BIG BANG (CRIACIONISMO)
CRIACIONISMO
No dia 17 de março, a comunidade científica foi “sacudida” por uma
descoberta que teria “comprovado” uma vertente, ou “fase”, da teoria do Big
Bang, a chamada hipótese inflacionária. O achado consistia de “ondas
gravitacionais” que, na expressão de alguns cientistas, são classificadas como
“marcas” inequívocas de que o Universo foi mesmo gerado há 13,72 bilhões de
anos. Apesar da excitação que esse tipo de descoberta provoca, o físico
brasileiro Marcelo Gleiser, em sua coluna naFolha On-Line, afirma que, assim
“Como toda nova descoberta científica, esta também precisa passar pelo
escrutínio da comunidade e ser confirmada por outros experimentos” (Ecos da
Criação). Infelizmente, pouco mais de três meses depois, parece que tudo não
passou de alarme falso e houve uma precipitação em divulgar o “achado”.* É o
que informa o mesmo cientista em sua coluna no dia de hoje (A Sedução da fama).
A que se respeitar a naturalidade da euforia inicial, principalmente se se
considerar que os primeiros sinais desse tipo foram detectados,
involuntariamente, há 50 anos, pelos radioastrônomos, Arno Penzias e Robert
Wilson que, segundo Stephen Hawking, eram “dois físicos americanos dos Bell
Telephone Laboratories, em Nova Jersey” que “estavam testando um ultra-sensível
detetor de microondas (microondas são como ondas de luz, porém, com frequência
da ordem de apenas dez bilhões de ondas por segundo). Penzias e Wilson ficaram
preocupados quando descobriram que seu detetor estava registrando mais ruído do
que deveria.
O ruído não parecia vir de qualquer direção particular. Primeiro descobriram
dejetos de aves no aparelho e pesquisaram outros possíveis defeitos, mas logo
desistiram. Sabiam que qualquer ruído interior da atmosfera seria mais forte se
o detetor não estivesse apontado diretamente, do que quando estivesse, porque
os raios de luz atravessam muito mais atmosfera quando recebidos próximo do
horizonte, do que quando recebidos diretamente do além. O ruído extra era o
mesmo em qualquer direção que o detetor apontasse; portanto, deveria vir de
fora da atmosfera. Era também o mesmo de dia ou à noite, e durante todo o ano,
ainda que a Terra estivesse em rotação sobre seu eixo e percorrendo sua órbita
em torno do Sol. Isto demonstrava que a radiação deveria vir de além do sistema
solar e, mais ainda, de além da galáxia, ou variaria quando do movimento da
Terra apontasse o detetor para diferentes direções” (Uma Breve História do
Tempo, pp.69-70).
Por causa desse “achado”, Penzias e Wilson, ganharam em 1978, o Prêmio
Nobel de Física. A demora se deu pelo fato de que a associação dos sinais
detectados com a teoria do Big Bang só “foram interpretados mais tarde como
resquícios de uma fase extremamente quente do Universo”, diz o físico
brasileiro Mário Novello em sua obra Do Big Bang ao Universo Eterno (p.21). O
que poucos sabem é que, como relata o jornalista Francisco Neves, em um dos
textos de apoio à obra Poeira das Estrelas, de Marcelo Gleiser, apesar de a
descoberta acidental dos dois físicos fornecer sustentação experimental à
teoria, “Georg Gamow, Ralph Alpher e Robert Hermann, que em 1948 haviam
apresentado o modelo teórico do Big Bang — no qual a existência de uma radiação
cósmica de fundo era postulada —, sequer foram mencionados pelos laureados pelo
trabalho” (p.155). É constrangedor que isso tenha ocorrido no meio acadêmico,
pois os dois radioastrônomos não descobriram nada, eles apenas tiveram a
“sorte” de constatar — acidentalmente, observe-se —, o que Gamow, Alpher e
Hermann postularam três décadas antes. Infelizmente, conhecimento e titulação
não significam necessariamente que a pessoa tenha caráter e civilidade.
Patifarias à parte, o fato é que o achado de março é mais uma confirmação de um
tipo de postulação teórica que teve início há pouco mais de noventa anos.
Apesar de toda a hostilidade existente entre religiosos e cientistas, é “quase
irônico”, diz Gleiser, “que o primeiro a propor um modelo científico da origem
do universo fosse ao mesmo tempo padre e cosmólogo” (Ibid., p.141).
Foi o que
aconteceu em 1930 quando o padre belga, Georges Lemaître, que além de teólogo,
era físico, propôs o chamado “Átomo Primordial”. A despeito dessa informação de
Marcelo Gleiser, o matemático canadense John Byl, afirma que “Edgar Allan Poe,
que se tornou mais famoso por seus contos, foi o primeiro a sugerir que o
universo teve origem numa gigantesca explosão” (Deus e Cosmos, p.70). Byl
informa que no “pequeno livro Eureka, publicado em 1848, Poe descreve como o
universo foi criado por Deus, a partir do nada, como uma partícula primordial
explosiva”. A explicação da hipótese de Poe, é que “Inicialmente a matéria
explodiu movimentando-se em todas as direções. Na medida em que o universo se
expandia, a gravidade gradualmente induziu os átomos a se condensarem, formando
assim as estrelas e planetas. Eventualmente, em algum tempo no futuro, a ação
da gravidade fará que pare a expansão, e então começará a contração. O cosmos
finalmente retornará ao seu estado inicial, um pequeno ponto, tempo na qual ele
desaparecerá” (Ibid.).
Mas o destaque ao nome de Lemaître não se dá por ter sido, ou não, o
primeiro a propor uma teoria do início do universo. Segundo o físico Lawrence
Krauss, a proposta do padre belga foi fundamental para a Teoria da Relatividade
Geral de Albert Einstein, daí a sua importância. Isso porque, apesar de ainda
no início de 1916 o famoso físico ter completado a elaboração de uma nova
teoria da gravitação, e não apenas isso, pois era igualmente “uma nova teoria
do espaço e do tempo também”, pois, “foi a primeira teoria científica que
explicou não apenas como os objetos se movem através do espaço, mas também como
o próprio Universo pode se desenvolver”, como Krauss explica, havia “um
percalço” na teoria. “Quando Einstein começou a aplicar sua teoria para
descrever o Universo como um todo, ficou claro que ela não descrevia o Universo
em que vivíamos” (Um universo que veio do nada, p.18). Isso porque, como diz
Krauss, para a “comunidade científica de 1917, o Universo era estático e
contínuo, e consistia em uma única galáxia, a Via Láctea, rodeada por um espaço
vasto, infinito, escuro e vazio. Isso descreve o que você veria ao olhar para o
céu, a olho nu ou com um pequeno telescópio, e na época havia poucos motivos
para suspeitar do contrário” (Ibid., pp.18-19). Em outras palavras, “a teoria
da Relatividade Geral de Einstein não pare[cia] consistente com a imagem
[estática] que se tinha do Universo”, levando-o a inserir uma modificação em
suas equações, o termo cosmológico ou, como diz Gleiser, “pressão negativa” (O
fim da Terra e do Céu, p.284), que ele posteriormente classificou como “o maior
erro de sua vida”. Krauss afirma que por “ser apenas o acréscimo de uma
constante às equações, agora é convencional chamar esse termo de constante
cosmológica” (Ibid., p.71).
Em termos mais claros, apesar de Einstein ter
intuído, mas não apenas isso, pois segundo Krauss, sua teoria também “teve a
ver com a observação” (p.19), pelo fato de esta não coadunar com o que se
pensava acerca do universo naquele contexto histórico, sua teoria teve de ser
ajustada — erradamente —, para que pudesse ser ao menos postulada.
Surpreendentemente, informa-nos Krauss, em “1927, antes de obter o
segundo doutorado, Lemaître resolveu as equações de Einstein da teoria da
Relatividade Geral e demonstrou que ela prevê um Universo não imutável e que,
de fato, sugere que o Universo em que vivemos está em expansão. A ideia parecia
tão chocante que o próprio Einstein a contestou com a declaração: ‘Sua
matemática está correta, mas sua física é abominável’” (Ibid., pp.21-22).
Ignorando tal oposição, “Lemaître seguiu adiante e, em 1930, propôs que o
Universo em expansão na verdade teve início como um ponto infinitesimal, que
ele chamou de ‘Átomo Primordial’, e que esse início representava, talvez numa
alusão ao Gênesis, um ‘Dia sem Ontem’” (Ibid., p.22). Apesar disso, segundo
Gleiser, “Lemaître foi o primeiro a admitir que o seu modelo era mais uma visão
mítico-científica que uma descrição matemática da origem do universo. Algumas
de suas ideias, porém, foram incrivelmente proféticas. Por exemplo, ele sugeriu
que as desintegrações radiativas do núcleo primordial deveriam deixar
‘fósseis’, formas de radiação espalhadas pelo cosmo. Essa radiação, conhecida
como radiação cósmica de fundo, foi encontrada em 1965!” (Poeira das Estrelas,
p.143).
Justamente os sinais que os radioastrônomos detectaram de forma
acidental. Antes ainda de prosseguir, é preciso observar que a proposição de
Lemaître coincide com a descoberta do americano Edwin Hubble que, no final da
década de 20, “demonstrou que as galáxias se afastam umas das outras a
velocidades que aumentam proporcionalmente à sua distância” (Ibid., p.140).
Tais exemplos ilustram, concretamente, a tese defendida por Thomas Kuhn a
respeito do papel de uma teoria que acaba tornando-se um paradigma, isto é, uma
“revolução científica” (A estrutura das revoluções científicas, p.122). Houve
muita resistência até que a física einsteiniana substituísse a newtoniana**,
pois a “emergência de novas teorias é geralmente precedida por um período de
insegurança profissional, pronunciada, pois exige a destruição em larga escala
de paradigmas e grandes alterações nos problemas e técnicas da ciência normal”
(Ibid., p.95). Na verdade, a insegurança da ciência existente no momento em dar
respostas, aponta para um “fracasso das regras existentes” que, por sua vez, “é
o prelúdio para uma busca de novas regras” (Ibid.).
Evidentemente que não há possibilidade, e também necessidade, de neste
espaço se recontar “a história do universo, geralmente aceita, de acordo com o
que é conhecido como ‘modelo da grande explosão térmica’” (Uma Breve História
do Tempo, p.164). Mesmo porque, para isso, teríamos de passar por lances
históricos que envolvem nomes como os do físico austríaco Christian Doppler,
bem como o de Henrietta Swan Leavitt, Vesto Slipher e Milton Humason que, em
1842, 1908, 1912 e 1929, respectivamente, fizeram descobertas que
proporcionaram as condições para que o conhecimento a respeito do referido
modelo viesse à tona, ou “confirmaram”, retroativamente, aspectos da futura
hipótese (Um universo que veio do nada, pp.18-52). Na realidade, todas as
observações dessas personagens, contrariavam a ideia que se tinha na época, ou
seja, que o universo era “essencialmente constante no tempo” (O universo numa
casca de noz, p.71) e, por conseguinte, eterno. Um exemplo emblemático de
resistência a essas “inovações” data de 1948 quando, três cientistas, Fred
Hoyle, Herman Bondi e Thomas Gold, no lugar de “supor que a expansão cósmica
leva a uma origem num momento do passado, sugeriram que o universo sempre foi o
mesmo: segundo eles, o cosmo não só é essencialmente o mesmo em todo o espaço,
como havia sugerido Einstein com seu princípio cosmológico***, mas também no
tempo” (Poeira das Estrelas, p.144).
Tal ideia ficou conhecida “como ‘princípio
cosmológico perfeito’, segundo o qual o cosmo é e sempre foi essencialmente o
mesmo no tempo e no espaço”. Gleiser informa que com essa alternativa, em
“termos filosóficos, voltamos à noção pré-socrática do ser, imutável e
fundamental” (Ibid.). Evidentemente que o trio possuía “argumentos científicos”
para apresentar tal proposta. Diante de objeções como a descoberta de que as
galáxias estão em recessão, um desses argumentos, “aparentemente uma heresia
científica”, diz Gleiser era que “para acomodar a expansão cósmica, basta supor
que a energia total do universo não seja conservada” (Ibid.). Contudo, conforme
informa o físico brasileiro, “em meados da década de 1960 ficou claro que esse
modelo, conhecido como ‘modelo padrão’, está incorreto: não podia explicar de
forma simples e convincente a existência da radiação cósmica de fundo” (Ibid.,
p.145).
Para se ter uma ideia da força do “modelo padrão”, em 1955, nada menos
que Stephen Hawking, à época um pré-adolescente de apenas 12 anos cujo apelido
no colégio era “Einstein”, revela, em sua autobiografia, que “tinha seis ou
sete amigos próximos” com os quais travava “longas conversas e discussões a
respeito de tudo, desde modelos controlados por rádio até religião,
parapsicologia e física”. Ele diz, porém, que com o seu grupo, “Uma das coisas
sobre as quais [falava] era a origem do universo e se foi necessário um Deus
para criá-lo e levá-lo adiante. Eu ouvira falar que a luz das galáxias
distantes tendia para a extremidade vermelha do espectro e que isso devia
indicar que o universo estava se expandindo. (A tendência para o azul teria
significado que estava se contraindo.) Mas eu tinha certeza, de que deveria
haver alguma razão para o desvio para o vermelho. Um universo essencialmente
imutável e eterno parecia muito mais natural. Talvez a luz ficasse apenas
cansada, e mais vermelha, em seu caminho até nós, especulei” (Minha breve
história, p.32). Contudo, Hawking informa que dois anos depois de iniciar seu
ph.D., percebeu que estava errado, ou seja, diante das evidências, ficou claro
que o “modelo da grande explosão térmica”, proposto no final da década de 1940,
era mais exequível por concordar com as observações.
Marcelo Gleiser diz que
tal “modelo, que o próprio Hoyle zombeteiramente chamou de ‘modelo do Big
Bang’, pressupõe exatamente o oposto do modelo padrão: o cosmo teve, sim, uma
origem, há bilhões de anos” (Poeira das Estrelas, p.145). O fato é que,
conforme informa-nos Hawking, a “grande questão em cosmologia no início da
década de 1960 era se o universo tinha um princípio”. Muitos cientistas
instintivamente se opunham a essa ideia e, como consequência, à teoria do Big
Bang, porque sentiam que estabelecer um ponto inicial da criação levaria a
ciência a um impasse. Seria necessário apelar para a religião e a mão de Deus
para determinar como o universo tinha começado” (Minha breve história, p.69). Como
já foi dito, o embate se concentrou em dois modelos, um na teoria do estado
estacionário e o outro, na chamada hipótese inflacionária. Uma vez que o
primeiro vinha, diante das observações, cada vez mais perdendo a sua força, diz
Mário Novello, citando uma fala de um debate informal no apêndice I de sua
obra, na qual o debatedor afirma que “o modelo inflacionário apresentou uma
proposta simples e que possui consequências passíveis de observação — e, como
tal, está dentro do esquema convencional da ciência”. O mesmo debatedor
reconhece que “a história da física, como qualquer tipo de história, é feita
por aqueles que detêm o poder”. Assim, apesar de se atribuir “a Alan Guth a
ideia original” do modelo inflacionário, é possível pensar que “vários outros
cientistas apresentaram antes dele trabalhos semelhantes, como Alexey
Starobinsky, Katsuito Sato e outros” (Do Big Bang ao Universo Eterno, p.114).
Como a história da cosmologia pende para o nome de Alan Guth na discussão
da formação da teoria do Big Bang, vale a pena deter-se um pouco mais em sua
proposta. Antes, porém, é importante observar que, a despeito do crescente
interesse em torno da proposta do Big Bang (pois a “hipótese de um universo que
começou extremamente quente e foi se resfriando à medida em que se expandia
está de acordo com todas as evidências observáveis que temos atualmente”), é
preciso reconhecer que, a despeito disso, mesmo essa hipótese “deixa inúmeras
perguntas sem resposta” (Uma Breve História do Tempo, p.171). “Estranhamente”,
as quatro questões “sem respostas” estão apenas na edição antiga da excelente
obra de Hawking. Na nova edição do livro, escrita com Leonard Mlodinow e
lançada em 2005, além de o título ter sido ligeiramente modificado — Uma nova
história do tempo —, tais indagações simplesmente não aparecem.
O detalhe
curioso é que elas ainda não foram respondidas. É preciso, antes de prosseguir,
ressaltar duas outras questões: A primeira é que, conforme explica Mário
Novello, “o cenário descoberto pelo matemático [e físico] russo Alexander
Friedmann, que descreve um Universo dinâmico, em expansão, como um processo
evolutivo, permitiu vislumbrar um território novo” (Do Big Bang ao Universo
Eterno, p.23). Como já foi dito, a despeito de não haver espaço aqui para se
recontar a história do Big Bang, torna-se interessante destacar alguns nomes e
aqui parece prudente falar desse russo, Alexander Alexandrovich Friedmann
(1888-1925), que teve importância capital na formação dessa cosmologia.
Enquanto Lemaître desenvolveu a posição de Einstein mostrando que,
contrariamente ao que defendia o cientista alemão de origem judaica, o modelo
cosmológico apresentado por ele implicava em um universo dinâmico, Friedmann,
diz Novello, no final dos anos 20, “submeteu à publicação na revista alemã Zeitschrift
fur Physisk uma análise da questão cosmológica distinta daquela contida na
solução original proposta pelo fundador da cosmologia moderna” (Ibid., p.35).
De acordo com Novello, a “principal novidade consistia em tratar a questão como
um processo dinâmico, no qual contrariamente ao modelo de Einstein, exibia-se
uma evolução do Universo, uma dependência temporal de suas propriedades mais
fundamentais e, em particular, de sua geometria. No entanto, o apriorismo de um
Universo estático — a famosa hipótese introduzida por Einstein em seu primeiro
modelo cosmológico — mostrou-se tão fortemente reacionário que conseguiu
evitar, por mais de um ano, a publicação do trabalho de Friedmann” (Ibid.).
Prescindindo de muita explicação pode-se citar que, de acordo com a cosmologia
de Friedmann, há três possíveis modelos e destinos do Universo: “um universo
supercrítico [com] geometria fechada [que] acaba entrando em colapso [‘Big
Crunch’]; um universo crítico [com] geometria plana [que] continuará sua
expansão indefinidamente; [e] um universo subcrítico [com] geometria aberta
[que] também continuará sua expansão indefinidamente” (O fim da Terra e do Céu,
p.290). “Fechando” o círculo histórico, basta dizer que Georg Gamow, trabalhou
com Friedmann até sua morte em 1925.
A segunda questão é que existem vários modelos de Big Bang ou, como chama
Marcelo Gleiser, “universos de escrivaninhas” que “foram descobertos nos anos
de 1920 e 1930, baseados em soluções das equações de Einstein com diferentes
distribuições de matéria” (Ibid., p.286). Apesar de o próprio Gleiser dizer que
Alan Guth, atualmente lotado no “Instituto de Tecnologia de Massachusetts,
desenvolveu originalmente a teoria que prevê que a geometria do Universo deve
ser plana, conhecida como ‘teoria do universo inflacionário’”, é preciso
observar que, segundo o mesmo autor, “Ideias que se aproximavam da solução de
Guth já existiam no final dos anos 1970, mas ninguém as havia aplicado dentro
do contexto relevante e com a mesma elegância e clareza” (Ibid., p.332). Tal é
possível pelo fato de que, como explica Mário Novello, a “geometria de
Friedmann admite como fonte — via equações da relatividade geral — um fluido
perfeito. Essa configuração de distribuição da matéria é caracterizada, [...]
pela densidade de energia (representada pela letra E) e pela pressão
(representada pela letra P). Entre elas existe em geral uma equação de estado
que relaciona as duas quantidades, a saber: P = s E” (Do Big Bang ao Universo
Eterno, p.129). “Assim”, finaliza o mesmo autor, “para cada valor possível da
constante s, temos um dado tipo de fluido perfeito. Como, na maior parte dos
fluidos conhecidos, s assume valores entre 0 e 1, existe uma grande quantidade
de configurações materiais.
Cada uma dessas configurações corresponde a uma dada
geometria possuindo um correspondente big bang. Claro que somente um desses
valores teria sido efetivamente realizado na natureza. Como não sabemos com
precisão qual foi ele, todas as possibilidades devem ser entendidas como
geometrias possíveis, isto é, possíveis universos, cada qual gerando seu
correspondente big bang” (Ibid.). O ponto a destacar é que o “artigo de Guth
apareceu em 1981 e foi rapidamente seguido por variações propostas por Andrei
Linde (hoje na Universidade de Stanford) e, independentemente, por Andreas
Albrecht (hoje na Universidade da Califórnia, em Davis) e Paul Steinhardt (hoje
na Universidade de Princeton)” (O fim da Terra e do Céu, pp.332-33). Assim,
desde quando o trabalho pioneiro de Guth veio a público, informa Gleiser, “dezenas
de cenários alternativos foram propostos — alguns por este autor — pressupondo
receitas diferentes para a sopa primordial de partículas, mas obtendo
basicamente os mesmos resultados, após um número maior ou menor de
aproximações, mais ou menos elegantes”.
O que está se afirmando, é que o modelo
inflacionário, ou seja, a “inflação em cosmologia é ainda uma ideia em busca de
uma teoria”, pois “boa parte do debate atual entre cosmólogos é se um ou outro
modelo é melhor ou mais ‘natural’” (Ibid., p.333). Após explicar toda a
problemática, Gleiser informa que “qualquer que seja a física pré-inflacionária
(supercordas ou outra), ela está codificada no ínflaton**** e suas interações;
o modelo do Big Bang é o que vem depois da inflação. Em outras palavras, a inflação
reinventou o Big Bang. Não foi à toa que Alan Guth deu o subtítulo ‘The quest
for a new theory of cosmic origins’ [A busca por uma nova teoria da origem do
cosmo] a seu livro de divulgação científica sobre a cosmologia inflacionária”
(Ibid., p.345).
A aceitabilidade da proposta de Guth se deu por sua capacidade de
responder a um dois principais problemas do modelo cosmológico do Big Bang.
Trata-se do problema do horizonte que, explica Gleiser, é uma das “limitações
mais óbvias do modelo do Big Bang”, pois refere-se a, “paradoxalmente, sua
incapacidade de explicar uma de suas propriedades mais relevantes, a incrível
homogeneidade da temperatura da radiação cósmica de fundo”. Essa é um dos
mistérios a ser explicados, pois, como se sabe, “qualquer que seja a direção em
que uma antena sensível à radiação de micro-ondas aponte na abóbada celeste,
essa antena medirá a mesma temperatura com uma precisão de uma parte em 100
mil. Tal homogeneidade da distribuição de fótons torna-se ainda mais
impressionante quando tentamos entender como ela é possível” (Ibid., p.333).
Prescindindo estritamente de tal explicação pela absoluta falta de espaço, vale
ainda dizer que o “que torna misteriosa a questão da homogeneidade da
temperatura da radiação cósmica de fundo é que, como vimos, a última vez que os
fótons puderam interagir com as partículas de matéria para ajustar as suas
temperaturas foi durante o desacoplamento, quando o Universo tinha a tenra
idade de 300 mil anos.
O problema é que, nessa época, o horizonte causal — a
região dentro da qual a temperatura poderia ter sido homogeneizada —
correspondia a uma área que hoje ocupa menos de um grau no céu (em torno de
duas leias cheias). Nesse caso, como é que os fótons em regiões distantes do
Universo ‘sabem’ que devem ter a mesma temperatura?” (Ibid., p.335). Gleiser
diz que “Guth propôs uma solução brilhante”. Sua proposta, segundo Gleiser, foi
a seguinte: “Suponha que durante os primeiros instantes de sua existência, em
torno da época em que a Grande Unificação***** supostamente ocorreu (10-36
segundo), o Universo sofreu um dramático aumento de sua taxa de expansão, de
modo a inflar uma região minúscula — menor do que o horizonte causal da época —
até um tamanho gigantesco, grande o suficiente para incluir todo o Universo observável
hoje [...]. Após um curtíssimo intervalo de tempo, a taxa de expansão cósmica
retorna ao normal e o Universo, agora ‘inflado’, volta a evoluir de acordo com
o modelo do Big Bang. (Lembre-se que, no modelo do Big Bang, a gravidade
diminui gradualmente a taxa de expansão do Universo.) Devido a esse curto, mas
extremamente rápido, período de expansão (para aqueles leitores mais
matemáticos, a expansão da geometria durante esse período foi exponencial), a
solução de Guth ficou conhecida como ‘universo inflacionário’” (Ibid.,
pp.335-36).
A não confirmação do achado do dia 17 de março traz à tona a
possibilidade de se discutir outros modelos cosmológicos, entre eles, o que
defende Mário Novello, um universo eterno, sem singularidade, ou seja, autogerado,
sem início e sem fim. Isso apenas demonstra que o insaciável desejo humano pelo
conhecimento das origens de tudo parece não descansar. Mesmo que uma teoria
prove ser a descrição da realidade ou ainda que uma das centenas de narrativas
sobre a criação pareça ser uma pista do surgimento de tudo, ainda assim não
haverá a saciedade de tal busca. Fico a pensar como reagiriam religiosos que se
apropriam das teorias para comprovar a Bíblia. Penso especificamente na
proclamação, em 1951, do Big Bang, pelo papa Pio XII, como evidência do
Gênesis. E imagino também a reação de pensadores cristãos como Charles Colson,
por exemplo, que no combate ao evolucionismo afirma que a “teoria do big bang
dá um sopro quase fatal na filosofia naturalista, pois o seu credo considera a
realidade como uma sequência ininterrupta de causa e efeito que pode ser
traçada indefinidamente” (E agora como viveremos?, p.85).
Antes de tecer
explicações acerca do princípio antrópico (registre-se apenas que existem duas
versões dele: a forte e a fraca), Colson diz que os “naturalistas simplesmente
não têm nenhuma forma de se opor ao desafio colocado pelo big bang sem
enroscar-se em contorções lógicas impossíveis. Os fatos claramente indicam que
o Universo não é eterno, e não pode originar-se a si mesmo. A implicação é que
o Universo começou em um momento definido no tempo, em um lampejo de luz e
energia. A ciência começou a soar misteriosa tal como o Gênesis 1: ‘E disse
Deus: Haja luz’ (1.3)” (Ibid., p.86). O grande e grave problema para quem adota
esse tipo de abordagem que, reconheço, tem até uma motivação boa, é que ele
acaba refém da comprovação de tal perspectiva, assim como ateus que adotam a
mesma visão com outras motivações. Esquecendo de que, como ensinou Lemaître, o
“fato de o Big Bang ter acontecido ou não é uma questão científica, não
teológica” (Um universo que veio do nada, p.22). Não obstante, no afã de
comprovar sua tese, o próprio físico ateu, Lawrence Krauss, cai na armadilha de
dizer que o Big Bang é um fato, pois “todas as evidências hoje confirmam de
maneira contundente” (Ibid.). Ele, porém, tem o mérito de afirmar que, caso
tenha ocorrido, o Big Bang “pode ser interpretado de diferentes maneiras, de
acordo com predileções religiosas ou metafísicas” (Ibid.) Ele chega a dizer que
é possível “ver o Big Bang como o próprio Criador ou, ao contrário, argumentar
que a matemática da relatividade explica a evolução do Universo desde o seu
início, sem a intervenção de qualquer divindade”. E completa dizendo que uma “especulação
metafísica como essa é independente da validação do Big Bang e irrelevante para
a nossa compreensão” (Ibid., pp.22-23). Será? Tudo leva a suspeitar que não,
pois como veremos no próximo texto, Stephen Hawking, Mário Novello e o próprio
Lawrence Krauss, importam-se com a fundamental questão de como surgiu tudo.
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