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Como defender a fé cristã nos dias atuais
Qual a finalidade da apologética cristã? Norman Geisler diz que ela serve para abrir a porta, livrar-se dos obstáculos, desobstruir o caminho, de modo que as pessoas possam achegar-se a Cristo. Com pensamento semelhante Peter Grant também afirma que a apologética tenta ajudar os não-crentes a atravessar a jornada até a fé em Cristo – ir além do abismo cultural e encarar o abismo da cruz a fim de que possam ouvir a mensagem clara do evangelho”[1].
Se Geisler e Grant realmente estiverem certos – e eu acredito que
estejam – precisamos nos lembrar que os obstáculos colocados no caminho que
conduz à Cruz de Cristo e o abismo cultural que separa as pessoas do evangelho
mudam com o decorrer do tempo. Cada época tem seus desafios e empecilhos
próprios. E isso exige consequentemente a adaptação da apologética, para que
possa responder de forma efetiva às demandas do seu contexto social, sobretudo
para desfazer preconceitos contra o pensamento cristão, desmascarar vãs
filosofias e destruir os conselhos e toda altivez que se levanta contra o
conhecimento de Deus (2 Cor.10.5).
Por essa razão, nos dias atuais não
se concebe mais uma apologética fria e racional que ofereçasomente respostas lógicas para a mente sem se importar com os anseios
existenciais dos indivíduos. Nesse sentido, afirma-se que a apologética
clássica, que pretende defender a existência de Deus a partir de argumentos da
teologia natural, não consegue – sozinha – atender as demandas da
contemporaneidade. Francis Schaeffer sintetizou essa ideia ao afirmar que
apologética não significa “viver fechado em um castelo com ponte levadiça e, de
quando em quando, atirar uma pedra por sobre o muro”. Ela não deve fundar-se
numa mentalidade de fortaleza, do tipo: “Você não pode me atingir aqui”; e
também não deve ser meramente acadêmica. Tal postura reduz o evangelho a um
arcabouço teórico e frio, sem ligação com a vida e os anseios das pessoas. Ao
contrário, a apologética cristã, conforme Schaeffer, deve ser entendida e
praticada de maneira coerente com os sobressaltos e o contato vivo com a
geração presente. Assim “o cristão não deve preocupar-se em somente apresentar
um sistema perfeitamente harmônico consigo mesmo, como algum sistema metafísico
grego, mas antes alguma coisa que tem contato constante com a realidade – a
realidade das questões que estão sendo feitas em sua própria geração, bem como
nas gerações vindouras”[2].
Ponto de vista semelhante pode ser
visto no livro “Apologética Cristã no Século XXI”, no qual Alister
McGrath sustenta que embora a apologética tradicional tenha deixado um grande
legado no cristianismo, com um histórico honrado, hoje ela parece muitas vezes
“radicada em um mundo morimbundo, um mundo em que as reivindicações de verdade
do cristianismo eram testadas sobretudo nas salas de seminários das velhas
universidades, onde a racionalidade era vista como critério máximo de
justificação”[3]. McGrath afirma que hoje a situação mudou, inclusive o foco
das discussões, porque elas não ocorrem no âmbito das universidades e dos
livros-textos, mas no mercado das ideias, onde então o cristianismo deve
pelejar, no estúdio da televisão, na imprensa nacional, na lanchonete das
universidades e nos shopping centers, “os novos palcos de debates nos quais as
declarações de verdade por parte do cristianismo são julgadas e testadas”.
Igualmente, McGrath critica a apologética pressuposicionalista por causa de sua
falta de pontos de contato com os descrentes e ineficiência em proporcionar
diálogo com o mundo.
Dentro desse cenário McGrath propõe a
revitalização criativa e eficaz da apologética para o fim de remodelar a defesa
da fé adaptando-a às novas necessidades e oportunidades do mundo atual, daí o
subtítulo do seu livro: ciência e arte com integridade. Em outras
palavras o que McGrath sugere é a revisão da apologética tradicional com o
propósito de incorporar os contornos da visão abrangente da sociedade e do ser
humano – proporcionada pela cosmovisão cristã – para construir um sistema de
defesa da fé dialógico e com pontos de contato que interliguem o evangelho, os
indivíduos e as comunidades do mundo[5], mas sem renunciar às verdades centrais
do cristianismo. Tais pontos de contato se fundamentam nas doutrinas bíblicas
da criação e redenção e podem enfocar, segundo o autor, a sensação de desejo
não satisfeito, racionalidade e moralidade humana, assim como a angústia
existencial, a consciência de finitude e de mortalidade e o ordenamento do
mundo. Na parte prática McGrath diz que um dos pontos importantes da defesa da
fé é o apelo à cultura:
No que se refere ao apologista,
‘cultura’ designa tudo aquilo que o público gosta de ler, assistir ou ouvir,
independentemente se isso pode ser considerado como ‘culto’ no sentido estrito
da palavra. As palavras de uma música popular; algumas linhas de um bom romance
contemporâneo muito lido; uma cena marcante de um filme famoso; alguns versos
de uma música de sucesso nas rádios, tudo isso tem potencial nas mãos de um
apologista sensível e inteligente.
O apologista, porém, deve conhecer a cultura na
qual o evangelho deve ser defendido e elogiado. É pouco provável que a mais
eficiente defesa de comunicação do evangelho venha dos lábios de alguém
estranho à cultura na qual o evangelho deve ser proclamado. O apologista local
familiarizado com sua própria situação, está em melhor posição para identificar
e investigar as pistas fornecidas por esse ambiente sociocultural. É muito
fácil fazer o evangelho parecer estranho a uma cultura; o apologista deve
garantir que ele seja visto como um amigo, entrelaçando-o com as ideias e
valores daquela cultura sempre que possível. Antes de o evangelho poder
transformar uma cultura, ele precisa primeiramente firmar raízes nela.[6]
Dificilmente o cristianismo conquistará audiência se insistir em
defender as suas doutrinas usando argumentos abstratos e eminentemente
racionais, ainda que coerentes, longe do mundo do cotidiano das pessoas. Os
argumentos teístas da existência de Deus, ontológico, cosmológico, kalam, desígnio
teórico-informativo e outros, por exemplo, soam aos ouvidos da maioria
esmagadora dos descrentes – principalmente jovens e adolescentes – como uma
resenha inútil, chata e cansativa. Embora tais argumentos tenham a sua validade
e importância no âmbito acadêmico e em debates públicos contra os antiteístas,
não possuem por outro lado grande serventia para o diálogo do dia a dia.
O escritor estadunidense Josh McDowell, um dos mais renomados
apologistas cristãos das décadas de 80 e 90, que usava uma metodologia
tradicional (evidencialista) para a defesa da fé cristã, percebeu a necessidade
de uma nova abordagem apologética. Em Razões para Crer, depois de apresentar
dados estatísticos sobre o panorama do pensamento da juventude da atualidade,
ele escreve que “os jovens cristãos de hoje precisam mais do que uma postura
estritamente modernista, que apele para o intelecto. Precisam muito mais do que
o ponto de vista pós-moderno, que rejeita a verdade e exalta a experiência
pessoal”[7]; eles precisam de algo que dê sentido relacional para a vida.
Portanto, escreve McDowell, nosso papel é “apresentar a fé cristã para os
jovens cristãos de modo a demonstrar que crer é um exercício inteligente de
saber o que é objetivamente verdadeiro e experimentá-lo de modo relacional.
Quando assim fizermos, os jovens cristãos começarão a desenvolver o tipo de
convicção profunda que os tornará fortes, mesmo em face dos desafios de hoje”.
Em virtude disso é que estou
convencido que a compreensão do cristianismo como uma cosmovisão nos
prepara para o desenvolvimento de uma apologética mais dinâmica e atual, a fim
de defendermos com mais consistência a fé cristã. Isso porque, a partir da
ideia da cosmovisão podemos enxergar com mais amplitude os aspectos culturais,
éticos, antropológicos e legais do tempo em que vivemos, filtrando todas as
coisas pelas lentes das Escrituras, o que possibilita apresentar as respostas
oferecidas pelo cristianismo em harmonia com os sobressaltos da vida e a par
dos dilemas das pessoas. A união da apologética tradicional com a perspectiva
da cosmovisão cristã forma aquilo que chamo de Apologética Responsiva, isto é, que reage e responde de
forma adequada aos questionamentos do tempo presente, evidenciando, além da
racionalidade da fé cristã, as suas contribuições para a sociedade, a coerência
de suas doutrinas fundamentais e o sentido que proporciona à vida humana.
A compreensão do cristianismo como uma visão de mundo abrangente
possibilita à apologética interagir com as pessoas e responder às questões
sociais postas em discussão, seja sobre casamento homossexual, liberação das
drogas, liberdade de expressão, maioridade penal, questões indígenas,
moralidade na esfera pública, relacionamento entre estado e igreja etc.
Essa mudança de foco é necessária porque as demandas da atualidade,
dentro de um contexto pós-moderno e pragmático, que supervaloriza os
resultados, vão além daquelas objeções ao pensamento cristão de poucas décadas
atrás, a exigir do apologista cristão sensibilidade para entender seus
oponentes e conhecimento que vá além da teologia sistemática.
Caminhemos, pois, em direção a uma apologética responsiva!
NOTAS
[1] GRANT, Peter, em: ZACHARIAS, Ravi, GEISLER, Norman: Sua Igreja está preparada? Rio de Janeiro: CPAD, 2007,
p. 56.
[2] SCHAEFFER, Francis. O Deus que
intervém, tradução de Gabriele Greggersen. São Paulo: Cultura Cristã, 2009,
p. 213.
[3] MCGRATH, Alister. Apologética crista
no século XXI: ciência e arte com integridade; tradução Emirson Justino e Antivan
Guimarães. São Paulo: Editora Vida, 2008, 10.
[5] MCGRATH, Alister, p. 19.
[6] MCGRATH, Alister, p. 349, 350.
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