo "evangelho" encontra-se resumido em Atos 15:1: "Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos." Eles não negavam que era preciso crer em Jesus para se obtera salva­ção, mas enfatizavam que também era necessário circuncidar-se e guar­dar a lei. Em outras palavras, era preciso deixar que Moisés comple­tasse o que Cristo havia iniciado. Ou, melhor, nós mesmos teríamos que completar, através de nossa obediência à lei, o que Cristo havia começado. Era preciso acrescentar nossas obras à obra de Cristo. Era preciso concluir a obra inacabada de Cristo.

Essa doutrina Paulo simplesmente não podia tolerar. O quê?! Acrescentar méritos humanos ao mérito de Cristo e obras humanas à obra de Cristo? Deus nos livre! A obra de Cristo é uma obra acabada; e o evangelho de Cristo é o evangelho da graça livre. A salvação é só pela graça, só pela fé, sem mistura alguma de obras ou méritos huma­nos. Ela é totalmente devida à vocação graciosa de Deus, e não a qual­quer boa obra de nossa parte.

Paulo vai ainda mais além. Ele diz que a deserção dos gálatas convertidos estava relacionada com a experiência e também com a teolo­gia. Ele não os acusa de desertarem do evangelho da graça com vistas a um outro evangelho, mas de desertarem daquele que os chamara na graça. Em outras palavras, teologia e experiência, fé cristã e vida cris­tã, andam juntas e não podem ser separadas. Afastar-se do evangelho da graça é afastar-se do Deus da graça. Os gálatas que se cuidassem, pois estavam se afastando muito depressa e precipitadamente. É im­possível abandonar o evangelho sem abandonar a Deus. Como Paulo diz mais adiante, em Gálatas 5:4: "da graça decaístes".

2. A Atividade dos Falsos Mestres (v. 7)

O motivo por que os gálatas convertidos estavam se afastando de Deus, que os chamara na graça, era claro: há alguns que vos perturbam (versículo 7b). O verbo grego para "perturbar" (tarassõ) significa "sacudir" ou "agitar". As congregações gálatas haviam sido lançadas pelos falsos mestres em um estado de confusão: confusão intelectual de um lado e facções de lutas do outro. É muito interessante que o Concilio de Jerusalém, provavelmente organizado logo após Paulo ter escrito esta epístola, tenha usado o mesmo verbo em sua carta às igrejas: "Visto sabermos que alguns de entre nós, sem nenhuma autorização, vos têm perturbado com palavras, transtornando as vossas almas..." (Atos 15:24).

Esta perturbação era causada por falsa doutrina. Os judaizantes estavam tentando "perverter" (ERAB), ou "distorcer" o evangelho. Estavam propagando o que J. B. Phillips chama de "uma falsificação do evangelho de Cristo". Na verdade, a palavra grega(metastrepsai) é ainda mais enfática e poderia ser traduzida por "inverter". Neste ca­so, eles não estavam apenas corrompendo o evangelho, mas realmente "invertendo-o", virando-o de costas e de cabeça para baixo. Não po­demos modificar ou fazer acréscimos ao evangelho sem que alteremos radicalmente o seu caráter.

Assim, as duas características principais dos falsos mestres eram que eles estavam perturbando a igreja e alterando o evangelho. Estas duas coisas andam juntas. Falsificar o evangelho resulta sempre em perturbação para a igreja. Não se pode mexer no evangelho e deixar a igreja intacta, pois esta é criada pelo evangelho e vive por ele. Na verdade, os maiores perturbadores da igreja (agora e naquele tempo) não são os que se lhe opõem de fora, que a ridicularizam e a perseguem, mas aqueles que dentro dela tentam alterar o evangelho. São eles que perturbam a igreja. Inversamente, a única maneira de ser um bom membro na igreja é sendo um bom adepto do evangelho. A melhor forma de servir a igreja é crer no evangelho e pregá-lo.

3. A Reação do Apóstolo Paulo (vs. 8-10)

A esta altura, a situação nas igrejas da Galácia é evidente. Falsos mestres estavam distorcendo o evangelho, de modo que os convertidos por Paulo o estavam abandonando. A primeira reação do apóstolo é de surpresa total: Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo (versículo 6). Muitos evangelistas de gerações posteriores ficam igualmente admirados e assustados ao verem com que rapidez e prontidão os convertidos relaxam sua firme­za para com o evangelho que pareciam ter abraçado com tanta convic­ção. Como Paulo escreve em Gálatas 3:1, é como se alguém os fasci­nasse ou enfeitiçasse; e é isto que, de fato, acontece. O diabo perturba a igreja tanto através do erro quanto do pecado. Quando ele não con­segue atrair os cristãos para o pecado, engana-os com falsas doutrinas.

A segunda reação de Paulo é de indignação com os falsos mestres, sobre os quais ele enuncia uma solene maldição: Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema (vs. 8 e 9).

A palavra grega duas vezes traduzida por anátema" é anathema no original. No Antigo Testamento grego ela era usada para indicar banimento divino, a maldição de Deus sobre qualquer coisa ou pessoa que ele destinasse à destruição. A história de Acã é um bom exemplo disso. Deus dissera que os despojos dos cananeus estavam sob sua proscrição - estavam destinados à destruição. Mas Acãroubou e guardou para si o que deveria ter sido destruído.

Assim o apóstolo Paulo deseja que esses falsos mestres sejam colo­cados sob banimento, maldição ou anathema de Deus. Isto é, ele ex­pressa o desejo de que o juízo de Deus recaia sobre eles. Nisso está implícito que as igrejas da Galácia certamente não iriam dar boas-vindas ou atenção a tais mestres, recusando-se a recebê-los ou ouvi-los, por serem homens rejeitados por Deus (cf. 2 Jo 10,11).

O que temos a dizer acerca desse anathema? Devemos esquecê-lo como se fosse apenas o resultado de uma explosão de ira? Devemos rejeitá-lo como se fosse produto de um sentimento incoerente com o Espírito de Cristo e indigno do evangelho de Cristo? Devemos explicá-lo como sendo palavra de um homem que era fruto de sua época e não conhecia outra forma de expressão? Muitas pessoas o fariam; mas pe­lo menos duas considerações indicam que esse anathema apostólico não era uma expressão de aversão pessoal a mestres rivais.

A primeira consideração é que a maldição do apóstolo, ou a maldi­ção de Deus que ele invoca, é de âmbito universal. Ela repousa sobre todo e qualquer mestre que distorça a essência do evangelho e que pro­pague tal distorção. Isto está explícito no versículo 9: Assim como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega..." Não há exceções. No versículo 8 ele a aplica especificamente a anjos e a homens, e então acrescenta a sua própria pessoa: ...ainda que nós...'". Tão desinteressado é o zelo de Paulo pelo evangelho que ele até deseja que a mal­dição de Deus caia sobre ele próprio, caso venha a pervertê-lo. Assim, o fato de ele incluir-se a si mesmo livra-o da acusação de despeito ou animosidade pessoal.

A segunda consideração é que a sua maldição é deliberadamente enunciada e com uma responsabilidade consciente para com Deus. Nota-se que ela é enunciada duas vezes (versículos 8 e 9). Como diz John Brown, comentarista escocês do século XIX: ''O apóstolo a re­pete para mostrar aos gálatas que não era uma declaração exagerada, excessiva, produto de um sentimento apaixonado, mas que era uma opinião calmamente formada e inalterável." Então Paulo prossegue no versículo 10: Porventura procuro eu agora o favor dos homens, ou o de Deus? ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a ho­mens, não seria servo de CristoParece que os seus difamadores o ha­viam acusado de oportunista e bajulador, que adaptava a sua mensagem ao auditório. Mas será que esta condenação sem rodeios dos fal­sos mestres é a linguagem de um bajulador? Pelo contrário, nenhum homem pode servir a dois senhores. E, considerando que Paulo era em primeiro lugar e principalmente um servo de Jesus Cristo, a sua ambição era agradar a Cristo, e não aos homens. Portanto, é como "servo de Cristo", responsável diante do seu divino Senhor, que ele pondera as palavras e se atreve a exprimir este solene anathema.

Vimos, então, que Paulo enuncia o seu anathema imparcialmente (quem quer que fossem os mestres) e deliberadamente (na presença de Cristo, seu Senhor).

Mas talvez alguém pergunte: "Por que ele tem uma reação tão for­te e usa uma linguagem tão drástica?" Dois motivos são bem claros. O primeiro é que a glória de Cristo estava em jogo. Tornar as obras dos homens necessárias à salvação, ainda que como um suplemento à obra de Cristo, é derrogante para a sua obra consumada. É o mesmo que dar a entender que a obra de Cristo foi de certa forma insatisfató­ria, e que os homens precisam acrescentar-lhe algo e aperfeiçoá-la. Na verdade, é o mesmo que declarar a redundância da cruz: "se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão" (Gl 2:21).

O segundo motivo por que Paulo sentiu a questão de maneira tão penetrante é que o bem-estar das almas das pessoas estava em jogo. Ele não estava escrevendo acerca de alguma doutrina trivial, mas sobre algo que é fundamental ao evangelho. Nem tampouco estava fa­lando daqueles que simplesmente têm falsos pontos de vista, mas da­queles que os ensinam e que desencaminham outros com os seus ensinamentos. Paulo se importava profundamente com a alma humana. Em Romanos 9:3 ele declara que preferiria ser ele próprio amaldiçoa­do (literalmente, ser anathema), se com isto outros pudessem ser sal­vos. Ele sabia que o evangelho de Cristo é o poder de Deus para a sal­vação. Corromper o evangelho portanto, era destruir o caminho da salvação, condenando à ruína almas que poderiam ser salvas através dele. O próprio Jesus não enunciou uma solene advertência à pessoa que leva outros a tropeçarem, dizendo que "melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse lan­çado no mar" (Mc 9:42)? Parece então que Paulo, longe de contradi­zer o Espírito de Cristo, na verdade o estava expressando. Naturalmente vivemos numa época em que as pessoas que têm opiniões claras e definidas sobre determinados assuntos são consideradas intolerantes e bitoladas, quanto maisaquelas que discordam vivamente de todas as ou­tras. O desejo de que os falsos mestres realmente caiam sob a maldição de Deus e sejam tratados como tais pela igreja é uma ideia incon­cebível para muitos. Mas eu me atrevo a dizer que, se nós nos impor­tássemos mais com a glória de Cristo e com o bem da alma humana, também não seríamos capazes de suportar a corrupção do evangelho da graça.

Concluindo a primeira parte

A lição que se destaca neste parágrafo é que só existe um único evangelho. A opinião popular alega que existem muitos caminhos que le­vam a Deus, que o evangelho muda com o passar dos tempos e que não devemos condená-lo à fossilização do primeiro século d.C.Mas Paulo não endossaria tais ideias. Aqui ele insiste em que só há um evan­gelho e que este evangelho não muda. Qualquer ensinamento que rei­vindique ser "um outro evangelho" não é "um outro" (versículos 6, 7). A fim de esclarecer este ponto ele usa dois adjetivos: heteros ("ou­tro" no sentido de "diferente") e allos ("outro" no sentido de "um segundo"). Poderíamos traduzir este trecho da seguinte maneira: "Vós estais passando para um evangelho diferente - não que exista um ou­tro evangelho." Em outras palavras, certamente existem "evangelhos" diferentes que estão sendo pregados, mas isto é que eles são: diferen­tes. Não há um outro, um segundo; há apenas um. A mensagem dos falsos mestres não era um evangelho alternativo: era um evangelho per­vertido.

Como podemos reconhecer o verdadeiro evangelho? Suas marcas nos foram apresentadas e referem-se à sua substância (o que é) e à sua fonte (de onde vem).

a. A substância do evangelho

É o evangelho da graça, do favor livre e imerecido de Deus. Afastar-se daquele que nos chamou na graça de Cristo é afastar-se do verdadeiro evangelho. Sempre que os mestres começam a exaltar uma pessoa, dando a entender que esta pode contribuir com alguma coisa para a sua salvação através de sua própria moral, religião, filosofia ou respeita­bilidade, o evangelho da graça está sendo corrompido. Este é o pri­meiro teste. O verdadeiro evangelho magnífica a livre graça de Deus.

b. A fonte do evangelho

O segundo teste refere-se à origem do evangelho. O verdadeiro evangelho é o evangelho dos apóstolos de Jesus Cristo; em outras palavras, é o evangelho do Novo Testamento. Leia novamente os versículos 8 e 9. A acusação de anathema é declarada por Paulo contra qualquer pessoa que pregue um evangelho contrário ao que ele pregou, ou "que vá além daquele que recebestes". Isto é, a norma, o critério pelo qual todos os sistemas e opiniões devem ser testados, é o evangelho primiti­vo, o evangelho que os apóstolos pregaram e que se encontra registra­do no Novo Testamento. Qualquer "outro" sistema "que vá além" (ERAB) ou que seja "diferente" (BLH) desse evangelho apostólico deve ser rejeitado.

Este é o segundo teste fundamental. Qualquer um que rejeite o evangelho apostólico, não importa quem seja, será igualmente rejeitado. Pode até vir na forma de "um anjo do céu". Neste caso, devemos pre­ferir os apóstolos aos anjos. Não devemos ficar deslumbrados, como acontece a muitas pessoas, com a personalidade, os dons ou a posição dos mestres na igreja. Eles podem dirigir-se a nós com grande dignidade, autoridade e erudição. Podem ser bispos ou arcebispos, professo­res universitários ou até mesmo o próprio papa. Mas, se nos trouxe­rem um evangelho diferente daquele que foi pregado pelos apóstolos e que se encontra registrado no Novo Testamento, devem ser rejeita­dos. Nós os julgamos pelo evangelho; não julgamos o evangelho por eles. Como disse o Dr. Alan Cole: "Não é a pessoa física do mensagei­ro que dá valor à sua mensagem; antes, é a natureza da mensagem que dá valor ao mensageiro."

Então, ao ouvirmos as multifárias opiniões de homens e mulheres da atualidade, sejam faladas, escritas, irradiadas ou televisionadas, devemos sujeitar cada uma delas a estes dois rigorosos testes. Tal opinião é coerente com a livre graça de Deus e com o claro ensinamento do Novo Testamento? Caso contrário, devemos rejeitá-la, por mais augusto que seja o mestre. Mas, se for aprovada nestes testes, então vamos abraçá-la e apegar-nos a ela. Não devemos comprometê-la como os judaizantes, nem desertar dela como os gálatas, mas viver por ela e procurar torná-la conhecida dos outros.

A origem do evangelho de Paulo

Vimos acima que há um só evangelho, e que este evan­gelho é o critério pelo qual todas as opiniões humanas devem ser testa­das. É o evangelho que Paulo apresentou.

A questão agora é: qual é a origem do evangelho de Paulo para que seja normativo, e para que as outras mensagens e opiniões sejam avaliadas e julgadas por ele? Sem dúvida é um evangelho maravilho­so. Lembremos a Epístola aos Romanos, as Epístolas aos Coríntios e as poderosas epístolas da prisão, como Efésios, Filipenses e Colossenses. Ficamos impressionados com o majestoso ímpeto, profundi­dade e a consistência com que Paulo expõe o propósito de Deus de eter­nidade a eternidade. Mas de onde ele tirou essas ideias? Seriam produ­to de sua própria mente fértil? Ele as inventou? Ou será que eram ma­terial antigo, de segunda mão, sem autoridade original? Será que as plagiou dos outros apóstolos em Jerusalém, que os judaizantes eviden­temente defendiam, uma vez que tentavam subordinar a autoridade de Paulo à dos apóstolos?

A resposta dele a estas perguntas pode ser encontrada nos versícu­los 11 e 12: Faço-vos, porém, saber, irmãos (uma fórmula favorita sua de introduzir uma declaração importante), que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo. Eis aí a razão por que o evangelho de Paulo era o padrão pelo qual os outros evangelhos deviam ser medidos. O seu evangelho era (literalmente, versículo 11) "não... segundo o homem"; não era "invenção hu­mana" (BLH). "Eu o preguei", Paulo poderia dizer, "mas não o inventei. Também não o recebi de um homem, como se fosse uma tradição já aceita, passada de uma geração a outra. Também não me foi ensinado, como se o precisasse aprender de mestres humanos." Pelo contrário, ele veio "mediante revelação de Jesus Cristo". Isto provavelmente significa que ele lhe foi revelado por Jesus Cristo. Alternati­vamente, o genitivo poderia ser objetivo, caso em que Cristo é a subs­tância da revelação, como no versículo 16, e não o seu autor. Seja qual for o caso, o sentido geral é explícito. Assim como no versículo 1 ele afirmou ser divina a origem de sua comissão apostólica, agora ele afir­ma ser de origem divina o seu evangelho apostólico. Nem a sua missão nem a sua mensagem derivaram de homem algum; ambas lhe vieram diretamente de Deus e de Jesus Cristo.

A reivindicação de Paulo, portanto, é a seguinte. O seu evangelho, que estava sendo colocado em dúvida pelos judaizantes e abandonado pelos gálatas, não era uma invenção (como se a sua própria mente o tivesse fabricado), nem uma tradição (como se a igrejalho tivesse trans­mitido), mas uma revelação (pois Deus é quem o revelara a ele). Como John Brown diz: "Jesus cristo o tomou sob sua própria e imediata tu­tela." Por isso é que Paulo se atrevia a chamar o evangelho que pre­gava de "meu evangelho" (cf. Rm 16:25). Era "seu", não porque ele o criara, mas porque lhe fora revelado de maneira especial. A magni­tude de sua reivindicação é notável. Ele está afirmando que a sua men­sagem não é sua, mas de Deus; que o seu evangelho não é seu, mas de Deus; que as suas palavras não são suas, mas de Deus.

Após fazer esta surpreendente declaração de uma revelação direta de Deus, sem canais humanos, Paulo prossegue comprovando-a historicamente, isto é, com fatos de sua própria autobiografia. As situações ocorridas antes, durante e após sua conversão foram tais que ele sem dúvida recebeu o seu evangelho diretamente de Deus e não de al­gum homem. Examinemos essas três situações separadamente.

1. O que Aconteceu Antes de Sua Conversão (vs. 13, 14)

Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava. E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos na minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais.Aqui o apósto­lo descreve a sua situação antes da conversão, quando ele estava "no judaísmo", isto é, quando ainda era um "judeu praticante". O que ele fora naquele tempo todos sabiam. "Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora", diz ele, pois já lhes falara sobre isto antes. Paulo menciona dois aspectos da sua vida antes da regeneração: a perseguição à igreja, que ele agora reconhece ser "a igreja de Deus" (versículo 13), e o seu entusiasmo pelas tradições dos seus pais (versículo 14). Em ambos, diz ele, era fanático.

Consideremos a perseguição à igreja. Paulo perseguia a igreja de Deus "sobremaneira" (ERC) ou "com violência" (BLH). A frase pa­rece indicar a violência, até mesmo selvageria, com que ele se empe­nhava na sua atividade sinistra. O que ele nos conta aqui podemos su­plementar com o livro de Atos. Ele ia de casa em casa em Jerusalém, prendendo todos os cristãos que encontrasse, homens e mulheres, e arrastando-os para a cadeia (At 8:3). Quando esses cristãos eram con­denados à morte, ele votava contra eles (At 26:10). Ainda não satis­feito em perseguir a igreja, ele se sentia realmente inclinado a devastá-la (versículo 13). Estava determinado a acabar com ela.

Ele fora igualmente fanático em seu entusiasmo pelas tradições judaicas. "Fui um dos judeus mais religiosos do meu tempo e procurava seguir com todo o cuidado as tradições dos meus antepassados", descreve (versículo 14, BLH). Ele fora criado de acordo com "a seita mais severa" da religião judaica (At 26:5), ou seja, era um fariseu e vivia como tal.

Esta era a condição de Saulo de Tarso antes de sua conversão: um fanático inveterado, completamente dedicado ao Judaísmo e à perseguição de Cristo e da igreja.

Um homem nessa condição mental e emocional de maneira alguma mudaria de opinião, nem se deixaria influenciar por outras pessoas. Nenhum reflexo condicionado ou qualquer outro artifício psicológico poderia converter um homem assim. Apenas Deus poderia alcançá-lo - e foi o que Deus fez!

2. O que Aconteceu na sua Conversão (vs. 15, 16a)

Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pre­gasse entre os gentios... O contraste entre os versículos 13 e 14, de um lado, e os versículos 15 e 16, do outro, é dramaticamente abrupto. Ve­mo-lo claramente nos sujeitos dos verbos. Nos versículos 13 e 14 Pau­lo está falando de si mesmo: "perseguia eu a igreja de Deus... e a de­vastava... quanto ao judaísmo avantajava-me... sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais." Mas nos versículos 15 e 16 ele co­meça a falar de Deus. Foi Deus, escreve, "que me separou antes de eu nascer", Deus "me chamou pela sua graça", e a Deus "aprouve revelar seu Filho em mim". Em outras palavras, "no meu fanatismo eu me inclinava a perseguir e destruir, mas Deus (que eu havia deixado fora de minhas cogitações) me prendeu e alterou meu impetuoso cur­so. Todo o meu violento fanatismo nada era diante da boa vontade de Deus."

Observe como a iniciativa e a graça de Deus são enfatizadas a cada estágio. Primeiro, Deus me separou antes de eu nascer. Assim como Jacó foi escolhido antes de nascer, em preferência ao seu irmão gêmeo Esaú (cf. Rm 9:10-13), e como Jeremias, designado para ser profeta antes de nascer (Jr 1:5), Paulo, antes de nascer, foi separado para ser apóstolo. Desta forma, se ele foi consagrado apóstolo antes mesmo do nascimento, então é evidente que ele nada tem a ver com isso.

Em segundo lugar, essa escolha antes do seu nascimento levou à sua vocação histórica. Deus me chamou pela sua graça, isto é, por seu amor totalmente imerecido. Paulo estivera lutando contra Deus, con­tra Cristo, contra os homens. Ele não merecia misericórdia, nem a pe­dira. Mas a misericórdia fora ao seu encontro e a graça o chamara.

Terceiro, aprouve (a Deus) revelar seu Filho em mim. Quer Paulo esteja se referindo à sua experiência na estrada de Damasco, ou aos dias imediatamente subsequentes, o que lhe foi revelado foi Jesus Cristo, o Filho de Deus. Paulo perseguia a Cristo porque cria que este era um impostor. Agora o seus olhos estavam abertos para ver Jesus não co­mo um charlatão, mas como o Messias dos judeus, Filho de Deus e o Salvador do mundo. Ele já conhecia alguns dos fatos acerca de Jesus (ele não declara que estes lhe foram revelados sobrenaturalmente, naquele ocasião ou mais tarde, cf. 1 Co 11:23), mas agora percebia o seu significado. Era uma revelação de Cristo para os gentios, pois a Deus "aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios". Fora uma revelação particular a Paulo, mas para uma comunicação pública aos gentios. (Cf. At 9:15.) E o que Paulo foi encarregado de pregar aos gentios não foi a lei de Moisés, como os judaizantes estavam ensinando, mas as boas novas (o significado do verbo "pregar" no versículo 16), as boas novas de Cristo. Este Cristo fora revelado, diz Paulo, "em mim" (literalmente). Nós sabemos que foi uma revelação externa, pois Paulo declara ter visto Cristo ressuscitado (p. ex., 1 Co 9:1; 15:8, 9). Essencialmente, porém, foi uma iluminação interior de sua alma, Deus resplandecendo em seu coração "para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo" (2 Co 4:6). E esta revelação foi tão íntima, tornando-se de tal forma parte dele mesmo, que lhe possibilitou torná-la conhecida aos outros.

A força destes versículos é muito grande. Saulo de Tarso fora um oponente fanático do evangelho. Mas Deus se agradou fazer dele um pregador desse mesmo evangelho ao qual ele antes se opunha tão ferozmente. Sua escolha antes de nascer, sua vocação histórica e a reve­lação de Cristo nele, tudo isso foi obra de Deus. Portanto, nem a sua missão apostólica nem a sua mensagem vinham dos homens.

Contudo, o argumento do apóstolo ainda não está completo. Considerando que a sua conversão foi uma obra de Deus, o que se tornou claro na maneira como aconteceu e pelos seus precedentes, não teria ele recebido instruções depois de sua conversão, de modo que a sua mensagem fosse proveniente de homens? Não. Isto também Paulo nega.

3. O que Aconteceu Depois de sua Conversão (vs. 16b-24)

...não consultei carne e sangue, 17 nem subi a Jerusalém para os que já eram apóstolos antes de mim, mas parti para as regiões da Arábia, e voltei outra vez para Damasco.
18 Decorridos três anos, então subi a Jerusalém para avistar-me com Cefas, e permaneci com ele quinze dias; 19 e não vi outro dos apósto­los, senão a Tiago, o irmão do Senhor. 20 Ora, acerca do que vos es­crevo, eis que diante de Deus testifico que não minto. 21Depois fui pa­ra as regiões da Síria e da Cilícia. 22 E não era conhecido de vista das igrejas da Judéia, que estavam em Cristo. 23 Ouviam somente dizer: Aquele que antes nos perseguia, agora prega a fé que outrora procura­va destruir. 24 E glorificavam a Deus a meu respeito.

Neste parágrafo um tanto longo a ênfase está na primeira declara­ção, no final do versículo 16: "não consultei carne e sangue". Isto é, Paulo diz que não consultou nenhum ser humano. Sabemos que Ananias foi ao seu encontro, mas evidentemente Paulo não discutiu o evan­gelho com ele, nem com qualquer dos apóstolos em Jerusalém. Agora ele faz esta declaração historicamente. Ele apresenta três álibis para provar que não gastou tempo em Jerusalém e que seu evangelho não foi moldado pelos outros apóstolos.

Álibi 1Ele foi à Arábia (v. 17)

De acordo com Atos 9:20, Paulo ficou algum tempo em Damasco, pregando, o que dá a ideia de que o seu evangelho já estava bastante defi­nido para que pudesse anunciá-lo. Mas deve ter ido logo depois para a Arábia. O Bispo Lightfoot comenta: "Um véu muito espesso cobre a visita de S. Paulo à Arábia." Não sabemos aonde ele foi nem por que foi para lá. Possivelmente não foi muito longe de Damasco, por­que todo o seu distrito naquele tempo era governado pelo rei Aretas da Arábia. Há quem diga que ele foi à Arábia como missionário para pregar o evangelho. Crisóstomo descreve "um povo bárbaro e sel­vagem" que vivia ali, o qual Paulo foi evangelizar. Mas é muito mais provável que ele tenha ido à Arábia em busca de quietude e solidão, pois este é o ponto alto dos versículos 16 e 17: "...não consultei carne e sangue... mas parti para as regiões da Arábia." Parece que ele ficou por lá durante três anos (versículo 18). Cremos que neste período de afastamento, ao meditar sobre as Escrituras do Antigo Testamento, sobre os fatos da vida e morte de Jesus, os quais ele já conhecia, e a experiência de sua conversão, o evangelho da graça de Deus lhe foi re­velado em toda a plenitude. Alguém até já sugeriu que aqueles três anos na Arábia foram uma deliberada compensação pelos três anos de ins­trução que Jesus dera aos outros apóstolos, mas que Paulo não rece­bera. Agora era como se ele tivesse Jesus ao seu lado durante três anos de solidão no deserto.

Álibi 2. Ele foi a Jerusalém mais tarde para uma rápida visita (vs. 18-20)

A ocasião provavelmente é a que se menciona em Atos 9:26, depois que ele foi tirado às escondidas de Damasco, sendo descido pelo muro da cidade em um cesto. Paulo é totalmente franco acerca desta visita a Jerusalém, mas lhe dá pouca importância. Nada havia nela de tão significativo como os falsos mestres estavam obviamente sugerindo. Diversos aspectos dela são mencionados.

Primeiro, ela aconteceu "decorridos três anos" (versículos 18). Is­to significa quase certamente três anos depois de sua conversão, tem­po em que o seu evangelho já fora plenamente formulado.

Depois, quando ele chegou a Jerusalém, avistou-se apenas com dois apóstolos, Pedro e Tiago. Ele foi para "avistar-se" (ERAB) ou "co­nhecer" (BLH) Pedro. O verbo grego (historesai) era usado no sentido de fazer turismo e significa "visitar com o propósito de conhecer uma pessoa" (Arndt-Gingrich). Lutero comenta que Paulo foi visitar esses apóstolos "não porque recebeu tal ordem, mas de sua própria vonta­de; não para aprender alguma coisa com eles, mas apenas par conhe­cer Pedro". Paulo também conheceu Tiago, que parece estar aqui re­lacionado entre os apóstolos (versículo 19). Não viu, porém, nenhum dos outros apóstolos. Pode ser que eles estivessem ausentes, ou ocupa­dos demais, ou até mesmo com medo de Paulo (cf. At 9:26).

Terceiro, ele passou apenas "quinze dias" em Jerusalém. Natural­mente em quinze dias os apóstolos teriam tido tempo par falar acerca de Cristo. Mas o que Paulo está destacando é que, quinze dias não era tempo suficiente para ele absorver de Pedro todo o conselho de Deus. Além disso, não fora este o propósito da visita. Lemos em Atos (9:28,29) que grande parte daquelas duas semanas em Jerusalém foi ocupada em pregações.

Resumindo, a primeira visita de Paulo a Jerusalém deu-se apenas depois de três anos, durou duas semanas, e ele viu apenas dois apóstolos. Portanto, é ridículo sugerir que tenha recebido o seu evangelho dos apóstolos em Jerusalém.

Álibi 3. Ele foi para a Síria e a Cilícia (vs. 20-24)

Esta visita ao extremo norte corresponde a Atos 9:30, onde lemos que Paulo, estando em perigo de vida, foi levado pelos irmãos à Cesaréia, de onde o enviaram para Tarso, que fica na Cilícia. Uma vez que ele diz que também foi "para as regiões da Síria", ele deve ter visitado novamente Damasco e Antioquia a caminho de Tarso. De qualquer maneira, o que Paulo está destacando é que estava lá no extremo nor­te, e não em Jerusalém. Um resultado disso é que ele "não era conhecido de vista das igre­jas da Judéia" (versículo 22). Estas o conheciam apenas de ouvir fa­lar, e o rumor que ouviam era que o seu perseguidor de outrora se tor­nara pregador (versículo 23). Na verdade, ele se tornara pregador "da fé" que havia aceitado e que anteriormente "procurava destruir". Sa­bendo disto, "glorificavam a Deus a meu respeito". Eles não glorificavam a Paulo, mas a Deus em Paulo, reconhecendo que este era um troféu extraordinário da graça de Deus.

Só catorze anos mais tarde (2:1), presumivelmente anos esses após a sua conversão, Paulo tornou a visitar Jerusalém e teve um contato mais demorado com os outros apóstolos. A essa altura dos acontecimentos, o seu evangelho já estava totalmente desenvolvido. Mas durante o pe­ríodo de catorze anos entre a sua conversão e esta entrevista ele fez apenas uma rápida e insignificante visita a Jerusalém. O restante desse tempo ele passou na distante Arábia, na Síria e na Cilícia. Seus álibis provam a independência do seu evangelho.

O que Paulo diz nos versículos 13 a 24 pode ser resumido da se­guinte forma: o fanatismo de sua carreira antes da conversão, a inicia­tiva divina na sua conversão e depois, o seu isolamento quase total dos líderes da igreja de Jerusalém, tudo contribuía para provar que sua men­sagem não era humana, mas divina. Além disso, estas evidências his­tóricas e circunstanciais não poderiam ser contestadas. O apóstolo po­de confirmar e garantir isso com uma solene afirmação: "Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto!" (versículo 20).

Conclusão

Concluindo, retornamos à afirmação que estes detalhes autobiográfi­cos procuraram estabelecer. Os versículos 11 e 12 dizem: Faço-vos, po­rém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segun­do o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem al­gum, mas mediante revelação de Jesus Cristo. Tendo considerado a falta de contato de Paulo com os apóstolos de Jerusalém duranteos primeiros quatorze anos do seu apostolado, podemos aceitar a origem divina de sua mensagem? Muitos não aceitam.

Há pessoas que, embora admirem o intelecto sólido de Paulo, acham que seus ensinamentos são severos, áridos e complicados; por isso os rejeitam.

Outros dizem que Paulo foi responsável pela corrupção do Cristia­nismo simples de Jesus Cristo. Estava na moda, cerca de um século atrás, estabelecer uma brecha entre Jesus e Paulo. Contudo, de um mo­do geral reconhece-se atualmente que não se pode fazer isto, pois to­das as sementes da teologia de Paulo se encontram nos ensinamentos de Jesus. Não obstante, a "teoria da brecha" ainda tem os seus advo­gados. Por exemplo, Lord Beaverbrook escreveu uma pequena vida de Cristo que ele intitulou The Divine Propagandist (O Propagandista Divino). Ele nos informa que a escreveu "como um homem de negó­cios", e que estava "tentando entender Jesus à luz trêmula de uma in­teligência limitada e uma pesquisa certamente restrita". "Eu vasculhei os evangelhos e ignorei a teologia", ele diz. Seu tema é que a igreja tem entendido mal e representado mal a Jesus Cristo. Quanto ao após­tolo Paulo, a opinião de LordBeaverbrook é que ele foi "incapaz, por natureza, de entender o espírito do Mestre". Ele prejudicou o Cristianismo e deixou suas marcas, eliminando muitos dos traços das pe­gadas do seu Mestre". Mas Paulo não pode ter representado mal a Cristo se estava transmitindo uma revelação especial de Cristo, que é o que ele declara em Gálatas 1.

Outras pessoas acham que Paulo era um homem comum, que participava de nossas paixões e nossa falibilidade, de modo que a sua opi­nião não é melhor do que a de qualquer outra pessoa. Mas Paulo diz que a sua mensagem não é segundo os homens, mas vem de Jesus Cristo.

Outros, ainda, dizem que Paulo simplesmente refletiu a opinião da comunidade cristã do primeiro século. Nesta passagem, porém, Paulo se esforça para mostrar que a sua autoridade não era eclesiástica. Ele foi totalmente independente dos líderes da igreja, e recebeu seus pon­tos de vista de Cristo, e não da igreja.

Este, portanto, é o nosso dilema. Vamos aceitar as palavras de Paulo quanto à origem de sua mensagem, apoiadas como estão por sólidas evidências históricas? Ou será que vamos preferir nossa própria teo­ria, embora não tenha o apoio de qualquer evidência histórica? Se Paulo está certo ao dizer que o seu evangelho não veio de homens, mas de Deus (cf. Rm 1:1), então rejeitar Paulo é rejeitar a Deus.

Bibliografia J. R. W. Stott+ www.ebareiabranca.com


A APOSTASIA DOS GÁLATAS (1:6-10)

6Admira-meno lugar das ações de graças usuais o apóstolo dá va­zão a uma expressão irrestrita de assombro, chamando a atenção para um assunto sobre o qual seus sentimentos eram claramente profundos.

tão depressaparece que a referência diria respeito à rapidez com que os gálatas estavam aceitando um evangelho falso, e neste caso o evento re­ferido deve ser o começo do falso ensino. É possível, naturalmente, iden­tificar o evento como sendo a ocasião em que se converteram, e a causa do assombro de Paulo seria então a rapidez com que abandonaram o evan­gelho verdadeiro. A referência pode estar também ligada à última visita do apóstolo. Mas a primeira destas interpretações se enquadraria melhor no contexto

estejais passandoo verbo é pitoresco, usado tanto para uma revolta mi­litar quanto para uma mudança de atitude. O apóstolo pensa nos leitores em termos de quem mudou de partido. Era um caso sério de apostasia. Outro evangelho estava exigindo uma lealdade que deveria ter sido exclu­siva do evangelho verdadeiro. O assombro de Paulo diante de tal aconte­cimento é facilmente entendido.

daquele que vos chamounão resta praticamente dúvida de que esta frase se refere a Deus Pai. O partido da oposição entre os gálatas certamente teria ficado surpreso ao ficar sabendo que na verdade estava se afastando do próprio Deus. Seu entusiasmo centralizava na lei de Deus; como, pois, era possível dizer que estavam desertando dEle? Paulo teria compreendi­do isto muito bem, porque ele mesmo imaginara estar prestando um ser­viço a Deus enquanto perseguia a Igreja. Este tipo de ilusão é um dos mais difíceis de lidar porque contém um forte elemento de convicção pie­dosa. Mas no momento em que se reconheça que o entusiasmo religioso para com a lei de Deus pode acabar transformando-se numa deserção do próprio Deus, há esperança de que a verdadeira natureza do evangelho venha a ser discernida.

na graça de Cristoalguns manuscritos omitem "de Cristo", mas quase to­da evidência o apoia. De qualquer maneira, a palavra "graça" subentende uma ligação com Cristo. A escolha da palavra "graça" por Paulo, pretende provavelmente contrabalançar a ênfase dada à "lei" pelos apóstatas. Eles devem aprender que Deus os chamou pela graça e não pela lei. Sua falha em compreender isto fora um erro fundamental. A preposição (en) pode ser entendida como sendo instrumental (= por meio de), embora isto não esgote o significado aqui. Pode também sugerir a esfera em que a chama­da torna-se efetiva, ou até referir-se à entrada numa nova condição. Neste último caso en representaria eis, mas esta possibilidade é mais artificial que as demais. Uma vez que o apóstolo estava pensando na mudança de posi­ção dos gálatas, certo significado local em en se adaptaria melhor ao con­texto. A implicação é que os gálatas, com seu evangelho diferente, estavam saindo da graça para dentro da qual tinham sido chamados.

para outro evangelhoo adjetivo expressa uma diferença de tipo, e, portan­to, diferencia o evangelho dos falsos mestres daquele pregado por Paulo. Mas em que sentido o evangelho deles é diferente? Não há evidência de que houvesse qualquer disputa quanto aos fatos do evangelho. A diferen­ça consistia na variação das aplicações desses fatos. Sem dúvida, os falsos mestres acreditavam firmemente que sua posição representava na verdade o evangelho, mas Paulo indica que a aplicação do mesmo feita por eles re­presenta, na realidade, um evangelho essencialmente diverso.

7o qual não é outroparece que Paulo se corrige aqui, como se reconhecesse repentinamente que aquilo que acabara de dizer pudesse dar a impressão de que estava disposto a atribuir a palavra "evangelho" a qual­quer outra forma de ensino. Na realidade, não pode haver outro evangelho, se "evangelho" for entendido como descrição do caminho divino da salva­ção em Cristo. Aquilo que estas outras pessoas estão ensinando é uma perversão (Duncan). Paulo tem uma idéia clara daquilo que queria dizer com "evangelho", mas não se deve supor que fosse uma noção particular sua, pois neste caso, suas palavras não teriam peso. Com toda probabilida­de, havia uma definição geralmente aceita daquilo que era básico ao con­ceito. A Igreja moderna tornou-se menos clara quanto à natureza do evan­gelho, mas faria bem em meditar a importância que Paulo atribui aqui às distinções entre o evangelho verdadeiro e o falso.

há alguns que vos perturbamem outras ocasiões Paulo se refere aos opo­nentes sem mencioná-los pelo nome (cf. Gl 2:12; 1 Co 4:18; 2 Co 3:1; 10:2). Os leitores os identificariam imediatamente. A palavra usada aqui para "perturbar" (tarassontes) pode referir-se à agitação física, distúrbio mental, ou atividade subversiva. Usada em conjunto com a metáfora de deserção, o último destes três sentidos é preferível.

pervertero termo (metastrephõ) significa transferir para uma opinião dife­rente, daí, mudar o caráter essencial de uma coisa. A palavra não precisa subentender degeneração, mas onde aquilo que é mudado é bom, a mu­dança deve envolver a idéia da perversão, como aqui. Não se trata de uma simples distorção do evangelho; mas, sim, de dar-lhe uma ênfase que vir­tualmente o transformava em outra coisa. Desta maneira, Paulo demons­tra sua compreensão magistral dos princípios por detrás da política dos fal­sos mestres. Uma salvação dependente da circuncisão; e, por implicação, das observâncias legais, não era de modo algum um evangelho verdadeiro, mas uma perversão. Vale a pena notar que Paulo coloca sobre os falsos mestres a responsabilidade pela anomalia, ao demonstrar que eles mesmos querem (thelontes) perverter.

o evangelho de Cristoposto que no grego o artigo é usado com o nome de Cristo, o genitivo deve ser considerado uma definição do evangelho num senso específico. Era o evangelho que pertencia ao Messias, mas aqueles que o pervertiam professavam serem zelosos pelas suas reivindi­cações messiânicas ao insistirem numa aplicação essencialmente judaística. O genitivo também poderia ser entendido como uma descrição do evange­lho que Cristo proclamava (i. e., um genitivo subjetivo, cf. Williams), mas a primeira interpretação está mais em harmonia com o contexto.

8Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céuPaulo es­tá antecipando aqui uma objeção. Os falsos mestres poderiam alegar que aquilo que acaba de descrever como sendo o evangelho de Cristo realmen­te é o evangelho de Paulo. É bem possível terem dito aos gálatas não haver razão para o evangelho de Paulo estar certo e não o deles, especialmente no caso de estarem alegando tratar-se do mesmo evangelho. Mas o apósto­lo assevera com forte ênfase que o único evangelho autêntico é aquele originalmente pregado por ele. Nem o próprio Paulo nem um anjo poderia alterá-lo. O evangelho não era de Paulo, mas de Cristo. Este fato o tomava imutável.

que vá alémou "contrário a" (RSV), não é a única interpretação das pala­vras gregas (par’ho), embora seja quase certamente correta aqui. Paulo es­tá pensando nas afirmações dos falsos mestres, como sendo absolutamente contrárias à verdade do evangelho. Isto é expresso de modo ainda mais enfático do que a referência à perversão no versículo anterior. As palavras po­dem significar "além de", e neste caso o anátema seria contra acréscimos ao evangelho puro, como, por exemplo, nas tradições dos homens. Alguns dos primeiros protestantes interpretavam assim a expressão na sua denún­cia do apelo católico romano à tradição eclesiástica, como sendo equiva­lente à Bíblia. Num certo sentido, Paulo talvez estivesse pensando na exi­gência da circuncisão, feita por estes mestres, como sendo um acréscimo ao evangelho originalmente pregado aos gálatas, mas a forte acusação sugere que Paulo considera as ações deles como sendo a antítese direta do evan­gelho verdadeiro.

anátemaa palavra anathema é relacionada com o hebraico herem, usado para aquilo que era dedicado a Deus, usualmente para a destruição. Alguns têm suposto que a palavra era usada entre os judeus para expressar a ex­comunhão (assim Williams). No usoneotestamentário é uma expressão for­te, indicando separação de Deus. Ela subentende a desaprovação de Deus. Realmente, "anátema" é o contraste máximo com a graça de Deus. Seu uso aqui como uma asseveração contra os que pervertem o evangelho, re­flete a avaliação de Paulo quanto à gravidade do ponto de vista deles. Não se tratava de uma explosão irada pelo fato de estarem abandonando aqui­lo que Paulo pregara. Não era uma questão de prestígio pessoal, mas a própria essência do evangelho estava em jogo. Se os falsos mestres estavam diretamente contradizendo o evangelho da graça de Cristo, não haveria qualquer possibilidade de evitarem incorrer no forte desagrado de Cristo. É de certo modo estranho que Paulo se expressasse tão violentamente an­tes mesmo de delinear a natureza da perversão, mas isso demonstra a in­tensidade das apreensões do apóstolo acerca do problema. Na Igreja pri­mitiva o caráter sagrado do evangelho era mais plenamente apreciado do que tem sido frequentemente o caso na história subsequente da Igreja. Nos tempos modernos tem havido uma forte tendência no sentido de confundir as personalidades com o conteúdo do evangelho, mas a inclu­são do próprio Paulo ou mesmo de um anjo na possibilidade de um aná­tema torna indisputavelmente clara a superioridade da mensagem sobre o mensageiro. Para o uso semelhante de um anátema, cf. 1 Co 12:3; Rm 9:3.

9Assim como já dissemos...este versículo é quase uma repetição exata do v. 8. Mas, por que Paulo se repete? Ele não poderia deixar de impressionar os leitores com um senso de solenidade ao pronunciar o anátema duas vezes. A única mudança é a substituição de "que recebestes" por "que vos tenhamos pregado". O enfoque muda, portanto, dos mensa­geiros para os ouvintes. Os dois juntos refletem o aspecto cooperativo da origem de cada nova comunidade de crentes. Paulo não só pregou pessoal­mente o evangelho, mas este foi também plenamente reconhecido por aqueles que o receberam. A palavra proeirèkamen pode refe­rir-se àquilo que fora dito por Paulo na sua última visita às igrejas da Galácia (assim Duncan), ao invés de à declaração do versículo anterior. Diz-se que esta última interpretação é excluída pelo uso de arti (agora) na frase seguinte (e agora repito), visto que a declaração deste versículo pareceria estar separada por um intervalo daquilo que Paulo dissera previamente (Lightfoot). Se isto for correto, os gálatas não têm desculpa alguma. Sa­biam que um evangelho contrário envolveria um anátema, mas persistiram na sua atividade subversiva.

daquele que recebesteso verbo usado aqui expressa a comunicação do en­sino cristão autorizado. O próprio Paulo já estivera na situação de recipien­te neste processo, conforme 1 Coríntios 15:3ss. deixa claro, a despeito daquilo que diz no v. 12 (veja o comentário abaixo). É preciso mais do que pregar o evangelho, ele precisa ser recebido. O processo da transmis­são é completo somente quando os homens reconhecem que a mensagem pregada é o evangelho de Deus, e uma vez que isto tenha sido feito, não têm desculpa para desviar-se dele.

10Porventura procuro eu agora o favor dos homens? O "agora" desta declaração reforça o "agora" no v. 9. Subentende que Paulo está respondendo a uma acusação de que seus motivos se alteraram desde a primeira ocasião em que pregou a eles. Sua pergunta retórica sugere que a acusação de procurar proveito próprio estava sendo feita contra Paulo, sem dúvida com a intenção de desacreditá-lo e, portanto, refutar sua in­fluência. "Procurar favor" (peithō) significa, no contexto, "conciliar", e a ideia parece ser que Paulo, ao afrouxar a exigência da circuncisão para os convertidos gentios, estava facilitando a entrada dos interessados no cristianismo. Em resumo, ele procurava agradar ao povo.

ou o de Deus? Talvez pareça estranho que Paulo declarasse como segun­da alternativa a ideia de procurar ganhar o favor de Deus, se é que o ver­bo deve ser entendido neste sentido. É melhor tomar por certo que esta segunda parte da pergunta significa: Estou procurando a aprovação de Deus? Parece haver uma pressuposição distinta de que o ser humano tem uma escolha direta entre agradar a homens ou agradar a Deus, e os que fazem a primeira opção não podem fazer também a segunda. Era da má­xima importância para Paulo demonstrar que estava nesta última cate­goria.

ou procuro agradar a homens? A primeira das perguntas retóricas é repeti­da para ênfase adicional, com uma mudança significativa do verbo, de "con­ciliar" para "agradar" (areskein). É mais do que repetição que está envol­vida. O primeiro verbo refere-se a tornar simples para os homens aceitarem o evangelho, ao passo que este verbo sugere o emprego da lisonja tendo em vista a obtenção da popularidade.

Se... não seria servo de Cristoa ideia de Paulo como interesseiro pode ser imediatamente refutada por um apelo à sua experiência. A escravidão a Cristo tinha a probabilidade de levar à popularidade? A palavra usada (doulos) sugere tal servidão a Cristo que qualquer ideia de popularidade se­ria totalmente estranha. Paulo usa a mesma descrição da sua categoria na saudação da Epístola aos Romanos (cf. também Tt 1:1).

fonte www.ebdareiabranca.com

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