As Heresias Cristológicas e Trinitárias
Após verificar que o
Filho de Deus é verdadeiro Deus com o Pai e o Espírito Santo, a atenção dos
teólogos devia voltar-se mais detidamente para a questão: como Jesus pode ser
autêntico Deus e autêntico homem? Como se relacionam entre si a Divindade e a
humanidade de Jesus? A resposta a estas perguntas exigiu grande esforço por
parte dos estudiosos, que a formularam em quatro etapas:
1) a fase apolinarista;
2) a fase nestoriana;
3) a fase monofisita;
4) a fase monotelita.
A seguir, estudaremos as
três primeiras destas etapas.
1) O Apolinarismo
Em plena controvérsia
ariana, o Bispo Apolinário de Laodicéia (Síria), 310-390, mostrava-se fervoroso
defensor do Credo niceno contra os arianos, mas afirmava que em Cristo a
natureza humana carecia de alma humana; tomava ao pé da letra as palavras de S.
João 1,14: “O Lógos se fez carne”, entendendo carne no sentido estrito, com
exclusão de alma. O Lógos de Deus faria as vezes de alma humana em Jesus, isto
é, seria responsável pelas funções vitais da natureza humana assumida pelo
Lógos.
Os argumentos em favor
desta tese eram os seguintes: duas naturezas completas (Divindade e humanidade)
não podem tornar-se um ser único; se Jesus as tivesse, Ele teria duas pessoas
ou dois eu - o que seria monstruoso. Além disto, dizia, onde há um homem
completo, há também o pecado; ora o pecado tem origem na vontade; por
conseguinte, Jesus não podia ter vontade humana nem a alma espiritual, que é a
sede da vontade.
Apolinário expôs suas
idéias no livro “Encarnação do Verbo de Deus”, que ele apresentou ao Imperador
Joviano e que os seus discípulos difundiram. - Foram condenadas num sínodo de
Alexandria em 362; depois, pelo Papa S. Dâmaso em 377 e 382 e, especialmente,
pelo Concílio de Constantinopla I (381). Verificando a oposição que lhe faziam
bons teólogos, Apolinário limitou-se a negar a presença de mente (nous) humana
em Jesus. S. Gregório de Nissa († 394) e outros autores lhe responderam
mediante belo princípio: “O que não foi assumido pelo Verbo, não foi redimido”
- o que quer dizer: Deus quer santificar e salvar a natureza humana pelo
próprio mistério da Encarnação ou pela união da Divindade com a humanidade; se
pois, a humanidade estava mutilada em Jesus, ela não foi inteiramente salva.
Em Antioquia, fundou-se
uma comunidade apolinarista, tendo à frente o Bispo Vital. Por volta de 420
esta foi reabsorvida pela Igreja ortodoxa, mas nem todos os seus membros
abandonaram o erro, que reviveu, de certo modo, na heresia monofisita.
2) O Nestorianismo.
Afirmada a existência da
natureza humana completa em Jesus, os teólogos puderam estudar mais detidamente
o modo como humanidade e Divindade se relacionaram em Cristo. Antes, porém, de
entrar em particulares, devemos mencionar as duas principais escolas teológicas
da antigüidade: a alexandrina e a antioquena, que muito influíram na elaboração
da Cristologia.
A escola alexandrina era
herdeira de forte tendência mística; procurava exaltar o divino e o
transcendental nos artigos da fé. Interpretava a S. Escritura em sentido
alegórico, tentando desvendar os mistérios divinos contidos nas Sagradas
Letras. Em assuntos cristológicos, portanto, era inclinada a realçar o divino,
com detrimento do humano. Ao contrário, a escola antioquena era mais dada à
filosofia e à razão: voltava-se mais para o humano, sem negar o divino.
Interpretava a S. Escritura em sentido literal e tendia a salientar em Jesus os
predicados humanos mais do que os atributos divinos. Era mais racional, ao
passo que a de Alexandria era mais mística.
Dito isto, voltemos à
história do dogma cristológico. A primeira tentativa de solução foi encabeçada
por Nestório, elevado à cátedra episcopal de Constantinopla em 428. Afirmava
que o Lógos habitava na humanidade de Jesus como um homem se acha num templo ou
numa veste; haveria duas pessoas, em Jesus - uma divina e outra humana - unidas
entre si por um vinculo afetivo ou moral. Por conseguinte, Maria não seria a
Mãe de Deus (Theotókos), como diziam os antigos, mas apenas Mãe de Cristo
(Christokós); ela teria gerado o homem Jesus, ao qual se uniu a segunda pessoa
da SS. Trindade com a sua Divindade.
Nestório propunha suas
idéias em pregações ao povo, nas quais substituía o título “Mãe de Deus” por
“Mãe de Cristo”. As suas concepções suscitaram reação não só em Constantinopla,
mas em outras regiões também, especialmente em Alexandria, onde S. Cirilo era
Bispo ardoroso. Este escreveu em 429 aos bispos e aos monges do Egito,
condenando a doutrina de Nestório. As duas correntes se dirigiram ao Papa
Celestino I, que rejeitou a doutrina de Nestório num sínodo de 430. Deu ordem a
S. Cirilo para que intimasse Nestório a retirar suas teorias no prazo de dez
dias, sob pena de exílio; Cirilo enviou ao Patriarca de Constantinopla uma
lista de doze anatematismos que condenavam o nestorianismo. Nestório não se
quis dobrar, de mais a mais que podia contar com o apoio do Imperador; além do
mais, tinha muitos seguidores na escola antioquena, entre os quais o próprio
Bispo João de Antioquia.
Em 431, o Imperador
Teodósio II, instado por Nestório, convocou para Éfeso o terceiro Concílio
Ecumênico a fim de solucionar a questão discutida. S. Cirilo, como
representante do Papa Celestino I, abriu a assembléia diante de 153 Bispos.
Logo na primeira sessão, foram apresentados os argumentos da literatura antiga
favoráveis ao título Theotókos, que acabou sendo solenemente proclamado; daí se
seguia que em Jesus havia uma só pessoa (a Divina); Maria se tornara Mãe de
Deus pelo fato de que Deus quisera assumir a natureza humana no seu seio.
Quatro dias após esta sessão, isto é, a 26/06/431 chegou a Éfeso o Patriarca
Jogo de Antioquia, com 43 Bispos seus seguidores, todos favoráveis a Nestório;
não quiseram unir-se ao Concílio presidido por S. Cirilo, representante do
Papa; por isto formaram um conciliábulo, qual depôs Cirilo.
O Imperador acompanhava
tudo de perto e sentia-se indeciso. S. Cirilo então mobilizou todos os seus
recursos, para mover Teodósio II em favor da reta doutrina; nisto foi ajudado
por Pulquéria, piedosa e influente irmã mais velha do Imperador. Este
finalmente apoiou a sentença de Cirilo e exilou Nestório. Todavia os
antioquenos não se renderam de imediato; acusavam Cirilo de arianismo a
apolinarismo. Após dois anos de litígio, em 433 puseram-se de acordo sobre uma
fórmula de fé que professava um só Cristo e Maria como Theotókos. O
Nestorianismo, porém, não se extinguiu. Os seus adeptos, expulsos do Império
Bizantino, foram procurar refúgio na Pérsia, onde fundaram a Igreja Nestoriana.
Esta teve notável
expansão até a China e a Índia Meridional; mas do século XIV em diante foi
definhando por causa das incursões dos mongóis; em grande parte, os nestorianos
voltaram à comunhão da Igreja universal (são hoje os cristãos caldeus e os
cristãos de São Tomé). Em nossos dias muitos estudiosos têm procurado
reabilitar a pessoa e a obra de Nestório, que parece ser autor de uma apologia
intitulada “Tratado de Heraclides de Damasco”: pode-se crer que tenha tido reta
intenção; mas certamente sustentou posições errôneas por se ter apegado
demasiadamente à Escola Antioquena.
3) O Monofisismo
A luta contra o Nestorianismo,
que admitia em Jesus duas naturezas e duas pessoas, deu ocasião ao surto do
extremo oposto, que é o monofisismo ou monofisitismo (“em Jesus há uma só
natureza e uma só pessoa: a divina”). O primeiro arauto desta tese foi
Eutiques, arquimandrita de Constantinopla: reconhecia que Jesus constava
originariamente da natureza divina e da humana, mas afirmava que a natureza
divina absorveu a humana, divinizando-a; após a Encarnação, só se poderia falar
de uma natureza em Jesus: a divina.
Esta doutrina tornou-se
a heresia mais popular e mais poderosa da antigüidade, pois, para os orientais,
a divinização da humanidade em Cristo era o modelo do que deve acontecer com
cada cristão. Eutiques foi condenado como herege no Sínodo de Constantinopla em
448, sob o Patriarca Flaviano. Todavia não cedeu e reclamou contra uma pretensa
injustiça, pois tencionava combater o Nestorianismo. Conseguiu assim ganhar os
favores da corte. Solicitado pelo Patriarca Dióscoro de Alexandria, Teodósio II
Imperador convocou em 449 novo Concílio Ecumênico para Éfeso, confiando a
presidência do mesmo a Dióscoro, que era partidário de Estiques. Dióscoro,
tendo aberto o Concílio negou a presidência aos legados papais; não permitiu
que fosse lida a Carta do Papa S. Leão Magno, que propunha a reta doutrina: as
duas naturezas em Cristo não se misturam nem confundem, mas cada qual exerce a
sua atividade própria em comunhão com a outra; assim Cristo teve realmente
fome, sede e cansaço, como homem, e pôde ressuscitar mortos como Deus. - Esse
Concílio de Éfeso proclamou a ortodoxia de Eutiques; depôs Flaviano, Patriarca
de Constantinopla, e outros Bispos contrários à tese monofisita... Todavia os
seus decretos foram de curta duração. Os Bispos de diversas regiões o
repudiaram como ilegítimo ou, segundo a expressão do Papa São Leão Magno, como
“latrocínio de Éfeso”; pediam novo Concílio que de fato foi convocado após a
morte de Teodósio II pela Imperatriz Pulquéria (irmã de Teodósio) e pelo
general Marcião, que em 450 foi feito Imperador e se casou com Pulquéria.
O novo Concílio, desta
vez legítimo, reuniu-se em Caledônia, diante de Constantinopla, em 451; foi o
mais concorrido da antigüidade, pois dele participaram mais de 600 membros,
entre os quais três legados papais. A assembléia rejeitou o “latrocínio de
Éfeso”; depôs Dióscoro e aclamou solenemente a Epístola Dogmática do Papa São
Leão a Flaviano; esta serviu de base a uma confissão de fé, que rejeitava os
extremos do Nestorianismo e do Monofisismo, propondo em Cristo uma só pessoa e
duas naturezas: “Ensinamos e professamos um Único e idêntico Cristo... em duas
naturezas, não confusas e não transformadas, não divididas, não separadas, pois
a união das naturezas não suprimiu as diferenças; antes, cada uma das naturezas
conservou as suas propriedades e se uniu com a outra numa Única pessoa e numa
Única hipóstase”.
Assim terminou a fase
principal das disputas cristológicas: em Cristo não há duas naturezas e duas
pessoas, pois isto destruiria a realidade da Encarnação e da obra redentora de
Cristo; mas também não há uma só natureza e uma só pessoa, pois Cristo agiu
como verdadeiro homem, sujeito à dor e à morte para transfigurar estas nossas
realidades. Havia, pois, uma só pessoa (um só eu) divina, que, além de dispor
da natureza divina desde toda a eternidade, assumiu a natureza humana no seio
de Maria Virgem e viveu na terra agindo ora como Deus, ora como homem, mas
sempre e somente com o seu eu divino.
O encerramento do
Concílio de Calcedônia não significou a extinção do monofisismo. Além da
atração que esta doutrina exercia sobre os fiéis (especialmente os monges),
propondo-lhes a humanidade divinizada de Cristo como modelo, motivos políticos
explicam essa persistência da heresia; com efeito, na Síria e no Egito certos
cristãos viam no Monofisismo a expressão de suas tendências nacionalistas,
opostas ao helenismo e à dominação bizantina. Por isto os monofisitas
continuaram a lutar contra o Imperador, que havia exilado Dióscoro e Eutiques e
ameaçado de punição os adeptos destes: ocuparam sedes episcopais; inclusive a
de Jerusalém (ao menos temporariamente).
No século VII a situação
se agravou, pois os muçulmanos ocuparam a Palestina, a Síria e o Egito,
impedindo a ação de Bizâncio em prol da ortodoxia nesses países. Em
conseqüência, os monofisitas foram constituindo Igrejas nacionais: a armena, a
síria, a mesopotâmica, a egípcia e a etíope, que subsistem até hoje com cerca
de 10 milhões de fiéis. No Egito, os monofisitas tomaram o nome de coptas, nome
que guarda as três consoantes da palavra grega Aigyptos (g ou k, p, t ); são os
antigos egípcios. Os ortodoxos se chamam melquitas (de melek, Imperador), pois
guardam a doutrina ortodoxa patrocinada pelo Imperador em Calcedônia. Há coptas
que se uniram a Roma em 1742, enquanto os outros permanecem monofisitas, mas
professam quase o mesmo Credo que os católicos.
Na Abissínia os
monofisitas também são chamados coptas pois receberam forte influência do
Egito. "Dentre os melquitas, grande parte aderiu ao cisma bizantino,
separando-se de Roma em 1054; certos grupos, porém, estão hoje unidos à Igreja
universal. Na Síria e nos países vizinhos, os monofisitas foram chamados
jacobitas, nome derivado de um dos seus primeiros chefes: Jacó Baradai (=o
homem da coberta de cavalo, alusão às suas vestes maltrapilhas). Jacó, bispo de
Edessa (541-578), trabalhou com zelo e êxito para consolidar as Comunidades
monofisitas, as quais deu por cabeça o Patriarca Sérgio de Antioquia (544). A
história das disputas cristológicas prosseguirá no capítulo seguinte.
As Heresias Cristológicas II
Continuemos a estudar as
heresias cristológicas no intuito de compreender melhor a sutileza da disputa e
a ação do Espírito de Deus através das vicissitudes humanas.
4) O Henotikón e o Teopasquismo
Vinte e cinco anos após
o Concílio de Calcedônia, em 476, deu-se nova investida dos monofisitas contra
a ortodoxia. Com efeito; os Patriarcas Pedro Mongo, de Alexandria, e Acácio de
Constantinopla, adeptos do monofisismo, redigiram um Símbolo de fé que
condenava tanto Nestório quanto Eutiques; rejeitava o Concílio de Calcedônia e
afirmava que as normas de fé deveriam ser o símbolo niceno-constantinopolitano
e as definições do Concílio de Éfeso (431). Tal fórmula de 476 podia ser
interpretada de diversas maneiras. O Imperador Zenão promulgou esse símbolo de
fé, dito Henotikón (Edito de União), com o vigor de lei do Estado. Assim
esperava atingir a unidade religiosa dentro do Império.
Infelizmente, porém,
causou mais acesas divisões. Muitos católicos e os monofisitas mais extremados
recusaram obedecer ao Imperador por causa da ambigüidade do Henotikón. Ao saber
das manobras do Imperador, o Papa Félix III enviou legados a Constantinopla
para pedir a Zenão, e ao Patriarca Acácio fidelidade ao Concílio de Calcedônia.
Como fossem vãs essas solicitações, o Papa resolveu depor Acácio, Patriarca de
Constantinopla. Tal medida era muito grave, pois significava ruptura com os
cristãos orientais em geral e com o Imperador, que os queria dirigir no sentido
do monofisismo. O Papa, porém, foi corajoso no cumprimento do dever de
preservar a reta fé.
A ruptura durou 35 anos
(484-519). Foi chamada “cisma acaciano”, durante o qual o monofisismo se
propagou amplamente entre os orientais. Zenão morreu em 491, tendo por sucessor
o Imperador Anastásio (491-518), também simpático aos monofisitas. Por isto, as
conversações que o Papa encaminhou com o monarca, foram infrutíferas. A
situação se tornou ainda mais sombria por causa da questão teopasquita. Com
efeito; a liturgia grega cantava a Triságion (três vezes santo) nos seguintes
termos: “Santo (hágios) Deus, Santo Forte, Santo imortal, tem piedade de nós”.
Ora o bispo monofisita Pedro Fulão de Antioquia acrescentou-lhe as palavras
“que foste pregado na cruz por cause de nós”.
O Imperador Anastásio
mandou recitar a fórmula ampliada em Constantinopla; donde resultou grande
agitação. Diziam alguns monges e fiéis: “Um da Santíssima Trindade padeceu na
carne”; foram chamados teopasquitas. A fórmula em foco podia ser entendida
segundo a ortodoxia: a segunda Pessoa da SS. Trindade, tendo-se feito homem,
padeceu na carne de Jesus. Mas, como a origem desses dizeres era monofisita, os
ortodoxos desconfiaram dos mesmos, de mais a mais que os monofisitas lhes
favoreciam calorosamente. Morto o Imperador Anastásio, sucedeu-lhe Justino
(518-527), que se empenhou por restabelecer a comunhão com a Sé de Roma. O Papa
Hormisdas (514-523) acolheu o propósito de Bizâncio e mandou legados a esta
cidade com uma fórmula de união dita “Livro da Fé do Papa Hormisdas”: esta
proclamava o símbolo de fé calcedonense e as cartas dogmáticas de Leão Magno;
renovava o anátema sobre Nestório, Eutiques, Dióscoro e outros chefes
monofisitas; além disto, declarava que, conforme a promessa de Cristo a Pedro
em Mt 16,16-19, a fé católica se conservava intacta na Sé de Roma; por isto os
fiéis deviam obediência às decisões tomadas por esta.
Era assim professado o
primado do Papa em 515. O Patriarca João II, de Constantinopla, os bispos e os
monges presentes nesta cidade assinaram tal fórmula. Estava terminado o cisma.
O monofisismo perdeu muito da sua voga, mas as controvérsias continuaram.
5) Os Três Capítulos
O Imperador Justiniano
(527-565) foi homem de grande ideal, que tencionou dar ao Império um período de
fausto como não o tivera até então. Era, ao mesmo tempo, prepotente, de modo
que exerceu forte cesaropapismo. Compreende-se então que as controvérsias
teológicas tenham merecido sua zelosa atenção. O Imperador, querendo conciliar
os ânimos, só fez provocar maiores tumultos. O bispo Teodoro Asquida de
Cesaréia, muito influente na corte, sugeriu ao Imperador que condenasse três
nomes de autores antioquenos tidos como inspiradores do nestorianismo; dizia
que bastaria essa medida para obter a volta dos monofisitas: A comunhão da
Igreja Universal.
Esses três nomes
constituíram Três Capítulos, a saber: 1) Teodoro de Mopsuéstia († 428), sua
pessoa e seus escritos; 2) os escritos de Teodoreto de Ciro († 458) contra
Cirilo e o Concílio de Éfeso; 3) a carta do bispo Ibas de Edessa († 435) ao
bispo Mário de Ardashir em defesa de Teodoro de Mopsuéstia e contra os
anatematismos de Cirilo. O Imperador acolheu a proposta e publicou um edito que
anatematizava os Três Capítulos em 543. Este decreto dividiu os ânimos, pois
não se viam claramente os erros pretensamente cometidos pelos três autores.
Justiniano, porém, obrigou o Patriarca Menas e os bispos orientais a assinar o
anitema.
Os ocidentais deviam
seguir-lhes o exemplo, tendo o Papa Vigilio à frente. Este relutou; por isto o
Imperador mandou buscá-lo de Roma para Constantinopla. Um ano após sua chegada,
Vigílio em 548 escreveu o ludicatum, em que condenava os Três Capítulos,
ressalvando, porém, a autoridade do Concílio de Calcedônia. O gesto do Papa
causou indignação entre os ocidentais, principalmente no Norte da África, pois
era uma estrondosa vitória do cesaropapismo. Em conseqüência, o Papa e o
Imperador em 550 decidiram convocar um Concílio Ecumênico para resolver o caso;
entrementes nenhuma inovação seria praticada. Todavia em julho de 551
Justiniano repetiu o anátema sobre os Três Capítulos - o que provocou ruptura
com o Papa Vigílio, que teve de procurar asilo em igrejas de Constantinopla e
Calcedônia.
A respeito do Concílio,
o Papa e o Imperador já não concordavam entre si. Por isto Justiniano convocou
o Concílio por sua exclusiva iniciativa. Reunido sob a presidência de Eutíquio,
novo Patriarca de Bizâncio, renovou a condenação dos Três Capítulos (maio e
junho de 553). Vigílio então em 13/05/553, no decurso do próprio Concílio,
publicou o Constitutum que se opunha à condenação dos Três Capítulos.
Justiniano não aceitou a nova posição do Papa e mandou cancelar o nome de
Vigílio nas orações da Liturgia. Finalmente, sob o peso das pressões e da
doença, o Papa em dezembro de 553 retirou o seu Constitutum e aderiu às
decisões do Concílio de Constantinopla de 553. Num segundo Constitutum de
23/02/554, expôs as razões da sua atitude. Em conseqüência, o Imperador
permitiu-lhe voltar para Roma; todavia morreu em viagem (555). Era vítima da
sua inconstância de caráter.
Os Papas que lhe
sucederam, a começar por Pelágio I (556-561), reconheceram o Concílio de 553
como ecumênico; é o de Constantinopla II. As dioceses do Ocidente aos poucos
também o foram reconhecendo, embora tivessem consciência de que significava uma
humilhação para o Papado. Notemos que as hesitações do Papa Vigílio não
versavam sobre assuntos de fé propriamente dita, mas sobre a oportunidade ou
não de se condenarem três nomes de escritores antigos. "O episódio também
é interessante por evidenciar quanto era prestigiada a Sé Romana; o Imperador
quis absolutamente ganhar o consenso do Papa Vigílio; por isto mandou buscá-lo
em Roma e pressionou-o repetidamente para que subscrevesse ao decreto imperial,
como se este precisasse da assinatura do Papa para ser válido.
6) Monergetismo e
monotelitismo
Os monofisitas insistiam
em se auto-afirmar. Por isto a heresia reapareceu no século VII sob nova forma.
O Patriarca Sérgio de Constantinopla desde 619 ensinava que em Jesus havia uma só
enérgeia ou uma só capacidade de agir (monergetismo); a capacidade humana
estaria absorvida na divina e não teria suas expressões naturais. O Imperador
Heráclio (610-641) aceitou a nova fórmula e conseguiu assim reconciliar grupos
monofisitas com o Império.
Todavia o monge
palestinense Sofrônio resolveu resistir à nova doutrina, denunciando-a como
monofisismo velado. O Patriarca Sérgio de Constantinopla deixou então de falar
de uma só faculdade operativa, para afirmar uma só vontade (a Divina tendo
absorvido a humana) em Jesus (monotelitismo). Muito habilmente Sérgio tentou
ganhar os favores do Papa Honório I (625-638); este, tendo recebido informações
unilaterais, escreveu duas cartas ao Patriarca de Constantinopla, em que aderia
genericamente à sua posição, embora não compartilhasse propriamente nem o
monergismo nem o monofisismo; para evitar escândalos ordenava que não se
falasse de uma ou duas energias.
Levando adiante a causa
de Sérgio, o Imperador Heráclio em 638 promulgou a profissão de fé dita “Ectese”,
redigida pelo Patriarca, que reafirmava o monotelitismo. Os bispos orientais a
aceitaram quase unanimemente, ao passo que os sucessores do Papa Honório (morto
em 638) a condenaram.
O Imperador Constante II
(641-648), sobrinho de Heráclio, retirou a “Ectese”, mas, aconselhado pelo
Patriarca Paulo de Constantinopla, publicou novo edito dogmático, chamado
Typos, em 648, que proibia falar de uma ou duas vontades em Cristo. O monarca
tencionava assim pôr fim à contenda. Ora no Ocidente o Papa Martinho I
(649-653), percebendo a sutileza dos bizantinos, reuniu um Concílio no Latrão
(Roma) em 649, o qual declarou que em Cristo havia dois modos de operar e duas
vontades naturais, e puniu com a excomunhão os fautores das novas idéias. O
Imperador, indignado, mandou prender o Papa e leva-lo para Constantinopla
(653); aí foi humilhado como traidor e, por fim, exilado para a Criméia, onde
morreu de maus tratos. Vários cristãos orientais foram tratados de modo
semelhante por resistirem ao Imperador, merecendo especial destaque o abade São
Máximo o Confessor, que foi cruelmente martirizado.
Constantino IV Pogonato
(668-685), filho de Constante II, procurou a paz e, para tanto, decidiu
convocar um Concílio Ecumênico, idéia que o Papa Agatão (678-681) aprovou com
solicitude. Tal foi o sexto Concílio Ecumênico, o de Constantinopla III,
celebrado de novembro de 680 a setembro de 681, com a presença de 170
participantes. Os conciliares elaboraram uma profissão de fé, que completava a
de Calcedônia:
“Nós professamos, segundo
a doutrina dos Santos Padres, duas vontades naturais e dois modos naturais de
operar, indivisos e inalterados, inseparados e não misturados, duas vontades
diversas, não, porém, no sentido de que uma esteja em oposição à outra, mas no
sentido de que a vontade humana seque e se subordina à divina"
Isto quer dizer que em
Jesus havia duas faculdades de querer - a divina e a humana - de tal modo,
porém, que a vontade humana se sujeitava à divina, como atesta a oração no
horto das Oliveiras, conforme Mc 14,36.
O Concílio condenou os
defensores do monotelitismo e o próprio Papa Honório, tido como fautor de tal
doutrina. A condenação de Honório suscitou longos debates entre historiadores e
teólogos modernos. Na verdade, pode-se tranqüilamente dizer o seguinte:
O Papa Honório,
intervindo na controvérsia, não quis proferir definições ex cathedra, nem quis
discutir como teólogo. Unilateralmente informado por Sérgio, julgou que a
discussão a respeito de uma ou duas vontades em Cristo era mero litígio de
palavras, como estava nos hábitos dos bizantinos; por isto julgou que podia
aprovar a posição de Sérgio sem afetar a reta fé. A expressão “uma vontade”,
aliás, foi explicada pelo próprio Honório em sua carta a Sérgio, no sentido de
conformidade do querer humano com o divino. Quanto às faculdades de operar
(energeias), Honório esclareceu, seu ponto de vista referindo-se à epístola
dogmática de São Leão a Flaviano, que diz: ambas as naturezas operam na única
pessoa de Cristo, não misturadas, não separadas e não confusas, aquilo que é
próprio de cada uma delas. Donde se vê que o juízo proferido sobre Honório pelo
Concílio de 681 foi severo demais; a Sé de Roma nunca o aprovou integralmente.
As Heresias Trinitárias
Tendo estudado a expansão
do Cristianismo até o século VI, passamos a considerar a história das doutrinas
da fé na antigüidade. Um dos mais sérios problemas doutrinários que se puseram
na Igreja antiga, foi o da conciliação da unidade de Deus (firmemente
professada pelo Antigo Testamento) com a Trindade de Pessoas (Pai, Filho e
Espírito Santo, tais como nos foram revelados pelo Novo Testamento). A
inteligência dos cristãos se pôs à procura de uma fórmula satisfatória, que,
após duras controvérsias, foi definida pelos Concílios de Nicéia I (325) e
Constantinopla I (381). É a história dessa longa reflexão que vamos estudar.
7) O monarquianismo
Nos séculos II/III
alguns escritores cristãos julgavam que o Verbo (Lógos) ou o Filho de Deus só
se tornara pessoa no tempo; em vista da criação do mundo, o Pai teria gerado ou
emitido o Lógos, de modo a constituir a segunda Pessoa da SS. Trindade - Esta
concepção negava a eternidade do Filho de Deus e o subordinava ao Pai. Todavia
os defensores dessa teoria afirmavam a Divindade do Filho, de modo que não
suscitavam grave polêmica na sua época.
Podemos dizer que a
primeira tentativa sistemática de conciliar unidade e pluralidade em Deus
professava a unidade com detrimento da pluralidade. Chamou-se, por isto,
monarquianismo, expressão derivada da exclamação: “Monarchiam tenemus. -
Conservamos a monarquia” ( Tertuliano, Adversus Praxeam 3). Apresentava duas
fórmulas:
8) O monarquianismo
dinamista
O monarquianismo
dinamista professou que Jesus era mero homem, o qual no momento do Batismo terá
sido revestido de poder (dynamis) divino; foi, portanto, um homem adotado por
Deus como Filho, com intensidade especial. O fundador desta corrente foi
Teódoto de Bizâncio, cristão de notável cultura grega, que o Papa São Vítor
excomungou (190). Os seus discípulos, Asclepiódoto e Teódoto o jovem, quiseram
organizar uma comunidade própria, para qual nomearam um Bispo chamado Natal;
este foi o primeiro antipapa, o qual, arrependido, tornou-se ao seio da Igreja.
Tal corrente teve novo representante na pessoa de Paulo de Samosata, homem
ambicioso. Este via em Jesus um mero homem no qual terá habitado “como num
templo” o Logos ou a Sabedoria de Deus, que em escala menor habitava em Moisés
e nos profetas. Um concílio regional reunido em Antioquia excomungou Paulo (268);
mas os numerosos adeptos deste continuaram a professar a sua doutrina, de modo
que o Concílio ecumênico de Nicéia teve que se ocupar com a escola dos paulanos
(325).
É de notar que o
mencionado Concílio de Antioquia em 268 rejeitou a afirmação de que o Filho ou
Logos é da mesma substância ou natureza (homoousios) que o Pai. Ora
precisamente esta expressão foi consagrada pelo Concílio de Nicéia I (325) como
fórmula de fé. Para entender os fatos, devemos observar que Paulo de Samosata
usava a palavra homoousios para significar que o Logos ou o Filho era uma só
pessoa com o Pai.
9) Monarquianismo
modalista
Esta corrente ensinava
que o Filho era o próprio Pai ou uma modalidade pela qual o Pai se manifestava;
por conseguinte, o Pai terá padecido na cruz (donde o nome patri, de pater,
pai; passianismo, de passus, padecido).Tal doutrina, devida a Noeto de Esmirna,
foi levada para Roma e Cartago (África), dando origem ao partido patripassiano,
que muito agitou a comunidade de Roma. O Papa Zeferino (198-217), numa
declaração oficial, afirmou a Divindade de Cristo e a unidade de essência em
Deus, sem, porém, negar, como faziam os patripassianos, a diversidade de
pessoas do Pai e do Filho.
O modalismo foi
estendido por Sabélio, em Roma, ao Espírito Santo. Este pregador professava
três revelações de Deus: uma, como Pai, na criação e na legislação do Antigo
Testamento; outra, como Filho, na Redenção; e a terceira, como Espírito Santo,
na obra de santificação dos homens. Designava cada uma dessas manifestações
como prósopon, palavra grega que significava originariamente “máscara ou papel
de ator de teatro“, visto que posteriormente prósopon significou também pessoa,
a doutrina de Sabélio tornou-se ambígua e conquistou muitos adeptos, que de boa
fé lhe aderiram sem querer negar a trindade de Pessoas em Deus. Como se vê, o
grande problema consistia em afirmar a Trindade de Pessoas em Deus sem cair no
triteísmo ou sem professar três deuses.
A controvérsia havia de
arder por todo o século IV, envolvendo todas as camadas da população, desde o
Imperador até os mais simples fiéis; a ingerência do poder imperial, que desde
313 era simpático ao Cristianismo, contribuiu para tornar difíceis e penosas
essas discussões teológicas; elas assumiam, não raro, um caráter direta ou
indiretamente político. A problemática suscitou na Igreja os esforços de
numerosos santos e doutores, que, com seus talentos intelectuais e sua vida,
colaboraram decisivamente para a reta formulação da fé cristã. O período áureo
da literatura cristã está precisamente ligado às disputas teológicas.
Estudemos agora as
controvérsias do século IV: Arianismo e semiarianismo. Rejeitando o
monarquianismo dinamista e modalista, a lgreja afirmava sua fé em Cristo,
Pessoa Divina e distinta do Pai. Todavia não estava explicada a maneira como se
relacionam entre si o Filho e o Pai. No século IV muitos admitiram a Divindade
do Filho, subordinando-o, porém, ao Pai; donde resultou a tese do
subordinacionismo, que teve em Ário de Alexandria o seu principal arauto.
10) Arianismo
O presbítero Ário de
Alexandria foi mais longe do que os pensadores anteriores: afirmava que o Filho
é criatura do Pai, a primeira e a mais digna de todas, destinada a ser
instrumentos para a criação de outros seres. Em virtude da sua perfeição, o
Filho ou Logos poderia ser chamado “Filho de Deus”, como reza a tradição. O
Bispo Alexandre de Alexandria reuniu um Sínodo local, contando cerca de cem
Bispos, que condenaram a doutrina de Ário e dos seus seguidores em 318. A
decisão foi comunicada a outros Bispos, inclusive ao Papa S. Silvestre. Ário,
porém, conseguiu novos defensores para a sua causa o que tornou mais árdua a
controvérsia. Diante dos fatos, o imperador Constantino, que em 324 vencera
Licínio, tornando-se Onico senhor do Império, resolveu intervir: tinha como
assessor teológico o santo Bispo Ósio de Córdoba (Espanha), que Constantino
enviou a Alexandria para aproximar Ário do Bispo Alexandre; a missão, porém,
fracassou.
Então Constantino
resolveu convocar um Concílio ecumênico para Nicéia na Ásia Menor em 325, ao
qual compareceram cerca de 300 Bispos, provenientes de todas as partes do mundo
cristão; o Papa Silvestre, de idade avançada, mandou dois presbíteros seus
representantes. As discussões foram longas e agitadas. Por fim, os padres
conciliares redigiram o Símbolo de Fé de Nicéia, que afirmava ser o Filho “Deus
de Deus, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não feito,
consubstancial (homoousios) ao Pai; por Ele foram feitas todas as coisas”. A
palavra homoousios torna-se, de então por diante, a senha da reta doutrina.
Significava que o Filho é da mesma natureza (= Divindade) que o Pai; não saiu
do nada como as criaturas, mas desde toda a eternidade foi gerado sem dividir a
natureza divina.
O Imperador Constantino
tomou aos seus cuidados a defesa do Concílio ecumênico de Nicéia. Exilou Ário e
quatro Bispos que não queriam aceitar, na íntegra, definição do Concílio.
Condenou às chamas os escritos de Ário; seria punido quem os guardasse às
ocultas.
11 ) As divisões do
Arianismo
lnfelizmente, porém, as
controvérsias não terminaram. O termo homoousios parecia a alguns suspeito de
sabelianismo ou de modalismo. Por isto alguns Bispos e monges puseram-se a
combater o Concílio, apoiados pelos Imperadores Constâncio (337) e Valente
(364-78), sucessores de Constantino. Do lado da ortodoxia, destacam-se: S.
Atanásio, Bispo de Alexandria desde 328, que sofreu vários exílios; e o Papa
Libério, que em 355 foi deportado pelo Imperador Constâncio; alguns
historiadores antigos dizem que Libério conseguiu voltar à sua sede de Roma,
subscrevendo uma fórmula de fé antinicena e deixando de apoiar S. Atanásio; se
isto é verdade, deve-se à fraqueza humana, mas não se tratava de definição
solene e sim de um pronunciamento pessoal que o Papa fazia.
De resto, sabe-se que
Libério, uma vez retornado a Roma, combateu eficazmente o arianismo. Os
antinicenos, com o respaldo do Imperador, julgaram-se vencedores, depondo
Bispos e reunindo Concílios regionais. Acontece, porém, que se dividiram: tendo
negado a identidade de substância entre o Pai e o Filho ou afirmaram uns que o
Filho era semelhante (homoiousios) ao Pai, enquanto outros o tinham como
dissemelhante (anhomoios). A controvérsia era alimentada também pela sutileza
do linguajar; palavras próximas umas das outras tinham significados diferentes:
assim homoousios e homoiousios; genetós (feito) e gennetós (gerado), Nikainon
(de Nikaia, sede do Concílio ortodoxo de 325) e Nikenon (de Nike, sede de um
Concílio herético).
Finalmente, após mais de
cinqüenta anos de disputas ardentes, a ortodoxia foi prevalecendo,
especialmente por obra dos três doutores da Capadócia (Ásia Menor): S. Basílio
de Cesaréia († 379), S. Gregório de Naziano († 390) e S. Gregório de Nissa (†
394). Estes elaboraram a fórmula grega: mía ousía kaí treis hypostáseis, uma
essência (ou substância) e três pessoas, fórmula que exprimia fielmente o
pensamento dos padres nicenos e o conteúdo da reta fé: há uma só Divindade, que
se afirma três vezes ou em três Pessoas. O grande protetor da ortodoxia, no fim
do século IV, foi o Imperador Teodósio (379´395), que, pouco depois de subir ao
trono, convidou todos os habitantes do Império a aderir “aquela fé que
professam Dâmaso em Roma e Atanásio em Alexandria”; mandou também entregar as
igrejas de Constantinopla aos católicos. O Concílio Ecumênico de Constantinopla
I (381) havia de consolidar a proclamação da reta fé contra o arianismo. Isto,
porém, não quer dizer qual tal heresia se tenha extinto logo; várias tribos
germânicas, entrando dentro das fronteiras do Império, foram evangelizadas por
arianos, de modo que abraçaram o Cristianismo ariano sob forma de religião
nacional. Resta agora estudar a discussão relativa ao Espírito Santo.
12) O Macedonianismo
O Espírito Santo, embora
atestado por numerosos textos bíblicos (como Jo 14-16), foi menos considerado
no decorrer do século IV. É certo, porém, que quem julgava ser o Filho criatura
do Pai tinha o Espírito Santo na conta de criatura do Filho; seria um dos espíritos
servidores (cf. Hb 1,14), diferente dos anjos apenas por gradação. S. Atanásio,
ao combater o arianismo, defendia também a divindade e a consubstancialidade do
Espírito Santo. Por isto, um sínodo de Alexandria em 362 reconheceu a Divindade
do Espírito Santo.
Isto, porém, não bastou
para dissipar os erros: Macedôneo, Bispo ariano de Constantinopla deposto em
360, era ferrenho adversário da Divindade do Espírito, reunindo, em torno de si
bom número de discípulos, que se chamavam macedonianos ou pneumatômacos (pneuma
= espírito; máchomai = combater). Vários Sínodos rejeitaram a doutrina de
Macedônio; o mesmo foi feito pelos padres capadócios. Mas o pronunciamento
definitivo se deve ao Concílio de Constantinopla I realizado em 381: 150 padres
ortodoxos, depois do afastamento de 36 macedonianos, condenaram o
macedonianismo e, para explicitar claramente a fé ortodoxa, retomaram o artigo
32 do Símbolo de fé niceno, que rezava apenas: “Cremos no Espírito Santo”;
foram-lhe acrescentadas as palavras: “Senhor e Fonte de Vida, que procede do
Pai (cf. Jo 15,26), adorado e glorificado juntamente com o Pai e o Filho, e
falou pelos Profetas”.
Assim teve origem o
Símbolo de fé niceno-constantinopolitano, que refuta tanto a heresia ariana
quanto a macedônia. Restava, porém, dirimir ainda uma dúvida: se o Espírito
procede do Pai, como se relaciona com o Filho? A resposta foi diversa no
Oriente e no Ocidente; todavia a diversidade consiste mais na formulação do que
na própria doutrina. Os gregos, desde o século IV afirmam que o Espírito
procede do Pai através do Filho, ao passo que os latinos ensinam que procede do
Pai e do Filho (Filioque). Na Espanha o Filioque foi inserido no Credo
niceno-constantinopolitano em 589 e oficialmente recitado, passando depois para
outras regiões de língua latina. Os gregos se recusam a aceitar tal inserção,
que se tornou pomo de discórdias nos séculos IX-XI.
Atualmente as dificuldades vão sendo superadas, pois em última instância
se trata mais de palavras do que de conteúdoFONTE CLERUS.COM
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