domingo, 3 de agosto de 2014

BIG BANG (CRIACIONISMO)



                              CRIACIONISMO

No dia 17 de março, a comunidade científica foi “sacudida” por uma descoberta que teria “comprovado” uma vertente, ou “fase”, da teoria do Big Bang, a chamada hipótese inflacionária. O achado consistia de “ondas gravitacionais” que, na expressão de alguns cientistas, são classificadas como “marcas” inequívocas de que o Universo foi mesmo gerado há 13,72 bilhões de anos. Apesar da excitação que esse tipo de descoberta provoca, o físico brasileiro Marcelo Gleiser, em sua coluna naFolha On-Line, afirma que, assim “Como toda nova descoberta científica, esta também precisa passar pelo escrutínio da comunidade e ser confirmada por outros experimentos” (Ecos da Criação). Infelizmente, pouco mais de três meses depois, parece que tudo não passou de alarme falso e houve uma precipitação em divulgar o “achado”.* É o que informa o mesmo cientista em sua coluna no dia de hoje (A Sedução da fama). A que se respeitar a naturalidade da euforia inicial, principalmente se se considerar que os primeiros sinais desse tipo foram detectados, involuntariamente, há 50 anos, pelos radioastrônomos, Arno Penzias e Robert Wilson que, segundo Stephen Hawking, eram “dois físicos americanos dos Bell Telephone Laboratories, em Nova Jersey” que “estavam testando um ultra-sensível detetor de microondas (microondas são como ondas de luz, porém, com frequência da ordem de apenas dez bilhões de ondas por segundo). Penzias e Wilson ficaram preocupados quando descobriram que seu detetor estava registrando mais ruído do que deveria. 

O ruído não parecia vir de qualquer  direção particular. Primeiro descobriram dejetos de aves no aparelho e pesquisaram outros possíveis defeitos, mas logo desistiram. Sabiam que qualquer ruído interior da atmosfera seria mais forte se o detetor não estivesse apontado diretamente, do que quando estivesse, porque os raios de luz atravessam muito mais atmosfera quando recebidos próximo do horizonte, do que quando recebidos diretamente do além. O ruído extra era o mesmo em qualquer direção que o detetor apontasse; portanto, deveria vir de fora da atmosfera. Era também o mesmo de dia ou à noite, e durante todo o ano, ainda que a Terra estivesse em rotação sobre seu eixo e percorrendo sua órbita em torno do Sol. Isto demonstrava que a radiação deveria vir de além do sistema solar e, mais ainda, de além da galáxia, ou variaria quando do movimento da Terra apontasse o detetor para diferentes direções” (Uma Breve História do Tempo, pp.69-70).

 

Por causa desse “achado”, Penzias e Wilson, ganharam em 1978, o Prêmio Nobel de Física. A demora se deu pelo fato de que a associação dos sinais detectados com a teoria do Big Bang só “foram interpretados mais tarde como resquícios de uma fase extremamente quente do Universo”, diz o físico brasileiro Mário Novello em sua obra Do Big Bang ao Universo Eterno (p.21). O que poucos sabem é que, como relata o jornalista Francisco Neves, em um dos textos de apoio à obra Poeira das Estrelas, de Marcelo Gleiser, apesar de a descoberta acidental dos dois físicos fornecer sustentação experimental à teoria, “Georg Gamow, Ralph Alpher e Robert Hermann, que em 1948 haviam apresentado o modelo teórico do Big Bang — no qual a existência de uma radiação cósmica de fundo era postulada —, sequer foram mencionados pelos laureados pelo trabalho” (p.155). É constrangedor que isso tenha ocorrido no meio acadêmico, pois os dois radioastrônomos não descobriram nada, eles apenas tiveram a “sorte” de constatar — acidentalmente, observe-se —, o que Gamow, Alpher e Hermann postularam três décadas antes. Infelizmente, conhecimento e titulação não significam necessariamente que a pessoa tenha caráter e civilidade. Patifarias à parte, o fato é que o achado de março é mais uma confirmação de um tipo de postulação teórica que teve início há pouco mais de noventa anos. Apesar de toda a hostilidade existente entre religiosos e cientistas, é “quase irônico”, diz Gleiser, “que o primeiro a propor um modelo científico da origem do universo fosse ao mesmo tempo padre e cosmólogo” (Ibid., p.141).

 Foi o que aconteceu em 1930 quando o padre belga, Georges Lemaître, que além de teólogo, era físico, propôs o chamado “Átomo Primordial”. A despeito dessa informação de Marcelo Gleiser, o matemático canadense John Byl, afirma que “Edgar Allan Poe, que se tornou mais famoso por seus contos, foi o primeiro a sugerir que o universo teve origem numa gigantesca explosão” (Deus e Cosmos, p.70). Byl informa que no “pequeno livro Eureka, publicado em 1848, Poe descreve como o universo foi criado por Deus, a partir do nada, como uma partícula primordial explosiva”. A explicação da hipótese de Poe, é que “Inicialmente a matéria explodiu movimentando-se em todas as direções. Na medida em que o universo se expandia, a gravidade gradualmente induziu os átomos a se condensarem, formando assim as estrelas e planetas. Eventualmente, em algum tempo no futuro, a ação da gravidade fará que pare a expansão, e então começará a contração. O cosmos finalmente retornará ao seu estado inicial, um pequeno ponto, tempo na qual ele desaparecerá” (Ibid.).  

 

Mas o destaque ao nome de Lemaître não se dá por ter sido, ou não, o primeiro a propor uma teoria do início do universo. Segundo o físico Lawrence Krauss, a proposta do padre belga foi fundamental para a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, daí a sua importância. Isso porque, apesar de ainda no início de 1916 o famoso físico ter completado a elaboração de uma nova teoria da gravitação, e não apenas isso, pois era igualmente “uma nova teoria do espaço e do tempo também”, pois, “foi a primeira teoria científica que explicou não apenas como os objetos se movem através do espaço, mas também como o próprio Universo pode se desenvolver”, como Krauss explica, havia “um percalço” na teoria. “Quando Einstein começou a aplicar sua teoria para descrever o Universo como um todo, ficou claro que ela não descrevia o Universo em que vivíamos” (Um universo que veio do nada, p.18). Isso porque, como diz Krauss, para a “comunidade científica de 1917, o Universo era estático e contínuo, e consistia em uma única galáxia, a Via Láctea, rodeada por um espaço vasto, infinito, escuro e vazio. Isso descreve o que você veria ao olhar para o céu, a olho nu ou com um pequeno telescópio, e na época havia poucos motivos para suspeitar do contrário” (Ibid., pp.18-19). Em outras palavras, “a teoria da Relatividade Geral de Einstein não pare[cia] consistente com a imagem [estática] que se tinha do Universo”, levando-o a inserir uma modificação em suas equações, o termo cosmológico ou, como diz Gleiser, “pressão negativa” (O fim da Terra e do Céu, p.284), que ele posteriormente classificou como “o maior erro de sua vida”. Krauss afirma que por “ser apenas o acréscimo de uma constante às equações, agora é convencional chamar esse termo de constante cosmológica” (Ibid., p.71). 

Em termos mais claros, apesar de Einstein ter intuído, mas não apenas isso, pois segundo Krauss, sua teoria também “teve a ver com a observação” (p.19), pelo fato de esta não coadunar com o que se pensava acerca do universo naquele contexto histórico, sua teoria teve de ser ajustada — erradamente —, para que pudesse ser ao menos postulada.

 

Surpreendentemente, informa-nos Krauss, em “1927, antes de obter o segundo doutorado, Lemaître resolveu as equações de Einstein da teoria da Relatividade Geral e demonstrou que ela prevê um Universo não imutável e que, de fato, sugere que o Universo em que vivemos está em expansão. A ideia parecia tão chocante que o próprio Einstein a contestou com a declaração: ‘Sua matemática está correta, mas sua física é abominável’” (Ibid., pp.21-22). Ignorando tal oposição, “Lemaître seguiu adiante e, em 1930, propôs que o Universo em expansão na verdade teve início como um ponto infinitesimal, que ele chamou de ‘Átomo Primordial’, e que esse início representava, talvez numa alusão ao Gênesis, um ‘Dia sem Ontem’” (Ibid., p.22). Apesar disso, segundo Gleiser, “Lemaître foi o primeiro a admitir que o seu modelo era mais uma visão mítico-científica que uma descrição matemática da origem do universo. Algumas de suas ideias, porém, foram incrivelmente proféticas. Por exemplo, ele sugeriu que as desintegrações radiativas do núcleo primordial deveriam deixar ‘fósseis’, formas de radiação espalhadas pelo cosmo. Essa radiação, conhecida como radiação cósmica de fundo, foi encontrada em 1965!” (Poeira das Estrelas, p.143). 

Justamente os sinais que os radioastrônomos detectaram de forma acidental. Antes ainda de prosseguir, é preciso observar que a proposição de Lemaître coincide com a descoberta do americano Edwin Hubble que, no final da década de 20, “demonstrou que as galáxias se afastam umas das outras a velocidades que aumentam proporcionalmente à sua distância” (Ibid., p.140). Tais exemplos ilustram, concretamente, a tese defendida por Thomas Kuhn a respeito do papel de uma teoria que acaba tornando-se um paradigma, isto é, uma “revolução científica” (A estrutura das revoluções científicas, p.122). Houve muita resistência até que a física einsteiniana substituísse a newtoniana**, pois a “emergência de novas teorias é geralmente precedida por um período de insegurança profissional, pronunciada, pois exige a destruição em larga escala de paradigmas e grandes alterações nos problemas e técnicas da ciência normal” (Ibid., p.95). Na verdade, a insegurança da ciência existente no momento em dar respostas, aponta para um “fracasso das regras existentes” que, por sua vez, “é o prelúdio para uma busca de novas regras” (Ibid.).

 

Evidentemente que não há possibilidade, e também necessidade, de neste espaço se recontar “a história do universo, geralmente aceita, de acordo com o que é conhecido como ‘modelo da grande explosão térmica’” (Uma Breve História do Tempo, p.164). Mesmo porque, para isso, teríamos de passar por lances históricos que envolvem nomes como os do físico austríaco Christian Doppler, bem como o de Henrietta Swan Leavitt, Vesto Slipher e Milton Humason que, em 1842, 1908, 1912 e 1929, respectivamente, fizeram descobertas que proporcionaram as condições para que o conhecimento a respeito do referido modelo viesse à tona, ou “confirmaram”, retroativamente, aspectos da futura hipótese (Um universo que veio do nada, pp.18-52). Na realidade, todas as observações dessas personagens, contrariavam a ideia que se tinha na época, ou seja, que o universo era “essencialmente constante no tempo” (O universo numa casca de noz, p.71) e, por conseguinte, eterno. Um exemplo emblemático de resistência a essas “inovações” data de 1948 quando, três cientistas, Fred Hoyle, Herman Bondi e Thomas Gold, no lugar de “supor que a expansão cósmica leva a uma origem num momento do passado, sugeriram que o universo sempre foi o mesmo: segundo eles, o cosmo não só é essencialmente o mesmo em todo o espaço, como havia sugerido Einstein com seu princípio cosmológico***, mas também no tempo” (Poeira das Estrelas, p.144).

 Tal ideia ficou conhecida “como ‘princípio cosmológico perfeito’, segundo o qual o cosmo é e sempre foi essencialmente o mesmo no tempo e no espaço”. Gleiser informa que com essa alternativa, em “termos filosóficos, voltamos à noção pré-socrática do ser, imutável e fundamental” (Ibid.). Evidentemente que o trio possuía “argumentos científicos” para apresentar tal proposta. Diante de objeções como a descoberta de que as galáxias estão em recessão, um desses argumentos, “aparentemente uma heresia científica”, diz Gleiser era que “para acomodar a expansão cósmica, basta supor que a energia total do universo não seja conservada” (Ibid.). Contudo, conforme informa o físico brasileiro, “em meados da década de 1960 ficou claro que esse modelo, conhecido como ‘modelo padrão’, está incorreto: não podia explicar de forma simples e convincente a existência da radiação cósmica de fundo” (Ibid., p.145).

 

Para se ter uma ideia da força do “modelo padrão”, em 1955, nada menos que Stephen Hawking, à época um pré-adolescente de apenas 12 anos cujo apelido no colégio era “Einstein”, revela, em sua autobiografia, que “tinha seis ou sete amigos próximos” com os quais travava “longas conversas e discussões a respeito de tudo, desde modelos controlados por rádio até religião, parapsicologia e física”. Ele diz, porém, que com o seu grupo, “Uma das coisas sobre as quais [falava] era a origem do universo e se foi necessário um Deus para criá-lo e levá-lo adiante. Eu ouvira falar que a luz das galáxias distantes tendia para a extremidade vermelha do espectro e que isso devia indicar que o universo estava se expandindo. (A tendência para o azul teria significado que estava se contraindo.) Mas eu tinha certeza, de que deveria haver alguma razão para o desvio para o vermelho. Um universo essencialmente imutável e eterno parecia muito mais natural. Talvez a luz ficasse apenas cansada, e mais vermelha, em seu caminho até nós, especulei” (Minha breve história, p.32). Contudo, Hawking informa que dois anos depois de iniciar seu ph.D., percebeu que estava errado, ou seja, diante das evidências, ficou claro que o “modelo da grande explosão térmica”, proposto no final da década de 1940, era mais exequível por concordar com as observações.

 Marcelo Gleiser diz que tal “modelo, que o próprio Hoyle zombeteiramente chamou de ‘modelo do Big Bang’, pressupõe exatamente o oposto do modelo padrão: o cosmo teve, sim, uma origem, há bilhões de anos” (Poeira das Estrelas, p.145). O fato é que, conforme informa-nos Hawking, a “grande questão em cosmologia no início da década de 1960 era se o universo tinha um princípio”. Muitos cientistas instintivamente se opunham a essa ideia e, como consequência, à teoria do Big Bang, porque sentiam que estabelecer um ponto inicial da criação levaria a ciência a um impasse. Seria necessário apelar para a religião e a mão de Deus para determinar como o universo tinha começado” (Minha breve história, p.69). Como já foi dito, o embate se concentrou em dois modelos, um na teoria do estado estacionário e o outro, na chamada hipótese inflacionária. Uma vez que o primeiro vinha, diante das observações, cada vez mais perdendo a sua força, diz Mário Novello, citando uma fala de um debate informal no apêndice I de sua obra, na qual o debatedor afirma que “o modelo inflacionário apresentou uma proposta simples e que possui consequências passíveis de observação — e, como tal, está dentro do esquema convencional da ciência”. O mesmo debatedor reconhece que “a história da física, como qualquer tipo de história, é feita por aqueles que detêm o poder”. Assim, apesar de se atribuir “a Alan Guth a ideia original” do modelo inflacionário, é possível pensar que “vários outros cientistas apresentaram antes dele trabalhos semelhantes, como Alexey Starobinsky, Katsuito Sato e outros” (Do Big Bang ao Universo Eterno, p.114).

 

Como a história da cosmologia pende para o nome de Alan Guth na discussão da formação da teoria do Big Bang, vale a pena deter-se um pouco mais em sua proposta. Antes, porém, é importante observar que, a despeito do crescente interesse em torno da proposta do Big Bang (pois a “hipótese de um universo que começou extremamente quente e foi se resfriando à medida em que se expandia está de acordo com todas as evidências observáveis que temos atualmente”), é preciso reconhecer que, a despeito disso, mesmo essa hipótese “deixa inúmeras perguntas sem resposta” (Uma Breve História do Tempo, p.171). “Estranhamente”, as quatro questões “sem respostas” estão apenas na edição antiga da excelente obra de Hawking. Na nova edição do livro, escrita com Leonard Mlodinow e lançada em 2005, além de o título ter sido ligeiramente modificado — Uma nova história do tempo —, tais indagações simplesmente não aparecem. 

O detalhe curioso é que elas ainda não foram respondidas. É preciso, antes de prosseguir, ressaltar duas outras questões: A primeira é que, conforme explica Mário Novello, “o cenário descoberto pelo matemático [e físico] russo Alexander Friedmann, que descreve um Universo dinâmico, em expansão, como um processo evolutivo, permitiu vislumbrar um território novo” (Do Big Bang ao Universo Eterno, p.23). Como já foi dito, a despeito de não haver espaço aqui para se recontar a história do Big Bang, torna-se interessante destacar alguns nomes e aqui parece prudente falar desse russo, Alexander Alexandrovich Friedmann (1888-1925), que teve importância capital na formação dessa cosmologia. Enquanto Lemaître desenvolveu a posição de Einstein mostrando que, contrariamente ao que defendia o cientista alemão de origem judaica, o modelo cosmológico apresentado por ele implicava em um universo dinâmico, Friedmann, diz Novello, no final dos anos 20, “submeteu à publicação na revista alemã Zeitschrift fur Physisk uma análise da questão cosmológica distinta daquela contida na solução original proposta pelo fundador da cosmologia moderna” (Ibid., p.35). De acordo com Novello, a “principal novidade consistia em tratar a questão como um processo dinâmico, no qual contrariamente ao modelo de Einstein, exibia-se uma evolução do Universo, uma dependência temporal de suas propriedades mais fundamentais e, em particular, de sua geometria. No entanto, o apriorismo de um Universo estático — a famosa hipótese introduzida por Einstein em seu primeiro modelo cosmológico — mostrou-se tão fortemente reacionário que conseguiu evitar, por mais de um ano, a publicação do trabalho de Friedmann” (Ibid.). Prescindindo de muita explicação pode-se citar que, de acordo com a cosmologia de Friedmann, há três possíveis modelos e destinos do Universo: “um universo supercrítico [com] geometria fechada [que] acaba entrando em colapso [‘Big Crunch’]; um universo crítico [com] geometria plana [que] continuará sua expansão indefinidamente; [e] um universo subcrítico [com] geometria aberta [que] também continuará sua expansão indefinidamente” (O fim da Terra e do Céu, p.290). “Fechando” o círculo histórico, basta dizer que Georg Gamow, trabalhou com Friedmann até sua morte em 1925.

 

A segunda questão é que existem vários modelos de Big Bang ou, como chama Marcelo Gleiser, “universos de escrivaninhas” que “foram descobertos nos anos de 1920 e 1930, baseados em soluções das equações de Einstein com diferentes distribuições de matéria” (Ibid., p.286). Apesar de o próprio Gleiser dizer que Alan Guth, atualmente lotado no “Instituto de Tecnologia de Massachusetts, desenvolveu originalmente a teoria que prevê que a geometria do Universo deve ser plana, conhecida como ‘teoria do universo inflacionário’”, é preciso observar que, segundo o mesmo autor, “Ideias que se aproximavam da solução de Guth já existiam no final dos anos 1970, mas ninguém as havia aplicado dentro do contexto relevante e com a mesma elegância e clareza” (Ibid., p.332). Tal é possível pelo fato de que, como explica Mário Novello, a “geometria de Friedmann admite como fonte — via equações da relatividade geral — um fluido perfeito. Essa configuração de distribuição da matéria é caracterizada, [...] pela densidade de energia (representada pela letra E) e pela pressão (representada pela letra P). Entre elas existe em geral uma equação de estado que relaciona as duas quantidades, a saber: P = s E” (Do Big Bang ao Universo Eterno, p.129). “Assim”, finaliza o mesmo autor, “para cada valor possível da constante s, temos um dado tipo de fluido perfeito. Como, na maior parte dos fluidos conhecidos, s assume valores entre 0 e 1, existe uma grande quantidade de configurações materiais. 

Cada uma dessas configurações corresponde a uma dada geometria possuindo um correspondente big bang. Claro que somente um desses valores teria sido efetivamente realizado na natureza. Como não sabemos com precisão qual foi ele, todas as possibilidades devem ser entendidas como geometrias possíveis, isto é, possíveis universos, cada qual gerando seu correspondente big bang” (Ibid.). O ponto a destacar é que o “artigo de Guth apareceu em 1981 e foi rapidamente seguido por variações propostas por Andrei Linde (hoje na Universidade de Stanford) e, independentemente, por Andreas Albrecht (hoje na Universidade da Califórnia, em Davis) e Paul Steinhardt (hoje na Universidade de Princeton)” (O fim da Terra e do Céu, pp.332-33). Assim, desde quando o trabalho pioneiro de Guth veio a público, informa Gleiser, “dezenas de cenários alternativos foram propostos — alguns por este autor — pressupondo receitas diferentes para a sopa primordial de partículas, mas obtendo basicamente os mesmos resultados, após um número maior ou menor de aproximações, mais ou menos elegantes”. 

O que está se afirmando, é que o modelo inflacionário, ou seja, a “inflação em cosmologia é ainda uma ideia em busca de uma teoria”, pois “boa parte do debate atual entre cosmólogos é se um ou outro modelo é melhor ou mais ‘natural’” (Ibid., p.333). Após explicar toda a problemática, Gleiser informa que “qualquer que seja a física pré-inflacionária (supercordas ou outra), ela está codificada no ínflaton**** e suas interações; o modelo do Big Bang é o que vem depois da inflação. Em outras palavras, a inflação reinventou o Big Bang. Não foi à toa que Alan Guth deu o subtítulo ‘The quest for a new theory of cosmic origins’ [A busca por uma nova teoria da origem do cosmo] a seu livro de divulgação científica sobre a cosmologia inflacionária” (Ibid., p.345).

 

A aceitabilidade da proposta de Guth se deu por sua capacidade de responder a um dois principais problemas do modelo cosmológico do Big Bang. Trata-se do problema do horizonte que, explica Gleiser, é uma das “limitações mais óbvias do modelo do Big Bang”, pois refere-se a, “paradoxalmente, sua incapacidade de explicar uma de suas propriedades mais relevantes, a incrível homogeneidade da temperatura da radiação cósmica de fundo”. Essa é um dos mistérios a ser explicados, pois, como se sabe, “qualquer que seja a direção em que uma antena sensível à radiação de micro-ondas aponte na abóbada celeste, essa antena medirá a mesma temperatura com uma precisão de uma parte em 100 mil. Tal homogeneidade da distribuição de fótons torna-se ainda mais impressionante quando tentamos entender como ela é possível” (Ibid., p.333). Prescindindo estritamente de tal explicação pela absoluta falta de espaço, vale ainda dizer que o “que torna misteriosa a questão da homogeneidade da temperatura da radiação cósmica de fundo é que, como vimos, a última vez que os fótons puderam interagir com as partículas de matéria para ajustar as suas temperaturas foi durante o desacoplamento, quando o Universo tinha a tenra idade de 300 mil anos. 

O problema é que, nessa época, o horizonte causal — a região dentro da qual a temperatura poderia ter sido homogeneizada — correspondia a uma área que hoje ocupa menos de um grau no céu (em torno de duas leias cheias). Nesse caso, como é que os fótons em regiões distantes do Universo ‘sabem’ que devem ter a mesma temperatura?” (Ibid., p.335). Gleiser diz que “Guth propôs uma solução brilhante”. Sua proposta, segundo Gleiser, foi a seguinte: “Suponha que durante os primeiros instantes de sua existência, em torno da época em que a Grande Unificação***** supostamente ocorreu (10-36 segundo), o Universo sofreu um dramático aumento de sua taxa de expansão, de modo a inflar uma região minúscula — menor do que o horizonte causal da época — até um tamanho gigantesco, grande o suficiente para incluir todo o Universo observável hoje [...]. Após um curtíssimo intervalo de tempo, a taxa de expansão cósmica retorna ao normal e o Universo, agora ‘inflado’, volta a evoluir de acordo com o modelo do Big Bang. (Lembre-se que, no modelo do Big Bang, a gravidade diminui gradualmente a taxa de expansão do Universo.) Devido a esse curto, mas extremamente rápido, período de expansão (para aqueles leitores mais matemáticos, a expansão da geometria durante esse período foi exponencial), a solução de Guth ficou conhecida como ‘universo inflacionário’” (Ibid., pp.335-36).

 


A não confirmação do achado do dia 17 de março traz à tona a possibilidade de se discutir outros modelos cosmológicos, entre eles, o que defende Mário Novello, um universo eterno, sem singularidade, ou seja, autogerado, sem início e sem fim. Isso apenas demonstra que o insaciável desejo humano pelo conhecimento das origens de tudo parece não descansar. Mesmo que uma teoria prove ser a descrição da realidade ou ainda que uma das centenas de narrativas sobre a criação pareça ser uma pista do surgimento de tudo, ainda assim não haverá a saciedade de tal busca. Fico a pensar como reagiriam religiosos que se apropriam das teorias para comprovar a Bíblia. Penso especificamente na proclamação, em 1951, do Big Bang, pelo papa Pio XII, como evidência do Gênesis. E imagino também a reação de pensadores cristãos como Charles Colson, por exemplo, que no combate ao evolucionismo afirma que a “teoria do big bang dá um sopro quase fatal na filosofia naturalista, pois o seu credo considera a realidade como uma sequência ininterrupta de causa e efeito que pode ser traçada indefinidamente” (E agora como viveremos?, p.85).

 Antes de tecer explicações acerca do princípio antrópico (registre-se apenas que existem duas versões dele: a forte e a fraca), Colson diz que os “naturalistas simplesmente não têm nenhuma forma de se opor ao desafio colocado pelo big bang sem enroscar-se em contorções lógicas impossíveis. Os fatos claramente indicam que o Universo não é eterno, e não pode originar-se a si mesmo. A implicação é que o Universo começou em um momento definido no tempo, em um lampejo de luz e energia. A ciência começou a soar misteriosa tal como o Gênesis 1: ‘E disse Deus: Haja luz’ (1.3)” (Ibid., p.86). O grande e grave problema para quem adota esse tipo de abordagem que, reconheço, tem até uma motivação boa, é que ele acaba refém da comprovação de tal perspectiva, assim como ateus que adotam a mesma visão com outras motivações. Esquecendo de que, como ensinou Lemaître, o “fato de o Big Bang ter acontecido ou não é uma questão científica, não teológica” (Um universo que veio do nada, p.22). Não obstante, no afã de comprovar sua tese, o próprio físico ateu, Lawrence Krauss, cai na armadilha de dizer que o Big Bang é um fato, pois “todas as evidências hoje confirmam de maneira contundente” (Ibid.). Ele, porém, tem o mérito de afirmar que, caso tenha ocorrido, o Big Bang “pode ser interpretado de diferentes maneiras, de acordo com predileções religiosas ou metafísicas” (Ibid.) Ele chega a dizer que é possível “ver o Big Bang como o próprio Criador ou, ao contrário, argumentar que a matemática da relatividade explica a evolução do Universo desde o seu início, sem a intervenção de qualquer divindade”.  E completa dizendo que uma “especulação metafísica como essa é independente da validação do Big Bang e irrelevante para a nossa compreensão” (Ibid., pp.22-23). Será? Tudo leva a suspeitar que não, pois como veremos no próximo texto, Stephen Hawking, Mário Novello e o próprio Lawrence Krauss, importam-se com a fundamental questão de como surgiu tudo.

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